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SÃO PAULO – Enquanto o sobe e desce dos preços na Bolsa brasileira exigiu sangue frio dos investidores nos últimos meses, o olhar atento de Pedro Sales, gestor da estratégia de ações Brasil da renomada Verde Asset, com R$ 53 bilhões sob gestão, focava em uma única direção: encontrar papéis que tinham ficado ainda mais atrativos com as correções feitas pelo mercado.
A procura não é à toa. Em entrevista ao InfoMoney na última quinta-feira (14), Sales diz que entende que os “preços atuais parecem interessantes para se ter uma posição relevante em empresas brasileiras”. Nesse contexto, aproveitou a queda expressiva para ir às compras e aumentar a posição que já detinha em Grupo Mateus (GMAT3), Assaí (ASAI3) e Natura (NTCO3).
Mesmo sem gostar de fazer projeções sobre o preço-alvo para o Ibovespa ou sobre um provável rali de fim de ano, que é tradicional no mercado, o gestor afirma que há boas perspectivas para a Bolsa até o encerramento de 2021. Só que, para isso, será preciso “tirar da frente” o tema da alta de juros, além de questões relacionadas ao Orçamento do ano que vem e à PEC dos precatórios, que devem ser resolvidas ainda neste ano.
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O executivo afirma ainda que a quantidade de aberturas de capital (IPOs, na sigla em inglês) e de follow-on (ofertas subsequentes de ações) até o fim do ano deve diminuir – um movimento que considera “saudável” para equilibrar a oferta com a demanda e evitar que o ambiente continue deteriorando.
Ao ser questionado sobre o crescimento econômico do ano que vem, Sales é categórico: “O mercado está exageradamente pessimista”. Para ele, o Banco Central não vai manter um “nível de juros muito alto por muito tempo a ponto de gerar uma deterioração exagerada no crescimento”.
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Confira os principais trechos da entrevista:
A carta da Verde deste mês destacou que as ações brasileiras foram fortemente impactadas por uma piora no cenário local e global, com choques de oferta, inflação pressionada etc. Como estão as perspectivas para a Bolsa até o fim do ano?
Nós temos uma visão otimista. O nosso entendimento é que já houve uma correção das ações e que os preços atuais parecem interessantes para se ter uma posição relevante em ações no Brasil. A deterioração da Bolsa foi puxada pelo tema dos precatórios e, mais recentemente, pela criação do novo Bolsa Família. Acredito que esse processo ainda deve ter bastante ruído até o fim do ano. Mas penso que até algum momento, isso vai ter que ser resolvido e vai ajudar a reduzir o risco fiscal e a aumentar a recuperação da Bolsa.
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Nós não trabalhamos com target [preço-alvo] para o Ibovespa, porém a queda foi bem forte e estamos encontrando muitas empresas a preços interessantes para comprar ou aumentar posição.
A gestora então aproveitou o momento para ir às compras? Quais foram as ações que adquiriu ou aumentou a alocação?
Uma posição que aumentamos recentemente e que é bastante relevante para nós é em Assaí. A companhia é um dos maiores atacarejos brasileiros e tem um histórico excepcional. Ao longo da última década, a empresa cresceu cerca de 30% ao ano, com um retorno sobre o capital investido bastante elevado, de cerca de 25%. Ela teve forte expansão e boa rentabilidade.
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Só que a ação não está precificando esse crescimento robusto em termos de preço/lucro [indicador que mede quantos anos seriam necessários para que o investidor conseguisse o retorno das ações que possui ou que planeja adquirir].
Há também outros papéis?
Também aproveitamos o momento para aumentar a posição que tínhamos em Grupo Mateus. A empresa está bem consolidada no Nordeste e também no Norte. Há uma avenida de crescimento enorme e também com uma rentabilidade muito alta. Tanto Assaí quanto Grupo Mateus fazem parte de um setor que foi muito beneficiado na pandemia pela inflação dos alimentos. Não esperamos um forte crescimento do segmento de atacarejo, mas as duas empresas são excepcionais e são algumas das ações que achamos que estão muito baratas.
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Outro papel em que aumentamos o investimento foi em Natura. Na nossa visão, a gestão da marca é muito boa e há uma oportunidade de melhoria muito relevante. A companhia fechou a aquisição da Avon e houve uma sinergia e complementaridade que melhoraram a gestão e o resultado. O crescimento é enorme. O curto prazo até pode ser mais desafiador quando se faz um ajuste, mas é essa mudança que permite que ela esteja mais preparada para crescer. Na prática, Assaí, Grupo Mateus e Natura foram os três investimentos que mais aumentamos nessa crise.
Houve algum papel em que aumentaram a posição de olho no cenário global?
Sim. Há uma última posição que aumentamos mais pelo contexto mundial. A Suzano é a maior empresa de celulose de eucalipto que temos hoje. A companhia possui uma gestão excelente e alguns dos seus ativos estão entre os mais eficientes do mundo. É uma empresa de que gostamos como investimento de longo prazo.
Além disso, o produto é dolarizado. Numa crise fiscal, o resultado da empresa tende a se manter ou a melhorar porque a margem da empresa aumenta quando o dólar sobe e ela expande o seu lucro. É uma companhia muito boa e que também ajuda a proteger o portfólio.
E sobre os tradicionais ralis de fim de ano. Devemos ver algo assim em 2021? Qual deve ser a intensidade?
Não gosto muito de fazer essas previsões. Para mim, o mais importante é avaliar se o preço atual para investir nas ações da Bolsa é bom ou não. Vejo que o preço está muito bom para comprar atualmente. Isso obviamente não significa que seja a Bolsa como um todo. Essa é a forma que eu gosto de olhar. A nossa visão é de que tem boas perspectivas para o fim de ano porque o principal ponto negativo é a questão fiscal, que deve ser resolvida em parte até o fim de 2021.
Outro aspecto que pode ajudar é que o mercado deve estar olhando mais pra frente. Obviamente é cedo pra discutir a queda dos juros de forma acentuada, mas o tema da alta de juros deve parar de machucar um pouco mais pro fim do ano, porque o cenário já passa a ser com foco em 2023 e não mais em 2022. Tirando da frente o tema da subida da Selic, do Orçamento e da PEC dos precatórios, essas mudanças podem ajudar a Bolsa ao longo dos próximos meses.
Qual tem sido a maior preocupação da Verde hoje no cenário local?
O cenário fiscal, sem dúvidas. Agora, três anos atrás era o cenário fiscal. Cinco anos atrás, também. Isso porque há três aspectos negativos: endividamento alto do Brasil em relação a outros emergentes; déficit primário alto; e rigidez grande nos gastos do governo de forma que é difícil fazer um ajuste fiscal. Quando juntamos tudo isso, vemos que o nosso equilíbrio fiscal vai precisar de um longo prazo de ajuste para que a situação seja resolvida.
De qualquer forma, acreditamos que nem o presidente e nem a grande maioria do Congresso estão dispostos a fazer uma grande aventura em termos de ir para desequilíbrio fiscal. Mas é importante desviar do precipício e ter melhora no endividamento do país.
Agora sobre as eleições, acredita que há reais chances de existir uma terceira via? Como isso deve impactar a Bolsa?
A nossa visão é que a terceira via infelizmente não é favorita nesta eleição. No nosso entendimento, o mercado está atribuindo uma probabilidade muito baixa de que haja uma terceira via. Acredito que há uma chance razoável. Logo, se isso ficar mais forte, pode gerar certa euforia na Bolsa. Mas é difícil antecipar. As prévias do PSDB podem trazer certo ânimo, ou não. Pode ser que o tema da terceira via só venha mais forte no segundo semestre do ano que vem.
E com relação ao cenário externo, quais são as maiores preocupações?
A maior é definitivamente com os juros globais. O termômetro obviamente são [os juros] nos Estados Unidos. Há também um fator importante que é a inflação. Na nossa visão, a alta de preços vai seguir pressionada por um tempo e o Fed [Federal Reserve, banco central americano] vai subir os juros no fim do ano que vem ou em 2023 para controlar isso. Há uma chance razoável que eles elevem as taxas. Agora, os juros não vão subir para níveis exagerados como 3% ou 4%. A alta deve ser mais controlada.
Voltando ao Brasil, como estão as perspectivas de crescimento econômico para o ano que vem?
Ao olharmos para 2022, o crescimento não deve ser tão forte. Mas, na nossa visão, o mercado está exageradamente pessimista com o avanço do PIB no ano que vem. As expectativas foram muito reduzidas ao longo do mês. Nesse sentido, dois fatores vêm pesando muito: a alta dos juros e a alta da inflação. Porém, acreditamos que não faz sentido o Banco Central manter o nível de juros muito alto por muito tempo, a ponto de gerar uma deterioração exagerada, dado que o nível de desemprego é alto.
De que forma o país poderia crescer além do que o mercado vem projetando?
A inflação é choque de oferta. Ela, assim como os preços das commodities, deve arrefecer mais pra frente. Colocando isso tudo na conta junto com a abertura das atividades, o nosso entendimento é que isso vai acelerar o setor de serviços. O que, na nossa visão, deve ser suficiente para contrapor a parte de bens, que deve ser negativamente influenciada pela alta de juros e pelos gargalos de produção.
Alguns IPOs foram cancelados recentemente e o apetite dos investidores por essas ofertas parece ter diminuído. Como veem o cenário para aberturas de capital e follow-on daqui pra frente?
A quantidade de IPOs e follow-on está bastante relacionada ao preço da Bolsa. Com a queda, há várias empresas desistindo porque não conseguem um preço razoável. A nossa visão é que se continuar como está, vamos ter poucas ofertas até o fim do ano. O cenário mudou bastante. Agora, eu acho isso saudável para ter um equilíbrio entre a oferta e a demanda. Ajuda a evitar que o mercado continue deteriorando.
A Bolsa brasileira ainda tem poucas empresas do setor de tecnologia ou fintechs. Recentemente, Nubank e Picpay anunciaram que vão abrir abrir capital lá fora. Como veem a saída de empresas assim?
Cerca de dois anos atrás, o mercado brasileiro não parecia preparado. Mas agora temos um mercado robusto para empresas de tecnologia levantarem capital. É uma evolução natural, que começou atrasada, porém estamos evoluindo.
Agora, tem um aspecto que muda um pouco. Quando uma empresa como Suzano ou Equatorial abre capital, ela atrai investidores globais e brasileiros. Em tecnologia, há muito fundos que investem na área, mas não estão acostumados com o Brasil. Isso faz com que o mercado fique mais separado e que em alguns momentos seja mais difícil emitir [captar recursos] por aqui.