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SÃO PAULO – Com um quadro fiscal e político que inspira cuidados e uma inflação que deve seguir pesando no sono dos agentes financeiros, o mercado tem projetado taxas de juros cada vez mais altas para este ano, na expectativa de que isso seja capaz de frear parte das pressões inflacionárias.
Se, por um lado, a elevação da Selic aumenta o custo e diminuiu os incentivos para as empresas tomarem empréstimos para novos investimentos, por outro, a retomada econômica fez com que algumas companhias – especialmente as que possuem maior qualidade de crédito – voltassem a buscar financiamento de longo prazo. Uma forma mais acessível que vem sendo utilizada é a emissão de títulos de dívida corporativa, como as debêntures.
Esse movimento ocorreu ao mesmo tempo em que investidores voltaram a buscar aplicações de renda fixa, diante da remuneração mais atrativa. Com isso, as captações de debêntures foram beneficiadas. De janeiro a agosto de 2021, o volume de emissões chegou a R$ 140,9 bilhões – valor que supera em 17% as captações do ano passado inteiro, que somaram R$ 120 bilhões entre janeiro e dezembro.
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Nesse ritmo, o volume deste ano deve ultrapassar também o verificado em 2018, quando as emissões totalizaram pouco mais de R$ 151 bilhões entre janeiro e dezembro. Os dados fazem parte de um levantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
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Segundo a pesquisa, ainda que a maior parte das ofertas tenha sido voltada para investidores profissionais (com mais de R$ 10 milhões em aplicações financeiras), não foi só o número de captações que cresceu.
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Aumentou também o percentual de emissões que voltaram a ter a remuneração atrelada ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e diminuíram as emissões com o retorno atrelado à taxa do CDI, principal referência de rentabilidade da renda fixa, acrescido de uma outra taxa (CDI +2%, por exemplo).
A razão, segundo Allan Pedroso, sócio e fundador da casa de análise Inside Research, é que se o investidor optar por debêntures atreladas ao CDI mais uma outra taxa (CDI + 1%, por exemplo), a segunda parte é um juro que já está pré-determinado. Logo, mesmo se os juros subirem, o investidor não consegue pegar toda essa alta dos juros porque uma parcela da remuneração já é conhecida.
Além disso, segundo o executivo, a piora no cenário inflacionário aumentou a demanda por títulos que podem oferecer uma proteção contra a inflação, especialmente de fundos de previdência. “Por isso, houve essa migração para debêntures que pagam IPCA mais alguma coisa.”
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Diante desse cenário de projeções de avanço para a Selic e para a inflação oficial, a avaliação da maioria dos especialistas ouvidos pelo InfoMoney é de que vale a pena entrar em debêntures atreladas à inflação, especialmente se o foco for em debêntures incentivadas, pois elas são isentas de Imposto de Renda e o seu mercado é mais líquido.
Nesse caso, a preferência dos especialistas é por títulos com classificação de risco de crédito AAA, AA, ou A+ e de empresas que atuam em setores mais resilientes, como óleo e gás, transmissão de energia, alimentação, ou companhias com receita atrelada ao dólar, como as empresas exportadoras.
No entanto, como os prazos de boa parte das debêntures está mais alongado, a sugestão dos especialistas é que o investidor tenha um objetivo em mente, como por exemplo, pagamento da faculdade do filho ou entrada na casa própria, para evitar ter de sair do papel antes do vencimento.
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Cenário de oportunidades
Patrícia Palomo, sócia da Sonata Gestão de Patrimônio, diz que o cenário agora é bastante interessante para o investimento em debêntures porque as empresas que estão vindo a mercado são de boa qualidade e geralmente com rating AAA, que é considerado o nível mais alto em termos de classificação de risco.
“As companhias vêm fazendo emissões com prazos mais longos porque os investidores conseguem aceitar prazos maiores de olho em retornos melhores. Então, elas estão aproveitando para rolar dívidas ou fazer novas dívidas com vencimento mais alongado. Já o investidor está aproveitando o momento de elevação das taxas para ir atrás desses papéis que estão com juros atrativos”, afirma a executiva.
As taxas mais atrativas no mercado privado de crédito provocaram mudança recente nas sugestões de portfólio da gestora. Patrícia conta que diminuiu parte da alocação em fundos multimercados para alocar em títulos de renda fixa que são isentos, como debêntures incentivadas, Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs), com prazos um pouco mais longos, mas que oferecem IPCA+6% ao ano.
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Evandro Bertho, sócio fundador do multi-family office Nau Capital, afirma que também vem recomendando debêntures incentivadas e atreladas ao IPCA para alguns de seus clientes com horizonte de investimento mais longo.
“Houve uma deterioração dos preços no curto prazo e as debêntures incentivadas atreladas à inflação têm um aspecto de defesa importante para um cenário muito hostil. Se, por algum motivo, o cenário piorar e o dólar explodir e impactar mais ainda a inflação, essa posição te defende”, afirma.
Para exemplificar a alta recente dos juros, o executivo pontua que no começo do ano, o título público Tesouro IPCA + com vencimento em 2026, por exemplo, oferecia juro real de 2,33%. Agora, o retorno real está por volta de 4,52%.
Quais os melhores setores e prazos?
Na hora de escolher as debêntures, Bertho diz que a preferência é por empresas de alta qualidade, especialmente se os prazos forem mais longos. “O foco maior é em ativos com classificação de risco AAA, AA+. Dada a incerteza do ambiente de negócios, gostamos também de companhias que têm a receita atrelada ao dólar e com caixa mais robusto.”
Já com relação aos prazos, Bertho diz que prefere ver o que o mercado chama de duration, que seria o prazo médio de recebimento do valor principal que o investidor alocou. Para o executivo, as melhores opções estão em títulos com a duration perto de seis anos, que pagam acima de IPCA + 5% ao ano, e com alta qualidade de crédito.
Patrícia, contudo, vê oportunidades também em papéis que oferecem um prazo médio de recebimento do principal entre três e seis anos. “Ainda que o prazo da debênture seja de 10 anos, é possível que o ativo tenha um fluxo importante de pagamentos e que o prazo médio seja menor do que o vencimento.”
Ao ser questionada sobre setores preferidos, a sócia da Sonata diz olhar com maior atenção para empresas como transmissoras de energia elétrica e companhias relacionadas a bens essenciais, como alimentação e combustíveis porque são setores mais resilientes, com aluguéis já contratados ou que são fundamentais para a economia.
Em um rápido cruzamento de dados do site da Anbima nesta terça-feira (14) com as carteiras recomendadas por algumas casas, foi possível encontrar debêntures incentivadas, como o título oferecido pela empresa de telecomunicações Brisanet, com classificação de risco A+ e que pagava um juro real de 5,77%, com vencimento em 2028.
Já na plataforma da XP, que é a maior do mercado, o levantamento feito na última terça-feira (14) encontrou debêntures com classificações de crédito AAA e que ofereciam retornos reais de 4,87%.
Entre os exemplos estavam a debênture da Taesa (TAEE17), com vencimento em 2044 e rating AAA, que oferecia juro real de 4,87%. Outra opção era a debênture da Eletropaulo (ELPLA5), com vencimento em 2031, com rentabilidade real de 4,80% e rating AAA.
Foco no objetivo e na remuneração
Embora o cenário seja mais atrativo para quem está disposto a correr um pouco mais de risco na renda fixa, Patrícia alerta que é preciso ter fôlego para aguardar até o vencimento das debêntures, se o investidor não tiver muita experiência no mercado.
Por essa razão, a executiva sugere que o investidor tenha um objetivo claro com o investimento. “O foco deve ser mais o que a gente chama de previdenciário, ou seja, quando há um objetivo definido. Pagar a faculdade do filho, juntar dinheiro para comprar uma casa pra daqui a seis anos. Dessa forma, a pessoa evita sair antes do vencimento”, destaca.
A preocupação é porque, assim como ocorre no mercado de títulos públicos, o investidor que adquire uma debênture pode optar por vendê-la antes do prazo. Ao fazer isso, no entanto, ele está sujeito às taxas e preços que o mercado atribui ao papel naquele determinado momento, no que é chamado de marcação a mercado. O preço pode ser maior do que o valor pago pelo investidor na hora da compra – mas também pode ser menor.
Se não tiver objetivos claros, o investidor pode se ver obrigado a vender o papel em um momento em que a taxa está alta e que o preço do papel, por consequência, está mais baixo.
Camilla Dolle, head de renda fixa da XP Investimentos, também vê o momento como apropriado para a compra de algumas debêntures. No entanto, diz que a remuneração tem ficado menor no último mês porque a demanda por esses papéis cresceu, levando as taxas oferecidas a diminuírem.
Mesmo assim, a analista reforça que o cenário vai seguir desafiador e que as projeções apontam para avanços na inflação e nos juros neste ano, o que deve beneficiar debêntures atreladas à inflação.
“O Banco Central deve seguir subindo os juros e a inflação vai continuar pesando. Recentemente, revisamos nossas projeções de Selic para 8,50% neste ano, sendo que antes estava em 7,25%. Agora, também esperamos que a inflação em 2021 fique em 8,4%”, afirma.
Comprar agora ou esperar?
Embora muitos analistas vejam oportunidades nas debêntures disponíveis hoje no mercado, outros alertam para fatores que podem deixar o investimento menos atrativo. Um deles é o chamado spread, que representa a diferença entre a remuneração das debêntures e a que é oferecida nos títulos públicos – tidos como os papéis mais seguros do mercado – de prazo equivalente.
Allan Pedroso, da Inside Research, aponta que essa diferença diminuiu recentemente. Além disso, as novas debêntures estão chegando ao mercado com prazos cada vez mais longos. Por isso, ele tem recomendado aos seus clientes que o momento ainda não é o melhor para fazer esse tipo de investimento.
“Tem debêntures com risco de crédito B e que estão oferecendo prêmios menos atrativos do que AAA. Não acho interessante. Agora, se tivessem mais papéis com prazo até 2028 oferecendo IPCA +5%, ou acima, eu já acharia algo mais interessante”, destaca.
Outro ponto levantado por Pedroso é que como o investidor costuma adquirir debêntures no mercado secundário e as taxas ofertadas e prazos costumam variar de plataforma para plataforma, isso pode exigir que ele tenha que “garimpar” para conseguir as melhores opções em termos de remuneração.
O executivo cita ainda que a piora do cenário político e econômico devem fazer com que o mercado busque “portas mais fáceis de saída” para os ativos, diz Pedroso. Segundo o sócio da Inside Research, isso deve diminuir muito os prazos dos investimentos.
“Ainda que a capacidade produtiva das empresas possa aumentar com a reabertura da economia e o avanço da vacinação, a preocupação está no cenário eleitoral. Há um cenário muito bipolar e sem a confirmação de que haverá terceira via. Logo, o mercado vai exigir mais prêmio e facilidade de saída”, afirma.
Pontos de atenção
Além das preocupações com a piora do cenário local, o investidor deve prestar bastante atenção no risco de crédito das empresas. Camilla, da XP, por exemplo, pontua que as emissões mais longas, de dez anos ou mais, podem ser interessantes, mas geralmente são de debêntures ligadas à infraestrutura.
Nesse caso, diz, a estrutura da dívida é um pouco diferente. O investidor precisa olhar o risco de construção e o risco da operação. “Talvez esse tipo de papel ofereça uma rentabilidade maior. No entanto, é preciso ver quem é o acionista por trás, o controlador”, destaca a analista da XP.
Patrícia, da Sonata Gestão de Patrimônio, também faz algumas ponderações para o investidor que deseja investir em debêntures. Ela diz que o mercado secundário de debêntures apresenta oportunidades. No entanto, a remuneração costuma ser inferior à oferecida na hora da emissão do papel.
A recomendação, segundo ela, é que o investidor seja cauteloso. “É importante verificar se existem emissões da mesma empresa e se as taxas estão equivalentes, ou olhar ainda se outros emissores com a mesma classificação de risco de crédito estão pagando prêmios parecidos. O prêmio mais o spread precisa ser compatível com o risco.”
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