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A entrega de um projeto de lei complementar com as regras do novo arcabouço fiscal no Brasil e os efeitos da restrição de crédito provocados pela falência de bancos regionais nos Estados Unidos fizeram gestores de multimercados brasileiros ajustarem posições entre março e abril.
É cedo para dizer, mas algumas mudanças no cenário parecem já ter tido reflexo nos dados da indústria. Após dois meses de recuo em fevereiro e março, o rendimento médio dos multimercados de gestão ativa no Brasil, medida pelo Índice de Hedge Funds Anbima (IHFA), caminha para encerrar abril no positivo. Do começo do mês até a última sexta-feira (21), o IHFA apresenta avanço de 0,63%.
Embora seja cedo para cravar os motivos que podem ter ajudado o índice a voltar para o azul no acumulado do mês, o chefe de alocação e fundos da XP, Rodrigo Sgavioli, aponta algumas hipóteses. Segundo ele, o avanço parece ser reflexo mais de uma componente local do que internacional e parece envolver duas classes de ativos: Bolsa e juros.
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Na avaliação do profissional, os gestores que estavam aplicados em juros (apostando no recuo) se beneficiaram do fechamento da curva de juros visto nas últimas semanas, ainda que um movimento de alta tenha sido predominante na semana passada.
Outra parcela teria sido impulsionada por posições em Bolsa. Por estar em conversas constantes com gestores, o chefe de alocação da XP acredita que fundos multimercados com estratégia long biased (produtos com viés comprado, apostando na alta de alguns papéis, mas que também podem adotar posições vendidas, que se beneficiam da queda das ações), macro e long e short (que realizam operações simultâneas de compra e venda de papéis) podem ter se beneficiado do rali visto na renda variável nas últimas semanas.
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“O Ibovespa andou, principalmente no caso dos papéis que vinham sofrendo mais como saúde, educação. Ações mais sensíveis a juros”, destaca Sgavioli.
Apesar da leve alteração, o profissional pondera que a maioria dos gestores ainda não está no movimento de pisar o pé no acelerador e que as posições têm sido mais táticas e rotativas. “É uma leve propensão a aumentar risco no Brasil. Estão com a visão mais clara de que os riscos de cauda diminuíram. Mas não é uma convicção alta para aumentar o risco das carteiras”, observa.
Relatório divulgado na semana passada por Fernando Siqueira, Gabriel Garcia e Mateus Haag, da Guide Investimentos, também aponta que as posições vendidas em Bolsa vieram diminuindo nos últimos meses, com destaque para o início de março deste ano. Embora ainda estejam em patamar elevado, os profissionais ponderam que as exposições estão longe do pico.
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“Acreditamos que esse é um fator relevante também para explicar o potencial de alta do Ibovespa vindo da baixa alocação dos investidores”, afirmaram. “É provável que, face ao cenário macro mais difícil, muitos investidores têm optado por fazer posição não direcionais no mercado de ações, o que explica a posição vendida ainda um pouco elevada”, acrescentaram os especialistas da corretora no documento.
Um dos fatores que ajudaram a diminuir o risco de cauda foi a apresentação do arcabouço fiscal, que teve os detalhes divulgados na semana passada.
“Apesar de o novo arcabouço ser, de fato, pior do que o teto de gastos, ele é suficiente para retomar uma cadeia de acontecimentos que vai abrir espaço para o corte de juros”, explica o sócio-fundador e diretor de investimentos da Persevera Asset Management, Guilherme Abbud, casa que recentemente se associou ao ecossistema Faros/Messem.
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Segundo ele, parece “miopia” do mercado focar apenas no crescimento futuro das despesas ligado às receitas. “De fato, o texto limita muito os gastos ao longo do tempo. Não estamos voltando para a loucura de gastos crescendo 8% ao ano durante 20 anos seguidos”, pondera o executivo, ao defender que o texto ainda é bem mais restritivo do que se ventilava antes.
Com uma visão um pouco mais construtiva para a Bolsa brasileira, a Persevera foi uma das casas que montou uma pequena posição nessa classe de ativos em março, mas que preferiu não colocar o pé de vez no acelerador.
“A Bolsa está incrivelmente barata, mas dá para ganhar mais dinheiro na renda fixa e no câmbio do que na renda variável local”, avalia o sócio-fundador da casa.
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Em sua justificativa, Abbud defende que os juros altos e a atividade em desaceleração nos próximos trimestres ainda serão desafiadores para a renda variável local. Ao mesmo tempo, ele não nega que é difícil acertar o “timing“, ou seja, o momento certo de voltar para a classe. Por isso, diz que prefere estar com uma posição – ainda que pequena – em Bolsa.
Sem grandes convicções em papéis, a casa tem optado por adotar uma exposição comprada (que se beneficia da valorização) em renda variável via índice e algumas pequenas alocações em nomes mais específicos como Aura Minerals (AURA33), Vale (VALE3), Klabin (KLBN4) e BB Seguridade (BBSE3).
A visão mais construtiva para a Bolsa, no entanto, não é unânime entre as gestoras. A Novus Capital está entre as casas que zerou recentemente uma posição vendida em renda variável Brasil após o rali visto duas semanas atrás. No acumulado do mês até a última sexta-feira (21), o Ibovespa avança 2,44% após encerrar março com um recuo de 2,9%.
Alocações em Brasil tanto em juros quanto em Bolsa têm ficado longe das carteiras do multimercado da casa, como explica o sócio e gestor da Novus Capital, Luiz Eduardo Portella.
Segundo ele, a autoridade monetária tem defendido que o arcabouço apresentado pelo governo melhorou a parte fiscal, mas que as expectativas de inflação permanecem muito altas.
Nesta semana, o Relatório Focus – documento que traz as projeções de economistas consultados pelo Banco Central – voltou a apresentar revisões para cima nas estimativas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano. Agora, o ponto médio das expectativas para a inflação em 2023 está em 6,04%, contra 5,93% vistos quatro semanas antes.
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Na visão do gestor da Novus, o Banco Central será capaz de iniciar o ciclo de corte de juros entre agosto e setembro deste ano.
Olho nos juros
Mas há quem veja possibilidade de o afrouxamento monetário começar mais cedo, em junho. Abbud, da Persevera, é um deles.
“Até lá, vai ter um câmbio mais apreciado, a inflação acumulada em 12 meses deve estar na casa de 3,5% e teremos mais dados de atividade sensivelmente mais fracos”, observa. De olho na queda dos juros, a casa está com uma posição aplicada em juros nominais, que hoje é uma das grandes apostas do fundo.
Quem também está com boa parcela da alocação em juros com uma posição aplicada em títulos prefixados é a AZ Quest. O gestor macro da casa, André Kitahara, explica que há uma série de dados que mostram que a economia está desaquecendo, com recuos mais expressivos na indústria e no setor de serviços.
Já ao olhar para a inflação, o gestor defende que o IPCA terminou março em 0,71%, abaixo do que o BC havia projetado no Relatório de Inflação (RTI). No documento, a autoridade monetária havia estimado que o indicador encerraria o período em 0,87%. “Isso é sinal de que a política monetária está fazendo efeito e pode abrir espaço para corte de juros antecipado”, observa.
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Por outro lado, há quem acredite que posições aplicadas em juros reais são a melhor alocação para este momento, caso do gestor do K10, da Kapitalo, Bruno Cordeiro, que montou recentemente a posição.
O executivo avalia que a vida do Banco Central não será fácil nos próximos meses e que os dados recentes de inflação brasileira ainda não estão com uma “cara muito boa”.
Cordeiro chama atenção para a escalada de preços de serviços, que avançou 0,45% em março, e para os núcleos de inflação, que ainda estão em patamar elevado. Para ele, isso torna “muito difícil a abertura de uma janela de corte de juros no curto prazo”.
Nesse sentido, o gestor tem preferido adotar uma posição aplicada em juros reais com foco no ano de 2025. “A nossa inclinação é pegar a ‘barriga’ que tem mais prêmio e fazer alocações mais ali do que no curto prazo”, afirma.
Alterações no portfólio externo
Houve mudanças também nas alocações internacionais. Em março, o fundo k10 encerrou uma posição tomada em juros curtos nos Estados Unidos que detinha. Cordeiro observa que os dados econômicos no País continuam fortes e que o trabalho do Federal Reserve (Fed, banco central americano) para trazer a inflação para a meta ainda não terminou, mas afirma que os problemas no setor bancário americano podem ampliar a potência da política monetária e fazer com que o ajuste seja marginal.
O executivo também avalia que há uma grande probabilidade de que haja uma recessão nos Estados Unidos nos próximos 12 meses. “É pouco provável que haja um pouso suave do Fed”, alerta.
Com visão parecida, outra casa que liquidou a posição tomada em juros americanos no mês passado foi a XP Asset, como conta o gestor dos fundos multimercados macro da gestora, Bruno Marques. O profissional afirma que os bancos menores nos Estados Unidos cresceram muito desde 2008 e que a queda dessas instituições deixou a casa preocupada.
Marques também defende que uma parte do trabalho do Fed deve ser feito com essa retração do crédito. Nesse sentido, ele afirma que a casa deixou de perseguir posições tomadas em juros americanos e passou a focar em alocações aplicadas em países emergentes, como México e em juros reais no Brasil.
O mês também foi de alterações nas alocações em Bolsa americana. Com a euforia registrada na renda variável dos Estados Unidos no mês passado, Cordeiro, da Kapitalo, explica que praticamente zerou as posições vendidas que detinha na classe. A movimentação na carteira, no entanto, não significa que a visão do gestor mudou sobre o ativo, mas sim que o valuation (preço) da Bolsa está caro na comparação com a renda fixa.
“A Bolsa não precifica um cenário desafiador à frente. A gente acha que vai ser mais difícil do que está precificado hoje. No momento, estamos procurando novos pontos para entrar vendido”, resume o gestor do K10.