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Os efeitos de inconsistências contábeis no balanço da Americanas (AMER3) alarmaram o mercado e são sentidos no pregão desta quinta-feira (12), o primeiro depois que a empresa informou um rombo da ordem de R$ 20 bilhões ligado à conta de fornecedores.
E não é só sobre as ações da empresa, que recuam perto de 80% na B3.
Após a divulgação dos imbróglios envolvendo a gigante do varejo, as debêntures de prazo mais longo da empresa eram negociadas com deságios entre 50% e 60% no mercado de balcão, segundo o InfoMoney apurou junto a operadores de renda fixa
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A razão para o recuo nos preços está ligada à forte alta vista nas taxas que passaram a ser oferecidas para atrair investidores, diante do aumento do risco.
A situação também forçou algumas plataformas que dispunham das debêntures da companhia a deixar de oferecer os produtos – pelo menos por hoje.
De acordo com um operador, o movimento ocorre porque não há referência de preço. “Há dois motivos para isso. A gente tem que defender o cliente desavisado e também temos que saber qual preço colocar”, afirma.
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Na segunda-feira (9), diferentes debêntures da Americanas ofereciam retornos de CDI mais 3% ao ano (LAMEA7), 110% do CDI (LAMEA3) e IPCA mais 8,14% ao ano (LAMEA6). Hoje, um dos negócios feitos da LAMEA7 envolveu uma taxa de CDI+23%, o que representa uma alta significativa em relação há dois dias, segundo cálculos feitos por um gestor.
Os efeitos do rombo sobre as debêntures
Na avaliação da equipe de ações e de renda fixa da XP, as inconsistências contábeis podem levar a alterações relevantes nos indicadores de liquidez corrente (ativo circulante/passivo circulante) e de endividamento financeiro (dívida líquida/Ebitda).
Nos cálculos dos especialistas da corretora, a relação entre a dívida líquida e o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da Americanas poderia sair de 1,7 vezes no terceiro trimestre de 2022 para 8 vezes em uma reavaliação ao longo do mesmo período.
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As simulações levam em conta uma análise proforma em que todo o impacto deve ser reconhecido de uma só vez, com aumento da dívida bruta no curto prazo de R$ 20 bilhões, conforme divulgado pela companhia – número ainda não foi auditado.
Além dos impactos no endividamento da companhia, os especialistas chamam atenção para as cláusulas restritivas (covenants) que a empresa possui em uma parcela pequena dos contratos de empréstimos e financiamentos – com foco em proteger os credores.
Nesse caso, o indicador máximo de endividamento financeiro permitido deve ser igual a 3,5 vezes (divida líquida/Ebitda). Se houver a reclassificação contábil, esse indicador pode chegar a 8 vezes.
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“Quando isso ocorre, torna-se necessária uma renegociação junto aos credores, buscando um waiver [perdão] por um determinado período até que o indicador possa voltar à conformidade”, dizem os analistas. “Essa renegociação é realizada em troca de um pagamento aos investidores (waiver fee) e afeta a credibilidade da empresa no mercado”.
Segundo Camilla Dolle, head de renda fixa da XP, os covenants ainda não foram acionados, porque é preciso primeiro finalizar o processo de auditoria para verificar qual será o real efeito sobre o balanço. “É tudo muito preliminar”, avalia.
Na visão de Camilla, a informação de que o comando da Americanas já procurou os principais bancos credores, que teriam concordado em rolar a dívida da empresa, conforme o jornal Valor Econômico, ajuda a dar conforto. “Era o que achávamos já que aconteceria. Se deixar quebrar, aumentaria muito a inadimplência dos bancos”, observa.
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Fundos também possuem debêntures de Americanas
Outro aspecto acompanhado pelo mercado é a exposição de fundos de investimentos às debêntures da Americanas. A avaliação geral é de que as carteiras – sejam de renda fixa, sejam multimercados – possuem alocação limitada aos papéis.
“Não vi concentração por fundo, e, sim, por gestora. Do que eu observei até agora, não é uma preocupação”, afirma um gestor.
Dados levantados pela plataforma Economatica dão uma dimensão do peso das debêntures nas carteiras dos fundos. Os fundos com maior exposição aos papéis negociados sob o código BTOW15 – debêntures incentivadas emitidas pela Americanas em 2020 – têm até 4% do patrimônio comprado neles, segundo os dados mais recentes que estão disponíveis até 30 de setembro de 2022. Há, no entanto, outras debêntures em circulação no mercado que também podem compor o portfólio dos fundos.
“A percepção é de que a situação ainda é bastante confusa. O comunicado não foi claro em relação aos efeitos práticos, estamos aguardando notícias”, diz um gestor que possui exposição inferior a 2% às debêntures LAMEA7, emitidas pela Americanas em julho do ano passado, em seus fundos. De início, segundo ele, a expectativa é de que os efeitos serão bem menores nos papéis de crédito do que sobre as ações, dado o nível de endividamento atual e a declaração de que o efeito caixa deve ser “imaterial”.
É de se esperar que algum efeito da marcação a mercado das debêntures de Americanas se reflita nos fundos – afinal, as carteiras são obrigadas a atualizar diariamente o valor pelo qual contabilizam os papéis nas suas carteiras, conforme as taxas praticadas no mercado.
É possível que a derrocada do valor de face das debêntures verificada hoje alivie daqui por diante. “Dado o quadro acionário e a possibilidade de recapitalização da empresa, talvez o cenário que está circulando no momento seja o pior possível. A situação final pode ser diferente desse cenário catastrófico”, afirma um gestor.
A expectativa é de que o desconto dos papéis diminua, passando a ser negociados com deságio de 25% a 50% do valor de face nos próximos dias, segundo o gestor. Mesmo assim, a falta de informações sobre a situação real da empresa coloca os fundos em compasso de espera.
A Western Asset, por exemplo, afirmou ao InfoMoney que está monitorando o desdobramento das notícias e que aguarda mais informações sobre os próximos passos a serem adotados pelos controladores para ter a dimensão do impacto nos papéis da companhia. Entre seus fundos, o WA Alpha Credit Institucional possui os papéis da Americanas, que representavam 2,54% do patrimônio líquido em setembro.
“Não temos informação suficiente para tomada de decisão. Precisamos entender quais serão os efeitos no balanço, quais covenants seriam estourados”, diz outro gestor.
Tem debêntures de Americanas na carteira? O que fazer agora
Para os investidores que possuem as debêntures da Americanas na carteira diretamente – e não por meio de fundos – a recomendação geral é de adotar uma postura mais conservadora.
Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos, destaca que a alocação dos seus clientes nos papéis da empresa é muito pequena. De todo modo, afirma que tem recomendado cautela para os investidores que detêm as debêntures. “Hoje, não tem liquidez. E se tiver, vai ser a preços fora dos fundamentos”, avalia.
O executivo lembra que a rentabilidade oferecida pela debênture não será afetada: a taxa acertada no momento da compra dos papéis é a que o investidor receberá se mantiver os papéis na carteira até o vencimento. O que ocorre agora é uma reprecificação, que pesa para quem decidir vender as debêntures antes disso.
“Não temos referência do valor exato da dívida. A melhor coisa é não fazer nada agora e deixar o mercado se acalmar”, destaca Marcatti.
Entenda o caso
A derrocada dos ativos ocorre após a divulgação, na quarta-feira (11), de inconsistências contábeis no valor de R$ 20 bilhões, num caso que culminou com a saída do presidente da Amereicanas, Sérgio Rial, e do diretor de relações com investidores, André Covre. Eles deixaram os cargos depois de apenas dez dias da posse.
Rial atuará ainda como assessor, apoiando os acionistas de referência da companhia no processo de apuração do ocorrido. O ex-CEO trouxe indicações sobre os próximos passos da companhia em conferência com investidores, em um contexto de diversas revisões de recomendações dos analistas de mercado, que destacam as grandes incertezas após o anúncio.
Na conferência com o mercado, Rial destacou que a empresa vai precisar se capitalizar para enfrentar problema contábil.
A operação provavelmente será um follow-on, mas o executivo diz que não é possível estimar a necessidade de capital. “Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de [apenas] milhões”, afirmou Rial. O executivo destacou o compromisso dos acionistas de referência (3G) com o negócio. “Mas não pode ser a solução por si só. ‘Me dá um cheque e tá resolvido’, não é assim”, apontou.