O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) rechaçou, em conversa exclusiva com o InfoMoney, a afirmação de que o Supremo vem adotando uma postura ativista em suas decisões, assumindo papeis que seriam do Legislativo ou do Executivo.
Barroso reconheceu que há um elevado nível de judicialização no Brasil e que o Supremo tem um “grande protagonismo na vida brasileira” – maior, inclusive, quando comparado a outras cortes constitucionais mundo afora –, mas não compartilha da visão de que há ativismo na conduta dos magistrados no país.
O ministro esteve na sede do InfoMoney, na última segunda-feira (5), onde conversou com as jornalistas Vera Brandimarte, presidente do Conselho Editorial, e Raquel Balarin, Diretora de Redação. Assista à íntegra do encontro pelo vídeo acima, ou clique aqui.
Leia também: Barroso diz que piso da enfermagem violou “três ou quatro” normas da Constituição e cita Fundeb como modelo
“É preciso fazer uma distinção entre judicialização e ativismo. O Brasil é, de fato, um país em que existe ampla judicialização, tanto quantitativa, na justiça ordinária, quanto qualitativa, no Supremo. Quase tudo chega ao Supremo, porém ativismo significa uma decisão que leva um princípio vago da Constituição, uma situação que não foi prevista nem pelo constituinte, nem pelo legislador. Isso acontece muito excepcionalmente”, afirmou.
Durante a conversa, o magistrado listou 5 fatores que provocam a ampla judicialização no país e evidenciam o protagonismo do Supremo Tribunal Federal. São eles:
1) Constituição muito abrangente e detalhada
“No mundo em geral, as constituições cumprem o papel de organizar o Estado, de separar os Poderes e definir suas competências e de definir quais são os direitos fundamentais”, diz.
“A Constituição brasileira, por muitas circunstâncias, faz muito mais do que isso. Ela cuida do sistema previdenciário, do sistema tributário, da saúde, da educação, da cultura, do esporte, da criança e do adolescente, do meio ambiente, da proteção dos indígenas, da proteção dos idosos… É uma constituição que cuida de muitos temas”, compara.
Para Barroso, toda vez que uma matéria entra na Constituição, em alguma medida ela é retirada da esfera da política para ingressar na zona de influência do Direito. E com tantos temas sob a alçada dos magistrados, a separação entre Política e Direito se torna cada vez mais complexa.
2) Fácil acesso ao Supremo
“É muito fácil chegar ao STF no sistema constitucional brasileiro. Quase tudo chega ao Supremo. E como chega rapidamente, por ação direta, às vezes o Supremo, em vez de dar a última palavra, dá a primeira sobre uma questão”, pontuou.
3) Amplo leque de atores que podem acionar o STF
“É muito vasto o elenco de órgãos e entidades que têm esse acesso ao Supremo: o presidente da República, o procurador-geral da República, a Mesa da Câmara, a Mesa do Senado, todas as assembleias legislativas, todos os governadores, todos os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, o conselho federal da OAB, todas as confederações sindicais e todas as entidades de classe de âmbito nacional. De modo que é preciso que o interesse seja muito ‘chinfrim’ para que não seja levado ao Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
4) Vasta competência criminal do Supremo
“É impossível ter 500 processos criminais, dentre ações penais e inquéritos, contra parlamentares sem isso criar algum tipo de tensão entre os Poderes e sem criar um interesse midiático”, argumentou.
O ministro é um dos principais defensores no tribunal da restrição do chamado ‘foro privilegiado´, que faz com que muitas figuras políticas sejam processadas e julgadas em tribunais superiores, e não na justiça comum.
5) Transmissão ao vivo das sessões pela TV
Se por um lado a transmissão ao vivo de sessões do pleno do Supremo Tribunal Federal pela TV Justiça confere maior transparência às decisões da principal instância do Poder Judiciário brasileiro, ela também coloca o tribunal sob holofotes.
Para Barroso, dois efeitos colaterais disso seriam a maior dificuldade em construir consensos entre os ministros e as sessões mais longas, com uma leitura mais extensa dos votos dos magistrados, sob escrutínio da opinião pública.
“As pessoas nem distinguem se você está fazendo um voto, dando uma palestra ou uma entrevista. As pessoas sempre acham que o Supremo está o tempo inteiro na mídia”, disse.
Livre iniciativa
Na conversa com o InfoMoney, Barroso também rebateu críticas de setores da sociedade que muitas vezes alegam que o Supremo teria uma posição contrária à livre iniciativa.
Como exemplos de casos em que a Corte apoiou a livre iniciativa, o ministro citou a validação do programa de demissão voluntária do Banco do Estado de Santa Catarina, que criou o precedente de que o negociado prevalece sobre o legislado em negociações coletivas; a possibilidade de terceirização de atividades-fim; a derrubada de legislações municipais contrárias ao transporte individual de passageiros por aplicativos; a construção de acordo referente aos planos econômicos e a validação de boa parte dos pontos da reforma trabalhista.
Segurança jurídica
Barroso também listou duas áreas do Direito brasileiro que considera “desarrumadas”: o direito tributário e o direito trabalhista – mas em nenhum dos casos, na sua avaliação, por culpa do Supremo Tribunal Federal.
“A litigiosidade tributária no Brasil é imensa, os casos muitas vezes se arrastam, e, quando chegam ao julgamento final, ou há um esqueleto no armário das contas públicas ou há um rombo para as empresas. Portanto, se há uma coisa imperativa e urgente no Brasil é a simplificação do sistema tributário. Mas a legislação que é complexa − não é, portanto, um problema da sua interpretação”, avaliou.
“E a outra área que considero que muitas vezes está desarrumada é a do direito do trabalho. No Brasil, você com frequência só sabe o custo de uma relação trabalhista quando ela termina e vem a reclamação. Muitos empresários não cumprem a legislação e há muita esperteza também do lado da advocacia”, disse.