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A notícia de que os Fiagros (fundos que investem nas cadeias produtivas agroindustriais) com menos de 500 cotistas poderiam ter seus dividendos tributados com a Medida Provisória dos fundos exclusivos (MPV 1184/2023) caiu indigesta para gestores e especialistas do segmento, que temem por uma concentração de mercado e dificuldade de entrada de novos fundos.
A indústria de Fiagros vem crescendo exponencialmente desde seu nascimento, em outubro de 2021, impulsionada pelos dividendos elevados e isentos de tributos – a maioria das carteiras dos fiagros oferece uma rentabilidade indexada ao CDI (principal indicador da renda fixa), mais uma taxa de spread, que facilita com que muitos retornos superem 1% ao mês.
A isenção, contudo, exige alguns critérios estabelecidos na Lei 11.033/2004, muito usada pelos fundos imobiliários. Para não ter os dividendos tributados, os fiagros precisam ter registradas ou negociadas suas cotas na Bolsa ou no mercado de balcão; possuir pelo menos 50 cotistas e nenhum investidor concentrando mais de 10% de participação.
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Caso essas regras não forem cumpridas, os dividendos são tributados em 20%, afirma Arthur Vieira de Moraes, professor de finanças e um dos principais especialistas em FIIs do País.
Mas, essas regras podem estar prestes a mudar.
Nicolas Paiva e José Roberto Meirelles, especialistas da Silveiro Advogados, explicam que a MPV 1184 prevê a mudança de dois critérios: os fiagros passam a ser efetivamente negociados na Bolsa ou no mercado de balcão, com exigência de certa liquidez de compra e venda de cotas – ou seja, apenas ter o registro não é mais suficiente.
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A outra mudança, considerada mais polêmica, está relacionada ao número de cotistas para ter direito à isenção dos proventos: o requisito mínimo saltou 10 vezes, de 50 para 500.
Caso a MPV seja aprovada, as mudanças estão previstas para entrar em vigor em janeiro de 2024. A proposta tem um prazo de 120 dias para ser avaliada pelo Congresso.
Saídas para os fiagros
Na avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem, a nova tributação, apesar de afetar poucos fiagros, poderia comprometer a chegada de novos fundos ao mercado e frear o crescimento acelerado dessa indústria nascente.
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Um levantamento da Economatica, com dados até 31 de julho, revela que apenas quatro fiagros – das gestoras 051 Capital e Greenwich Investimentos – teriam menos de 500 cotistas e, por isso, poderiam ver seus dividendos tributados em 20% com a nova regra. São eles:
- Greenwich Agro Fiagro (GRWA11) – 424 cotistas
- 051 Agro Fiagro (FZDA11) – 217 cotistas
- 051 Agro Fazendas III Fiagro (FZDB11) – 53 cotistas
- 051 Agro Fazendas II Fiagro (FLEM11) – 18 cotistas
O fiagro GRWA11 investe em CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) com uma taxa média da carteira de CDI mais 4,90%. Listado na Bolsa desde março de 2023, tem histórico de entregar retorno em dividendos (dividend yield) entre 0,79% e 1,36% ao mês.
Os gestores e sócios da Greenwich, Daniel Moro, Mauricio Fanganiello e Guilherme Ribas, afirmam que o fiagro acabou escapando do corte: em números atualizados, até 28 de agosto, o produto já conta com 718 investidores. Apesar disso, dizem, veem a exigência como exagerada.
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“Isso faz com que o mercado possa se concentrar lá na frente e dificultar a entrada de novos fundos”, afirma Moro, sócio e economista-chefe da Greenwich. “Se a ideia era desconfigurar fiagros familiares ou de grupos específicos não precisava subir tanto a régua”, diz, defendendo um piso de 100 cotistas.
Os executivos também se queixam de uma possível insegurança jurídica trazida pela nova MPV. “Ao atuar nessa magnitude, o governo acaba privilegiando algumas gestoras em detrimento de outras”, comenta Ribas.
Em entrevista exclusiva ao InfoMoney após participação na Expert 2023, o diretor de Programa da Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Daniel Loria, argumentou que o movimento do governo federal está amparado na legislação e na jurisprudência.
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Investidores profissionais
Se a Greenwich conseguiu driblar o novo piso proposto pelo Governo, o mesmo não aconteceu com a 051 Capital. Embora seus fiagros tenham registrado crescimento desde o último dado levantado pela Economatica, todos ainda estão abaixo de 500 cotistas. O FZDA11, que experimentou o maior aumento, ainda registra base de apenas 390 investidores.
Os fiagros da 051 Capital são destinados apenas a investidores profissionais – com R$ 10 milhões ou mais investidos – e não investem em CRAs, mas sim diretamente em terras e fazendas, pagando dividendos anualmente com os lucros obtidos pelo arrendamento das propriedades.
No entanto, a periodicidade de remuneração dos cotistas não deve mudar mesmo com a tributação de dividendos, afirma Marconi Silva, sócio e gestor de Operações Agro da 051 Capital. Para fazer frente à MPV 1184, a gestora pretende adotar estratégias que permitam acelerar a sua base de investidores para evitar a tributação.
Para isso, a casa aposta na proposta de maior segurança da aquisição direta de terras, em vez de papéis de crédito, além da atratividade do investimento em terras no longo prazo, visando elevada valorização. “No nosso último relatório, fizemos a avaliação de uma fazenda que teve uma valorização de 146% do ativo”, aponta Silva.
Embora seja uma preocupação para a 051 Capital, Silva esclarece que, por se tratar de fiagros de terra, os dividendos não são o principal elemento de rentabilidade para os cotistas. “Acreditamos que a locação mobiliária no longo prazo vai ser responsável por 2/3 do resultado do fiagro, enquanto os dividendos representem uma parcela de 1/3. Quem investe nestes ativos precisa ter isso claro”, pontua.
O pagamento anual de proventos deve dar também espaço para que a gestora possa se reorganizar com novas estratégias, visto que, caso os dividendos venham a ser tributados, os investidores só sentiriam os impactos em maio de 2024, quando os fiagros da 051 Capital voltam a pagar dividendos.
“Temos um tempo maior para conseguir se adaptar, o que seria diferente se os fiagros pagassem mensalmente”, diz Silva.
Freio na indústria?
Embora poucos fiagros existentes sejam afetados, especialistas avaliam que a MPV dos fundos exclusivos traz um peso forte para as gestoras que pretendem lançar novos fundos.
Segundo José Roberto Meirelles, advogado coordenador das áreas de Fundos de Investimento e Securitização do Silveiro Advogados, gestoras podem começar a estipular quantidade mínima de cotistas para estrear na Bolsa. “As ofertas que não atingirem um patamar acima de 500 cotistas provavelmente serão canceladas”, avalia.
Já Nicolas Paiva, advogado de Direito Imobiliário do Silveiro Advogados, acredita que aqueles que cheguem ao mercado com um número inferior deverão ter uma estratégia sólida que permita mostrar que são capazes de entregar um retorno pelo menos 20% acima dos fiagros isentos.
Para os advogados, é possível que a medida do Governo não surta o efeito esperado, dada a possibilidade de perda de arrecadação futura de novos fundos — principalmente aqueles ligados a investidores profissionais e qualificados — ou de fundos que optarem por reter dividendos até atingir a isenção.
Os especialistas também citam potencial de concentração de mercado nas mãos de grandes gestoras, corretoras e bancos. Para Danilo Carvalho, analista de Fiagros da Ticker Research, o custo das ofertas iniciais (IPOs) dos fundos poderia subir, pois precisariam destinar mais recursos para atrair cotistas, remunerar distribuidores e divulgar o produto. Com dinheiro mais escasso para compra de ativos, cotistas também seriam prejudicados.
Por conta desses entraves, Meirelles e Paiva acreditam que existe a possibilidade de o governo voltar atrás e reduzir o limite mínimo de cotistas para obter isenção.
Os especialistas também não acreditam que seja o fim da insegurança jurídica no segmento caso a MPV seja aprovada. “Enquanto houver dividendos isentos, essa discussão sobre a retirada da isenção sempre volta à tona”, destaca Carvalho.