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O sindicato United Auto Workers (UAW), que representa os funcionários das principais montadoras de veículos dos Estados Unidos, está em greve desde o dia 15 de setembro, em paralisação que deverá prejudicar um setor que ainda não se recuperou da crise instaurada na pandemia e, na visão de especialistas, agravar a situação econômica americana.
Analistas veem prejuízo para os lucros das principais montadoras envolvidas, como General Motors, Ford e Stellantis (fabricante de marcas como Fiat, Jeep e Peugeot), e avaliam que, a depender do tempo de duração da greve – que já está no seu 10º dia – as paralisações devem repercutir de forma negativa na produção industrial dos Estados Unidos. Também projetam impacto no preço de carros usados, dada a indisponibilidade de novos veículos.
“Esperamos um impacto nos resultados do setor automotivo como um todo. Nas montadoras, que estão com produção paralisada, nos fornecedores, que vão ter queda de demanda, e na distribuição de novos veículos também”, afirma Lucas Schwarz, analista da VG Research.
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E acrescenta: “Não sabemos o tamanho desse impacto ainda. Tudo depende de quanto tempo a greve deve durar. Mas não deve passar em branco.”
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Na última sexta-feira (22), Shawn Fain, presidente da UAW, informou que os funcionários de 38 distribuidoras de autopeças da General Motors e da Stellantis cruzaram os braços em 20 estados americanos, o que equivale a uma paralisação de 18.300 trabalhadores. Ao todo, a UAW tem cerca de 145 mil sindicalizados. Segundo Fain, o objetivo é ter mais adesão nos próximos dias.
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Na Ford, a situação pareceu se acalmar quando a UAW relatou “progressos reais” nas negociações com a montadora e indicou que, por isso, demais plantas seriam poupadas. Entretanto, no domingo (24), a montadora afirmou que ainda tem “lacunas significativas a preencher” em fatores econômicos considerados chave antes de poder chegar a um novo acordo com o sindicato.
No último dia 15, o antigo acordo trabalhista entre as montadoras e os funcionários expirou e o sindicato iniciou a greve com a exigência de um aumento salarial de 40% a ser feito de forma gradual, ao longo de quatro anos. A contraproposta das empresas foi por um reajuste de 20%. A posição da UAW, porém, é de não aceitar um valor inferior a 30%.
Montadoras em perigo (de novo)
“O sindicato está pedindo um reajuste na faixa dos 40% que é bastante alto. Mas tem um problema muito mais grave no meio dessa paralisação, que é a defasagem de produção das montadoras”, afirma Gabriel Meira, sócio da Valor Investimentos.
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Segundo Meira, a produção das fábricas está 20% inferior ao período pré-Covid. Não houve ainda uma recuperação total do setor, principalmente por causa da falta de chips no mercado. Com a greve, a produção total de veículos pode chegar a uma defasagem de 40%.
“Isso tem um impacto no mercado global, estamos falando das maiores montadoras do mundo”, ressalta Meira.
Pensando na repercussão nos resultados das empresas, o especialista acredita que haverá impacto no lucro líquido, principalmente, devido ao efeito cascata de menor produção e, consequentemente, menores vendas.
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A gente não está falando aqui de uma Porsche, que consegue aumentar o valor dos veículos quando tem escassez no mercado. Estamos falando da produção de veículos comuns, que não tem uma grande margem para aumentar preço e compensar o menor volume. Porque, se aumentar, não vai vender e vai ter impacto do mesmo jeito.
Gabriel Meira, sócio da Valor Investimentos
Dado o efeito negativo considerado certo, a maior dúvida é: afinal, quanto tempo a greve pode durar? A WHG trabalha com a hipótese de paralisação total de quatro semanas, ampliando o prejuízo visto até aqui.
Até sexta-feira (22), a paralisação já tinha causado mais de US$ 1,6 bilhão em perdas na indústria, incluindo mais de US$ 500 milhões apenas para as três fabricantes de automóveis atingidas diretamente, conforme estimativas do Anderson Economic Group.
O desempenho das ações, no entanto, é misto. As ações da Ford (F) fecharam a última semana com perda acumulada de 1,43%, mas subiram 1,89% na sexta e avançavam 2,3% nesta segunda-feira (25). Já os papéis da GM caíram 0,40% no último pregão da semana passada e encerram o período cedendo 4,04%. Já hoje operavam em alta de 1,54% no mesmo horário.
Por outro lado, as ações da Stellantis, que operaram próximas da estabilidade na sexta e chegaram a subir 0,52% na semana, são negociadas nesta segunda em queda de 1,19%.
Disputa em terreno político
O setor automotivo não é trivial para a indústria dos Estados Unidos: representa 3% do PIB do país. Fernando Fenolio, economista-chefe da WHG, calcula que a greve pode ter um impacto significativo nos próximos indicadores econômicos.
“Uma semana de greve pode retirar de 5 a 10 pontos-base do PIB americano no trimestre. Então, se a greve durar quatro semanas, então ela tiraria de 20 a 40 pontos-base do PIB”, diz Fenolio.
Entretanto, o economista não acredita que essas mudanças devem afetar a macroeconomia de forma permanente, a ponto de ser relevante para mudar a posição do Federal Reserve (banco central dos EUA) na sua postura restritiva de juros. Ele vê chances de uma inflação maior no preço dos veículos e de perda da produção industrial, mas de forma temporária, sem prejuízos duradouros.
Mesmo assim, o assunto ganhou atenção do governo americano. Após convite do UAW, o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou via redes sociais que visitará uma das plantas paralisadas em Michigan na terça-feira (26). Em publicação no X (antigo Twitter), afirmou que “é hora de um acordo ganha-ganha que mantenha a indústria automobilística americana prosperando com empregos bem pagos”.
No dia seguinte, quarta-feira (27), o ex-presidente Donald Trump – que participa da corrida eleitoral para um segundo mandato – estará na mesma cidade para falar aos trabalhadores do setor automotivo, segundo informações da Reuters.