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Investidores de títulos de crédito emitidos pelo Credit Suisse que tiveram seu valor reduzido a zero após a compra do banco pelo concorrente UBS estão se preparando para brigar com o governo suíço, que intermediou o negócio.
Os papéis são do tipo AT1s (aditional tier 1), uma classe de dívida criada após a crise financeira global de 2008 para absorver perdas em momentos de crise nas instituições financeiras. No acordo firmado para o UBS comprar o Credit Suisse por US$ 3,2 bilhões, ficou estabelecido que cerca de US$ 17 bilhões em títulos AT1 seriam marcados a zero como parte da negociação.
Os títulos AT1 – também conhecidos como Co-Cos, de contingent convertible bonds – normalmente são perpétuos (sem data de vencimento), servindo aos bancos para captar recursos e atender exigências regulatórias de capital sem a necessidade de emitir novas ações, o que dilui os acionistas.
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“Como era classificado como um banco global sistemicamente importante [G-SIB, na sigla em inglês], o Credit Suisse tinha exigências de capital maiores do que outras instituições”, explica Matheus Guimarães, analista de instituições financeiras da XP. “Se um banco brasileiro precisa ter um índice de Basileia de 10,5% ou 11% pelo menos, no caso do Credit isso era perto de 20%”, o que justificava a emissão dos títulos AT1, afirma.
Esses papéis, que compõem um mercado de cerca de US$ 250 bilhões, em geral oferecem retornos atraentes – mas a um preço. Quando um banco entra em colapso, há uma hierarquia estabelecida para quem será pago de volta com os recursos que sobram. E dentre os detentores de títulos, os que possuem AT1 vão para o fim da fila.
A perda, portanto, faz parte do jogo. Mas o que causou a ira dos investidores de títulos AT1 no caso do Credit Suisse foi o fato de não receberem nada pelos papéis, enquanto os acionistas conseguiram recuperar pelo menos uma (pequena) parte do seu dinheiro. Afinal, ao comprar o banco, o UBS compensará os donos de ações – ainda que em menos da metade do valor de mercado.
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Nesta semana, diversos gestores de fundos internacionais manifestaram disposição para enfrentar as autoridades suíças nessa questão. Ao jornal Financial Times, David Tepper, fundador da Appaloosa Management, disse que se os governos podem mudar as regras após a ocorrência de um fato, não será possível confiar nos títulos de dívida emitidos na Suíça ou na Europa.
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“Contratos são feitos para serem honrados”, afirmou Tepper, considerado um dos investidores mais bem-sucedidos em empresas financeiras problemáticas, após ganhar bilhões de dólares em 2009 apostando que os bancos americanos não seriam nacionalizados durante a última crise financeira. Sua empresa tinha papéis do Credit Suisse.
David Benamou, diretor de investimentos da Axiom Alternative Investments e investidor nos papéis AT1 do banco suíço, disse à rede CNBC que ingressaria com processo, assim como “provavelmente a maioria dos detentores de títulos”. Mark Dowding, diretor de investimentos do RBC BlueBay, afirmou também ao FT que a Suíça “está parecendo uma república das bananas”.
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Segundo as duas publicações, o escritório de advocacia Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan, com sede na Califórnia, é um dos que estão representando detentores de papéis AT1 do Credit Suisse – uma reunião que a banca realizou nesta quarta-feira (23) sobre o assunto juntou mais de 750 pessoas.
O escritório atuou em um caso semelhante envolvendo a venda do banco espanhol Banco Popular ao Santander por 1 euro em 2017, quando os títulos AT1 também foram reduzidos a zero.
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O Pallas Partners é outro escritório de advocacia atuando no caso. Em reunião com clientes em potencial nesta semana, Natasha Harrison, uma das sócias, disse que há “um argumento muito bom de que declarações falsas foram feitas sobre a segurança financeira do Credit Suisse até 14 de março”.
Informações compiladas pela Bloomberg nesta semana indicam que gestoras como Pimco e Invesco estão entre as maiores detentoras de AT1 do banco suíço. Fundos de índices (ETFs) focados em títulos do tipo – como o Invesco AT1 Capital Bond UCITS ETF e o WisdomTree AT1 Coco Bond UCITS, negociados em bolsas internacionais – acumulam perdas entre -13% e -16% nos últimos 30 dias.
Mudança de hábito
Carlos Macedo, analista da OHM Research, diz que o mais usual é que títulos do tipo AT1 sejam convertidos em ações (equity) quando um banco tem um problema de capital. “Só que, ao contrario disso, eles viraram pó, uma mudança de regra bem dura”, explica.
Nesta quinta-feira (23), a Finma – autoridade supervisora do mercado financeiro da Suíça – disse em comunicado que “os instrumentos AT1 emitidos pelo Credit Suisse prevêem contratualmente que serão completamente amortizados em um ‘evento de viabilidade’, em particular se for concedido apoio extraordinário do governo”.
Como o banco recebeu empréstimos de liquidez garantidos pelo governo federal de até 50 bilhões de francos suíços no domingo (19), “essas condições contratuais foram atendidas”, afirmou a agência.
A portaria que liberou os recursos para o Credit Suisse foi a mesma que autorizou a Finma a ordenar que banco zerasse o valor do capital adicional de nível 1 (AT1). “No domingo, foi possível encontrar uma solução para proteger os clientes, o centro financeiro e os mercados”, disse o CEO da agência, Urban Angehrn. “Neste contexto, é importante que o negócio bancário do CS continue a funcionar de forma harmoniosa e ininterrupta. Esse é o caso agora.”
Já o Banco Central Europeu (BCE) e outras autoridades da zona do euro se apressaram em acalmar os mercados de AT1 já na segunda-feira (20), dizendo que continuariam a impor perdas aos acionistas antes dos detentores de títulos. “Essa abordagem foi aplicada de forma consistente em casos anteriores e continuará a orientar as ações da supervisão bancária do SRB [Single Resolution Board] e do BCE em intervenções de crise”, afirmaram em comunicado.
Na visão de Macedo, é pouco provável que investidores brasileiros estivessem expostos aos papéis do Credit Suisse – a não ser investidores muito sofisticados, com aplicações em ativos exóticos, e mesmo assim com pouca exposição.
Mas a emissão de papéis AT1 não é uma exclusividade dos bancos suíços. As instituições brasileiras também o fazem, lembra Guimarães, da XP. “A maior parte desses papéis provavelmente está com investidores institucionais estrangeiros, pois eles não têm muita liquidez”, explica.
(Com informações de Financial Times, CNBC, Bloomberg e Estadão Conteúdo)