Megainvestidor Ray Dalio deixa controle da Bridgewater, maior gestora de hedge funds do mundo

"Estou grato por tudo o que essas pessoas fizeram para fazer com que chegássemos até aqui neste momento", afirmou em tom emocionado

Bruna Furlani

(Crédito: Roy Rochlin /Getty Images)
(Crédito: Roy Rochlin /Getty Images)

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Após 47 anos, o megainvestidor de Wall Street Ray Dalio anunciou nesta terça-feira (4) pelo Twitter que deixou o controle da Bridgewater Associates, aos 73 anos. Dalio fundou a maior e mais lucrativa gestora de hedge funds do mundo, com cerca de US$ 140 bilhões sob gestão.

Em uma publicação emocionada, o megainvestidor disse que seguirá como mentor, investidor e como membro do conselho da Bridgewater. Pelas redes sociais, Dalio destacou que não esperava que a empresa chegaria ao patamar que está agora com mais de 1.300 funcionários. Segundo o gestor, a companhia foi criada com a ajuda de duas pessoas em seu apartamento de dois quartos.

“Estou grato por tudo o que essas pessoas fizeram para fazer com que chegássemos até aqui neste momento. Não foi fácil nos últimos 12 anos, mas nós conseguimos”, afirmou. “Nos últimos dois anos, acompanhei e ajudei na gestão da Bridgewater com a ajuda deles e eles foram ótimos”, completou.

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Em sua despedida, Dalio afirmou que deixou a companhia para Nir Bar Dea e Mark Bertolini, que atuam como co-CEOs, além de Bob Prince e Greg Jensen, que respondem por co-CIOs, e que estiveram ao seu lado ao longo dos últimos 35 anos e 25 anos, respectivamente.

Quem é Ray Dalio?

Dalio nasceu em Nova York e começou a investir com 12 anos. Ele fundou a Bridgewater em 1975, dois anos após concluir seu MBA na Harvard Business School e pouco depois de ter sofrido uma demissão.

Sua gestora foi pioneira ao utilizar a estratégia de alocação conhecida como de “risk parity“, ou “paridade de risco” em tradução livre para o português, que busca alocar a carteira de forma a igualar as contribuições de risco de cada classe ativos e que se utiliza de alavancagem para ponderar o risco, buscando um nível “ideal” de volatilidade. Essa estratégia, segundo seus defensores, é capaz de resistir a qualquer tipo de ambiente econômico.

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A Bridgewater, no entanto, não é famosa apenas pelos seus fundos, mas por sua cultura empresarial baseada em transparência radical e o que poderia ser traduzido por meritocracia de ideias. Por isso, a gestora chegou a ser chamada de “Steve Jobs dos investimentos”.

Mas sua carreira não foi só de acertos. No começo dos anos 1980, Dalio fez uma aposta errada no mercado e acabou perdendo muito dinheiro – seu e de seus investidores.

O episódio foi um divisor de águas para o investidor e marcou seu novo momento de vida, com a reconstrução da Bridgewater e a criação dos seus princípios, que, mais tarde, foram imortalizados em vários livros sobre gestão, liderança e filosofia de investimentos (entre eles, alguns best sellers).

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Em 2011, Dalio se juntou à iniciativa de Bill e Melinda Gates – também seguida por Warren Buffett e outros bilionários –, ao anunciar que doaria metade de sua fortuna para a caridade.

Os Princípios de Ray Dalio

Em 1982, Dalio previu que a economia global estava caminhando para uma depressão causada por uma grande crise bancária, depois de um calote do México. O gestor chegou a dar entrevistas sobre o assunto, foi chamado para falar ao Congresso americano, e investiu todo o dinheiro da Bridgewater pensando nisso. Mas estava errado.

O mercado entrou em uma onda otimista que durou 18 anos. Ele contou em seu livro “Princípios” que estar tão errado – e tão publicamente errado – foi uma experiência que trouxe humildade, e custou, basicamente, tudo que havia construído até então. Tudo mesmo.

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Com a fuga de investidores e sem dinheiro, precisou demitir os oito funcionários da época e pegou US$ 4 mil emprestados com seu pai até que conseguisse vender um dos carros para pagar as contas.

Dalio reconhece que sua arrogância e confiança na ocasião foram as responsáveis pelo seu “tombo”, mas que o incidente também foi seu ponto de virada: foi a partir daquele momento que ele conseguiu se desenvolver ao ponto de se tornar bem-sucedido.

Hoje, o gestor costuma falar que esse grande erro foi a melhor coisa que aconteceu em sua vida, porque deu a humildade necessária para balancear sua agressividade e que, com o episódio, aprendeu que o medo de errar novamente mudou sua forma de pensar de “estou certo” para “como eu sei que estou certo?”.

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Para ele, a melhor forma de responder a essa pergunta seria levá-la a um grupo de pensadores independentes que tivessem a mesma missão que ele, mas pensassem de maneira diferente.

Dessa forma, este grande fracasso foi a chave para desenvolver em Dalio a nova perspectiva que ele passou a chamar de, em uma tradução para português, “mente radicalmente aberta”, o que foi essencial para transformar a Bridgewater no que ele classifica como uma meritocracia de ideias, formada por pessoas inteligentes que desafiem uns aos outros. Foi essa forma diferente de pensar que levou a Bridgewater a desenvolver sua estratégia de Pure Alpha.

Mas outro evento ajudaria a formar a cultura da companhia como é conhecida hoje, baseada na transparência radical. Quando já tinha reconstruído a empresa, em 1993, seus colegas, o co-CEO Bob Prince, a COO Giselle Wagner e o estrategista sênior e diretor de pesquisa Dan Bernstein, o convidaram para um jantar. No convite, constava que o objetivo seria dar um feedback sobre o estilo de gestão de Dalio e o impacto que seu comportamento causava no ambiente de trabalho.

No próprio documento, citavam o que Dalio fazia muito bem – ser inovador, entender do mercado e gerenciamento de investimentos, ser energético e intenso, ter boas intenções sobre trabalho em equipe, criando o senso de olhar do dono e dando flexibilidade nas condições de trabalho, além de pagar um bom salário.

Mas, no próprio documento, citavam também o que o gestor não fazia bem: em algumas ocasiões, Dalio fazia com que os funcionários se sentissem incompetentes, desnecessários, humilhados, diminuídos e oprimidos. As chances disso acontecer aumentavam quando Dalio estava estressado. Descreviam ainda que o impacto disso nas pessoas era a desmotivação e a redução de produtividade e qualidade de ambiente de trabalho, e detalhavam que o futuro da companhia dependia da habilidade de Dalio de gerenciar não só o dinheiro, mas as pessoas.

A reação de Dalio foi de surpresa – ele não imaginava que sua forma de agir impactava as pessoas ao redor daquela forma. E o fato de ninguém ter falado para ele até aquele momento o constrangeu ainda mais. Foi depois desse balde de água fria que o gestor entendeu que estava em uma encruzilhada: ou mudava o seu jeito de trabalhar e a cultura da companhia, ou teria problemas muito piores em um futuro próximo.

O episódio foi o estopim para começar a redação dos princípios da organização, as receitas sobre como alguém deveria lidar com situações e suas consequências. Esse manual começou pequeno e foi crescendo ao longo do tempo, e chegou a algumas centenas. O livro Princípios, publicado em 2011, trouxe 277 deles, que abrangiam desde ficar de olho em pessoas que acreditam que não saber algo é vergonhoso até a recomendação de gravar tudo. Literalmente. Todas as reuniões da Bridgewater são gravadas e os vídeos ficam à disposição dos funcionários. Esse é um dos principais elementos do que Dalio chama de transparência radical.

A publicação aumentou o interesse pela cultura da Brigdewater, que chegou a ser chamada de culto e ser acusada de fazer uma lavagem cerebral nos funcionários. Dalio reconheceu que a cultura da Bridgewater realmente não era para todos,e que, com a exposição, teria ficado mais difícil contratar novos profissionais para a empresa e que cerca de 30% dos funcionários saíam da companhia em dois anos.

Fato é que, no ano em que o livro foi publicado, os três fundos de sua gestora conseguiram mais de US$ 2,9 bilhões em lucro e a Bridgewater alcançou o posto de maior hedge fund do mundo. Estima-se que, até meados de 2020, a gestora tenha gerado um retorno de US$ 58 bilhões para seus investidores.

Mas o fato de a cultura da empresa estar tão ligada ao seu fundador também já criou problemas. Entre 2014 e 2016, a Universidade da Califórnia tirou US$ 550 milhões investidos na Bridgewater por uma preocupação com o futuro da companhia.

Por isso, em 2018, a gestora passou por uma mudança na estrutura e passou a ser uma parceria, para aumentar a participação dos funcionários na companhia. Um ano antes, Dalio já havia deixado o posto de co-CEO.