“A raiz da pressão por aumento de gastos é sempre a mesma: eleição”, diz Meirelles

Henrique Meirelles diz que o país tem pouca memória e quebrar o teto de gastos provocaria uma crise maior do que a de 2015

Estadão Conteúdo

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SÃO PAULO – Responsável pela proposta de criação do teto de gastos, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles diz que a alternativa à mudança na regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação seria a elevação da carga tributária.

Em entrevista ao Estadão, Meirelles, hoje titular da Fazenda de São Paulo, lembra que o País tem pouca memória e que quebrar o teto levaria a uma crise muito maior do que a de 2015 porque agora, com a pandemia, a dívida pública está chegando em 100% do PIB. A raiz das pressões é sempre a mesma, eleição, vontade de todos os envolvidos para usar mais recursos públicos para se favorecer como eleitorado fazendo mais obras, diz.

Qual a sua reação à tentativa de mudança do teto de gasto?

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Desde o início, quando propusemos o teto, houve uma reação muito forte contrária. Nunca é uma coisa que todos apoiam porque é normal todo governo querer gastar mais, fazer obras e outros tipos de investimentos para levar recursos para as suas regiões. O fato concreto é que vai contra o interesse individual de muita gente. Eu lembro, na época, fazendo palestras no Brasil e no exterior, muita gente achando que não seria possível aprovar. Saímos da recessão e funcionou. Só que o tempo passa e as pessoas não têm memória. Começa a voltar o desejo que o País gaste mais recursos para impulsionar a economia em obras, além do que vamos gastar com a pandemia. Só que com a dívida subindo na pandemia, o teto é mais importante do que nunca. Quebrar o teto vai levar a uma crise muito maior do que tivemos em 2015 porque agora teremos quase 100% de dívida pública.

Há uma mudança na intensidade da pressão? Tem a ver com a eleição?

A raiz das pressões é sempre a mesma, eleição, vontade de todos os envolvidos em usar mais recursos públicos para se favorecer com o eleitorado, fazendo mais obras. Sejam os parlamentares trazendo mais recursos, seja o Executivo fazendo obras. Tudo isso é uma inclinação. A história tende a se repetir. As pessoas tendem a se esquecer do que causou os problemas e a cometer o mesmo erro.

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Falta convicção ao ministro Paulo Guedes para a defesa do teto?

Eu não tenho conversado com ele a respeito disso. Mas tenho a impressão de que ele tem a consciência absoluta de que o teto de gasto é fundamental. A questão é ter toda uma estrutura que mostre isso que defenda isso. Não estou acompanhando o dia a dia de Brasília para saber a razão pela qual isso não está sendo devidamente esclarecido. À medida que o problema agora é outro, a pandemia, é normal que pessoas que não são estudiosas no assunto e que estão sentindo lá a pressão para sair do problema o mais rápido possível, queiram mais gasto público.

Pressão por gastos sempre existiu. O que é diferente agora?

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Por isso, o gasto público subiu no Brasil durante 25 anos sem parar levando a uma brutal recessão. Passamos por diversos governos e partidos, de ideologias diferentes, e foi essa a realidade. Não é coincidência. Existe sempre essa pressão para gastar mais. Gastar o recurso público tem vantagens, fazendo obras, criando emprego. Mas o aumento da dívida pública, da inflação, tem um custo muito maior. Eventuais empregos criados são muito menos do que o desemprego criado pela recessão.

Qual a consequência da queda do teto?

Teremos uma escolha de Sofia. Entraríamos num processo de subida de risco, juros e eventualmente recessão. Outra alternativa seria o aumento da carga tributária para compensar o aumento de despesas. Quanto mais aumenta a carga, maior é o peso na atividade econômica.

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Não é possível ter algum ajuste no teto para acomodar as demandas atuais?

Em minha opinião, não. No momento que se abre uma brecha como dizer: por que não mais isso para acomodar mais obras?, pera aí, tem mais outras obras, ou tem mais despesas sociais. A grande vantagem do teto de gastos é que ele foi algo inflexível. Tem um teto e ponto final. Foi a primeira vez que houve uma real discussão de prioridade orçamentária no Brasil. Antes, quando se precisava gastar mais, se criava mais gasto e aumentava o déficit.

Mas essa definição de prioridades não está falhando?

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Antes era sem limite. Agora, se dá o privilégio contra outras despesas que não podem ser incluídas (no Orçamento). O teto é inflexível. Ele não acomoda.

Os contrários ao teto dizem que sempre vence quem tem mais força, os mais poderosos ou com mais influência, em detrimento dos gastos com saúde e educação.

Isso é outra coisa que não é bem entendida. As despesas com saúde e educação. Não tem teto. Tem mínimo. Os gastos com saúde e educação estão garantidos pela Constituição. No momento que diminuíram esses investimentos foi uma decisão política do governo. O problema é que tira o teto, se libera aumento de despesa. Tem de obedecer o mínimo da educação e da saúde, que inclusive é constitucional, investir esses recursos, e o resto, sim, vai sendo comprimido, o que se torna viável pela reforma da Previdência.

E essa discussão jurídica de que a emenda do teto não pode estourar e acionar os gatilhos de correção, como corte de despesas com pessoal?

O teto tem uma lista de mecanismos autocorretivos. Uma série de medidas são constitucionalmente acionadas. É fundamental para que as pessoas não se entusiasmem com a ideia de quebrar o teto.

São Paulo sempre foi um fator de pressão contrária à reforma. Como recebeu a proposta de reforma tributária?

O acordo feito pelos Estados, e que foi concretizado através de um substitutivo apresentado no Congresso, foi objeto de um acordo unânime entre todos os Estados. É o correto, justo para todos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.