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A recessão já é uma página virada para boa parte da economia, mas uma área ainda sente os reflexos mais nocivos da crise: o mercado de trabalho. Os empregos com carteira assinada estão crescendo em um ritmo menor do que o esperado, enquanto o desemprego, ainda em níveis elevados, recua a taxas modestas. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o emprego formal apresentou aumento de 115.898 postos de trabalho em abril. Foi o melhor resultado para esse mês desde 2013. No acumulado do ano, o país ganhou 336.855 postos com carteira assinada. Nos 12 meses encerrados em abril, houve acréscimo de 283.118 vagas.
As cifras ainda são insuficientes para reverter um quadro grave de diminuição de empregos. Cerca de 3 milhões de postos de trabalho formais foram eliminados na crise, principalmente em 2015 e 2016. Os números positivos este ano vêm depois de uma quase estabilidade em 2017, quando foi registrada diminuição de 20 mil vagas sob regime de CLT. Esperava-se que a retomada econômica iniciada em 2017 já estivesse produzindo números mais convincentes. “O mercado de trabalho está se recuperando em linha com a retomada da atividade econômica. Como ela está lenta e gradual, então o crescimento do mercado de trabalho também está neste ritmo”, diz Bruno Ottoni, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e do IDados.
O mercado de trabalho está se recuperando de acordo com o ritmo da economia, diz Bruno Ottoni, do Ibre/FGV
O índice do desemprego no país, medido pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), dá uma dimensão do estrago causado por 11 trimestres de recessão. A taxa divulgada em março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 13,1%. Caiu apenas 0,6 ponto percentual em relação a março de 2017, o auge da crise no mercado de trabalho. Em dezembro de 2013, o índice era 47% menor: 6,2%. Além disso, atualmente, as vagas com carteira assinada estão sendo criadas principalmente no setor de serviços – 86% do montante no primeiro trimestre de 2018 foi absorvido por esse segmento. São postos com remuneração menor que a da indústria. A taxa de desemprego está diminuindo principalmente em razão do aumento do trabalho informal – trabalhadores por conta própria e sem carteira assinada –, e isso deve se manter no curto prazo. “Provavelmente esse perfil será preponderante este ano”, diz o economista Fábio Romão, da consultoria LCA. “As contratações perderam ímpeto. Não é incomum que em um processo de retomada isso aconteça. A renda ficou estacionada e tivemos o menor ganho no salário mínimo em muitos anos.”
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Para Romão, um fator-chave para explicar a criação modesta de vagas é a grande ociosidade que ainda é generalizada na economia. A indústria e outros setores estão trabalhando muito aquém da sua capacidade. “Não é que a recuperação estancou, mas é gradual. Nossa projeção era da geração de 1 milhão de vagas em 2018. Atualmente, a gente passou a projetar 800 mil, com o risco de ser um pouco menos. E isso levando em conta que serão necessários alguns anos para a recomposição dos 3 milhões de vagas perdidas. Vai levar uns quatro anos para que isso aconteça.” Ele afirma que já era esperado a recomposição começar no setor de serviços, e que mais adiante virá na indústria. “O indicador mais recente de produção industrial foi um banho de água fria.” O IBGE divulgou que a indústria recuou 0,1% em março, quando a expectativa do mercado era uma alta de até 0,5%. Além disso, na avaliação do economista, o setor de construção foi um dos mais afetados. “Não foi somente uma mudança conjuntural, com escassez de crédito e diminuição da confiança das empresas e famílias. Ele passou por uma mudança estrutural por conta das investigações [da Operação Lava Jato]. É um segmento que foi ainda mais afetado do que os demais e que vai demorar a se recuperar.”
Alessandra Ribeiro, da Tendências, projeta um saldo positivo de 800 mil vagas com carteira assinada este ano
Alessandra Ribeiro, diretora de Macroeconomia e Política da consultoria Tendências, também projeta um saldo positivo de 800 mil vagas com carteira assinada este ano. No cenário básico, em que a agenda reformista e a atual política econômica seja mantida pelo próximo presidente, ela projeta um aumento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,8% em 2018 e de 3,2% em 2019. Em um cenário pessimista, com resultados ruins da economia este ano e mudança na agenda econômica do próximo governo, esses índices seriam de 1,5% e 1,2%, respectivamente, suficientes para gerar 800 mil vagas em 2019. “Como a gente vê um crescimento de PIB na casa de 1% nesse cenário pessimista, ainda significaria um aumento pequeno de ocupação em 2019.” O Governo Federal apostava na Reforma Trabalhista para ajudar a baixar o desemprego, que é um índice especialmente sensível em ano eleitoral. Mas, seis meses depois de entrar em vigor, ela ainda não surtiu efeitos significativos nos índices. “Quando a gente olha outras experiências de reforma trabalhista que aconteceram ao redor do mundo, na verdade levou um tempo desde as mudanças na legislação até a gente observar impactos no mercado de trabalho. No caso brasileiro também vai demorar um pouco”, diz Ottoni. Para ele, mesmo nas novas modalidades – trabalho intermitente e temporário – não tem havido um aumento expressivo. “Por outro lado, têm outras coisas que vêm funcionando aparentemente bem na reforma, como a redução da judicialização. O número de ações trabalhistas está caindo muito. Isso pode ter efeito lá na frente à medida que os empregadores começarem a incorporar essa queda nas suas decisões de contratação.”
Outro fator que pode estar inibindo os efeitos benéficos previstos pela reforma é a insegurança jurídica. Os especialistas acreditam que ainda há dúvidas sobre alguns pontos da reforma. A Medida Provisória 808, editada em um acordo entre o presidenteMichel Temer e o Senado para ajustar a legislação aprovada, caducou em abril sem sequer ser discutida pelo Congresso. “O mercado de trabalho ainda vai demorar para mostrar uma retomada mais consistente”, diz Romão. Um ponto será fundamental para que a retomada se reflita nos postos do trabalho: que o governo eleito consiga manter a confiança na economia e atraia novos investimentos, equacionando o grave desequilíbrio fiscal. “Uma agenda reformista vai ser muito importante. A começar pela Reforma da Previdência”, diz Ottoni.