A aposta do governo para aprovar a PEC dos Precatórios e garantir o Auxílio Brasil de R$ 400

Governo tenta fazer concessões para ampliar apoio à proposta no Senado Federal e costura acordo para "fatiar" PEC

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Uma semana após a Câmara dos Deputados aprovar em segundo turno a PEC dos Precatórios, as chances de o Senado Federal concordar com a mesma versão do texto são consideradas cada vez menores no mundo político.

Na prática, isso significa que provavelmente, mesmo depois da votação em plenário pelos senadores, a proposta terá de voltar para apreciação dos deputados.

Por se tratar de PEC, é necessário apoio de 3/5 em cada casa legislativa (ou seja, pelo menos 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores) a cada turno de votação em plenário.

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Pela regra, as casas também precisam aprovar a mesma versão do texto para que ele seja promulgado e passe a valer. A PEC vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças de mérito.

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O Palácio do Planalto corre contra o relógio para angariar apoio necessário entre os senadores para avançar com a matéria e ter o texto promulgado ‒ e, assim, operacionalizar a distribuição do Auxílio Brasil em versão “turbinada”, com parcelas de ao menos R$ 400,00 para 17 milhões de famílias até dezembro de 2022.

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A PEC dos Precatórios libera espaço fiscal superior a R$ 90 bilhões no Orçamento do ano que vem a partir de dois movimentos: 1) a limitação do pagamento de precatórios (que são dívidas judiciais da União sem nova possibilidade de novo recurso) em um exercício; 2) e uma alteração na metodologia do teto de gastos.

O texto é considerado polêmico por muito senadores em diversos aspectos. O primeiro deles é o não pagamento integral de compromissos do governo federal determinados pelo próprio Poder Judiciário ‒ o que tem sido classificado como “calote”.

A mudança na janela de aferição da inflação a ser considerada para correção do teto de gastos é outro aspecto que incomoda os parlamentares. Para muitos, o movimento é oportunista e traz como consequência prejuízo à credibilidade do país junto a agentes econômicos.

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O debate também tem sido fortemente contaminado pela disputa presidencial que ocorrerá em pouco menos de um ano. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem no Auxílio Brasil uma aposta para recuperar apoio de parcela relevante do eleitorado. Do outro, adversários não querem dar munição ao plano de reeleição do mandatário.

Críticos alegam que a PEC dos Precatórios abrirá espaço para além do necessário para bancar o novo Bolsa Família e poderá ser usado para financiar o “auxílio caminhoneiro” (R$ 4 bilhões), a prorrogação de desonerações da folha de pagamentos (R$ 8 bilhões), mais recursos para emendas parlamentares, aumento do fundo eleitoral (possivelmente de R$ 2 bilhões para R$ 5 bilhões) e até reajustes de servidores públicos ‒ como sinalizou Bolsonaro nesta semana.

Em meio a esta complexa equação, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), José Aníbal (PSDB-SP) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) apresentaram uma emenda substitutiva à PEC. O texto sugere a retirada de todas as despesas com precatórios do teto de gastos excepcionalmente em 2022 (em um total de R$ 89,1 bilhões), que seriam honradas.

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Em contrapartida, ficaria determinado que no mínimo R$ 64 bilhões desses valores seriam destinados no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) ao Auxílio Brasil. O montante seria somado aos valores já previstos para o Bolsa Família no ano que vem: R$ 34,7 bilhões, totalizando R$ 98,7 bilhões para o novo programa social.

Os valores remanescentes deveriam ser alocados em despesas decorrentes de recomposição orçamentária ao pagamento de benefícios da Seguridade Social.

Na emenda, os três senadores também propõem o fim das polêmicas emendas do relator-geral do orçamento (identificadas pela rubrica “RP9” e que ficaram popularmente conhecidas como “orçamento secreto”).

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O texto alternativo não foi bem recebido pelo governo federal. O ministro Paulo Guedes (Economia) argumenta que a sugestão rasga a possibilidade de controle de despesas com precatórios no futuro. Ele alega que a imprevisibilidade com tais gastos promoveria uma elevação nos prêmios de risco cobrados por investidores para financiar a dívida pública.

Os autores da proposta, por sua vez, acreditam que as críticas reforçam a indisposição do governo federal em construir uma solução dentro das regras fiscais e garantir o financiamento do Auxílio Brasil.

Na guerra de narrativas, eles tentam explicitar que o interesse do Palácio do Planalto não se resume ao programa social mais robusto, mas em expandir gastos que auxiliem a candidatura de Bolsonaro nas eleições de 2022 ‒ ainda que às custas da deterioração fiscal.

Há praticamente um consenso entre os parlamentares de que o placar para a PEC dos Precatórios é muito apertado no Senado Federal. Cálculos de articuladores políticos do governo sugerem que hoje os votos favoráveis à matéria flutuem entre 48 e 53 votos dos 49 necessários.

Diante dos riscos de um placar desfavorável, o líder do governo no Senado Federal, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) ‒ também relator da PEC dos Precatórios na casa legislativa ‒ intensificou as negociações com os pares em busca de mais votos.

A ideia é atrair parte do MDB e PSD ‒ as duas maiores bancadas na casa legislativa, com respectivamente 15 e 12 representantes ‒ com modificações pontuais ao texto.

Entre as mudanças em discussão estão: 1) a instituição do novo programa de transferência de renda, com parcelas de R$ 400,00, como permanente, e não mais até dezembro de 2022; 2) a possibilidade de se criar uma auditoria ou comissão mista para monitorar a evolução dos precatórios; 3) estabelecer previsibilidade ao pagamento das dívidas judiciais; e 4) a vinculação específica dos recursos do novo espaço fiscal aberto com a proposta ao Auxílio Brasil.

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Como o tempo é curto, há um acordo de procedimento em construção entre Bezerra e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A ideia seria fatiar a proposta, garantindo a promulgação dos pontos em comum aprovados pelas duas casas legislativas tão logo os senadores votem o texto ‒ o que ajudaria o governo a operacionalizar o Auxílio Brasil de R$ 400,00 ainda em dezembro.

Desta forma, uma “PEC paralela” iria para a Câmara dos Deputados apenas com as mudanças aprovadas pelos senadores. Uma vez aprovada sem novas alterações, também seguiria para promulgação pelo Congresso Nacional.

“Estamos à espera da votação da PEC dos Precatórios no Senado ‒ pode ser que aprovem o texto da Câmara, pode ser que tenha modificações. Nós esperamos que não haja grandes modificações, pelo pouco tempo que há para a implantação do programa. Mas, lógico, respeitamos qualquer decisão que venha do Senado”, disse Lira em entrevista coletiva na Câmara dos Deputados, após reunião com Pacheco que contou com a presença de Bezerra.

“Eu espero e torço para que o texto tenha sua aprovação mantida em 95%, 96%. Sempre há aqueles dispositivos de que textos comuns possam ser promulgados e alguma diferença a gente possa trazer”, complementou.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.