Por que 80% dos fundos de recebíveis estão conseguindo superar o Ifix na crise?

Levantamento feito pelo InfoMoney mostra que um terço dos 20 fundos imobiliários do Ifix com melhor retorno desde o carnaval eram de papel

Mariana Zonta d'Ávila

(ekapol/Getty Images)
(ekapol/Getty Images)

SÃO PAULO – Em meio à forte volatilidade dos mercados por conta do coronavírus, que tem atingido em cheio os fundos imobiliários, com queda de 15,3% do Ifix no ano até 28 de abril, os FIIs de recebíveis imobiliários têm se destacado por apresentarem melhor desempenho entre os demais segmentos.

Levantamento feito pelo InfoMoney com base em dados da provedora de informações Economatica mostra que 80% dos fundos de papel do Ifix bateram o benchmark desde o começo da crise (a partir de 21 de fevereiro) até o dia 28 de abril. Nesse período, um terço dos 20 fundos imobiliários do índice com melhor retorno desde o carnaval eram de recebíveis.

Confira a seguir os fundos com melhor desempenho desde o início da crise, ainda que apenas dois deles efetivamente com valorização no período: o de agências BB Progressivo (BBFI11B), com alta de 7,1%, e o de escritórios Edifício Almirante Barroso (FAMB11B), com ganhos de 6,7%.

Entre os principais fundos de papel no período estão o Polo Recebíveis Imobiliários II (PORD11), com perdas de 2,9% na crise, o Hectare CE FII (HCTR11), com queda de 4,1%, e o Kinea High Yield CRI (KNHY11), com baixa de 5,2%.

Ainda entre os mais resilientes, aparecem cinco fundos de laje corporativa (que têm um peso muito maior que os fundos de papel na indústria), dois de agências bancárias, de logística e de hospitais, bem como um fundo de fundos e um FII híbrido.

Mas a que se deve o desempenho dos fundos de papel, quais os riscos associados a eles hoje e como gestores dessas carteiras têm se movimentado na crise? O InfoMoney conversou com especialistas para entender mais desse nicho do mercado.

Segmento mais defensivo

Entre as principais características que conferem aos fundos de recebíveis imobiliários um caráter mais defensivo estão a exposição a ativos de renda fixa, caso dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), a diversificação dos portfólios na classe e as garantias por trás das dívidas.

“O CRI nada mais é do que um financiamento imobiliário, assim como aquele que as pessoas pegam no banco para comprar uma casa. A diferença é que o CRI não é uma dívida emitida por uma instituição financeira, mas pelo mercado de capitais, e utilizada para as empresas se financiarem”, explicou Flavio Cagno, sócio e gestor da Kinea Investimentos, na edição extraordinária do programa “Fundos Imobiliários”, na quarta-feira (29).

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Ele destacou ainda que o pagamento ao credor tende a ocorrer independentemente de variáveis como taxa de vacância, variação do preço do metro quadrado, entre outros, diferentemente dos fundos de tijolo, o que contribui para a maior estabilidade dos rendimentos e, consequentemente, das cotas.

O professor do InfoMoney Arthur Vieira de Moraes chama ainda atenção para a grande diversificação das carteiras dos fundos de papel, que costumam ter em média 30 CRIs diferentes, expostos aos mais diversos segmentos.

É o caso dos fundos de papel com melhor desempenho na crise. O Polo Recebíveis II tem 68% do patrimônio alocado em mais de 18 CRIs, e o Kinea High Yield possui 24 CRIs expostos aos segmentos de lajes corporativas, shopping centers, desenvolvimento e galpões logísticos.

“Com a crise, o risco de eventos de crédito e da falta de pagamento aumentou, mas, mesmo assim, o papel é muito menos arriscado do que estar exposto ao mercado imobiliário [via fundos de tijolo], sem saber se o preço do metro quadrado do imóvel vai subir, cair, se vai aumentar a vacância etc.”, diz o professor.

Dívida x aluguel

Enquanto em fundos de tijolo o inquilino consegue renegociar o pagamento do aluguel em momentos de crise, como o atual, nos fundos de recebíveis, a situação é mais complexa. “Os fundos de CRI tendem a sofrer menos em um primeiro momento, porque, como o CRI é uma dívida, o devedor reluta muito a não pagar, porque sabe que pode perder o imóvel”, afirma Cagno, da Kinea.

Em meio à pandemia, o gestor destaca que, se a economia real sofrer muito, os fundos podem começar a ter inadimplência em suas operações – o que, diz, ainda não é o cenário para os ativos dos portfólios geridos pela asset. “Enquanto o imóvel valer mais que a dívida, a chance de ele [devedor] dar um jeito para pagar é maior”, diz.

Ricardo Almendra, CEO da RBR Asset, concorda. Em live promovida pela XP na segunda-feira (27), ele afirmou que os fundos de papel possuem uma série de garantias que ajudam a proteger o cotista, como alienação fiduciária, isto é, a propriedade do imóvel como garantia da dívida, e fundo de reserva, para ser usado em caso de emergências, como entrar na Justiça contra o devedor.

Na RBR, são dois os fundos de papel: RBR Rendimento High Grade (RBRR11), com 36 CRIs, e o RBR Crédito Imobiliário High Yield (RBRY11), com 25 papéis. Até o momento, Almendra afirma que não há casos de inadimplência. Desde o carnaval, as perdas desses FIIs são de 13,3% e 14,2%, respectivamente.

“É mais fácil deixar de pagar aluguel do que uma dívida, que pode ter covenants [compromissos de contratos de financiamento ou empréstimos para proteger os interesses dos credores] e uma série de coisas que podem gerar o vencimento antecipado”, afirma.

CRIs pouco afetados

A derrocada dos mercados financeiros com o coronavírus levou a uma forte reprecificação no mercado de títulos privados a partir de uma pressão vendedora com investidores em busca de liquidez, gerando forte queda dos preços em março. Esse movimento, contudo, não surtiu tanto impacto nos papéis de CRIs, segundo especialistas.

“Os fundos de CRI são fechados, não têm saque. O ‘saque’ se dá pela venda das cotas no mercado secundário. E isso dá uma tranquilidade adicional para os gestores, de não terem que se desfazer do papel a qualquer preço para honrar os compromissos de resgate”, argumenta Cagno, da Kinea.

Em debêntures, contudo, houve uma janela com spreads muito altos, que abriram oportunidades, diz. O gestor conta que chegou a estudar comprar debêntures para seus fundos, mas que não conseguiu, porque o mercado se ajustou rapidamente. “Os spreads abriram de uma maneira tão violenta, que compensava o não benefício fiscal que temos.”

A avaliação é compartilhada por Rafael Selegatto, gestor da Iridium, que afirma que a precificação dos ativos de CRI sofreu pouco, apresentando um pequeno aumento da taxa no mercado secundário. Pré-crise, ele conta que um papel high grade (com menor risco de crédito, portanto mais conservador) oferecia um retorno na casa do CDI mais 1%. Hoje, diz, os prêmios são da ordem de CDI mais 2,5% ou 3%.

Oportunidade para ir às compras

Foi na compra de outros fundos imobiliários, porém, que Selegatto viu mais vantagem. Isso porque, na Iridium, o fundo de recebíveis possui 60% do portfólio destinado a CRIs e algo em torno de 35% a cotas de outros FIIs. “Tivemos sorte. Tínhamos capitalizado o fundo três semanas antes de a crise bater mais forte, então nada melhor do que pegar uma crise com fundo capitalizado; aproveitamos para ir às compras”, conta.

Desde o começo da crise, o gestor da Iridium diz ter comprado cotas de 33 fundos imobiliários, dos mais variados setores. “Agora é o momento de fazer uma compra seletiva e rebalancear a carteira; não é o momento para compra direcional pura.”

O mesmo aconteceu com a Kinea em seu fundo Kinea High Yield, que concluiu sua terceira emissão de cotas em março, captando aproximadamente R$ 314 milhões.

Com o dinheiro, o objetivo é buscar papéis com spread médio de pelo menos 4 pontos percentuais acima do pago pelo Tesouro IPCA+ (antiga NTN-B). “Pode ser uma operação que pague entre CDI mais 4% ou 6%, ou IPCA mais 8% ou 9% – o que é uma remuneração em juro real e nominal bastante elevada”, afirma Cagno.

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