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As discrepâncias entre as pesquisas de intenção de voto e os resultados apresentados pelas urnas no primeiro turno para as eleições presidenciais e para os pleitos em diversos estados ampliaram a pressão do mundo político e de parte da opinião pública sobre os institutos.
Em uma disputa que caminha para ser a mais apertada desde a vitória de Dilma Rousseff (PT) sobre Aécio Neves (PSDB), por 51,64% a 48,36%, em 2014, uma série de questionamentos têm sido feitos sobre a credibilidade das empresas que realizam levantamentos no país e as metodologias adotadas por cada uma delas.
O quadro também tem gerado discussões sobre a capacidade de tais empresas em indicar tendências claras sobre a disputa pela Presidência da República no segundo turno. Apesar da elevada polarização e da cristalização da preferência de boa parte do eleitorado, o equilíbrio da disputa torna a tarefa mais complexa.
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Leia também: Pesquisas eleitorais são confiáveis? Entenda as diferentes metodologias aplicadas pelos institutos
Na votação de 2 de outubro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve 57.259.504 votos, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), 51.072.345 votos. Em votos válidos, isso representou um placar de 48,43% a 43,20%. Entre todos os que votaram, 46,30% a 41,29%. E considerando o universo de eleitores (inclusive os quase 21% que se abstiveram), 36,60% a 32,64%.
Considerando a fotografia da última safra de pesquisas divulgadas pelos principais institutos em atividade no país, com campo iniciado no máximo a 5 dias do pleito, a distância indicada entre os candidatos, que foi de 5 pontos percentuais entre todos os que votaram, variou de 6,60 p.p. (Paraná Pesquisas) a 14 p.p. (Datafolha) na mesma métrica.
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Para votos totais, as indicações dos institutos para Lula variaram de 43,90% (Paraná Pesquisas) a 48% (Datafolha) – ou seja, de -2,4 a +1,7 pontos em relação ao resultado das urnas, desconsiderando abstenções, ou de +7,3 a +11,4 pensando no universo de eleitores aptos a votar.
Já no caso de Bolsonaro, as indicações variaram entre 34% (Datafolha e Ipec) e 37,30% (Paraná Pesquisas) – ou seja, de -7,29 a -3,99 pontos em relação aos resultados, desconsiderando abstenções, ou de +1,36 a +4,66 pensando no universo de eleitores aptos a votar.
Veja em detalhes na tabela abaixo (para visualizar em tamanho maior, clique aqui):
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Fontes: TSE, Ipec, Datafolha, MDA, Quaest, Ipespe e Paraná Pesquisas
Elaboração: InfoMoney
Nenhuma pesquisa é definitiva. A intenção manifestada por um eleitor em um levantamento, por mais próxima da data do pleito que a entrevista tenha sido realizada, pode não necessariamente se confirmar em voto na urna. Também vale sempre lembrar que toda pesquisa tem margem de erro e intervalo de confiança – conceitos fundamentais no mundo da estatística e que não devem ser ignorados no momento de analisar os resultados.
As pesquisas oferecem uma fotografia correspondente ao universo de 156.454.011 eleitores aptos a votar, enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) trabalha com o resultado entre aqueles que decidiram votar e escolheram um candidato (em um país com taxa de abstenção na casa de 20%).
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Por estas e outras variáveis, pesquisas eleitorais não têm como missão prever o resultado de um pleito, mas oferecer informações valiosas sobre a preferência dos eleitores em um dado momento de determinada disputa e tendências, se observadas de forma sequenciada. Ainda que com limitações naturais, elas oferecem dados que balizam decisões de campanhas, de agentes econômicos e até do eleitor, que pode se reposicionar diante do quadro indicado pelos levantamentos.
No mesmo sentido, especialistas argumentam que é muito difícil verificar “erros” e “acertos” dos institutos com base em uma comparação meramente numérica da fotografia de seus últimos levantamentos e o resultado das urnas, tendo em vista a dinâmica do comportamento do eleitor e a própria imprevisibilidade do fenômeno da abstenção.
Ainda assim, pelo fato de os levantamentos mostrarem por meses um quadro de estabilidade na disputa e um nível elevado de convicção no voto dos eleitores, havia uma expectativa do público e de analistas políticos de maior proximidade entre as pesquisas e o resultado das urnas.
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Mas diferenças mais expressivas foram observadas em nível local. No caso das eleições para governador e senador, este já era um risco considerado por muitos analistas, já que o eleitor indicava menor atenção a esses pleitos e uma tendência maior de decidir na última hora.
No entanto, também foram identificadas discrepâncias superiores às margens de erro entre pesquisas e o resultado das urnas para Lula ou Bolsonaro em ao menos 19 Unidades da Federação. A maioria dos casos indicou “subestimação” no desempenho do atual presidente (18) ou “superestimação” no desempenho do candidato petista (9).
No caso de Lula, as maiores diferenças ocorreram no Espírito Santo (+8 p.p.), em Rondônia (+8 p.p.), Minas Gerais (+7 p.p.), São Paulo (+7 p.p.) e Alagoas (+6 p.p.).
Já para Bolsonaro, elas ocorreram em Rondônia (-11 p.p.), no Espírito Santo (-10 p.p.), em Minas Gerais (-10 p.p.), no Mato Grosso do Sul (-9 p.p.), no Rio de Janeiro (-9 p.p.) e São Paulo (-9 p.p.).
Veja o quadro comparativo com a última leva de pesquisas e o resultado nas urnas do primeiro turno da corrida presidencial nas 27 Unidades da Federação (para visualizar em tamanho maior, clique aqui):
Fontes: TSE, Ipec, Datafolha e Ipespe
Elaboração: InfoMoney
* Na Bahia, no Ceará e em Pernambuco, foram usados levantamentos de mais de um instituto. Nestes casos, usou-se a média deles. A Quaest divulgou levantamentos em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, mas, pelo fato de não ter apresentado os dados em votos totais, foi desconsiderada para esta análise.
Hipóteses
Os institutos listam uma série de fatores que podem ajudar a explicar as diferenças mais elásticas para as urnas. Dentre eles, estão: 1) a incapacidade de mensuração do potencial de abstenção entre os eleitores e possíveis impactos desiguais entre as candidaturas; 2) os efeitos do chamado “voto estratégico”; 3) intenções de voto não cristalizadas no momento em que os levantamentos foram feitos; e 4) decisões de última hora dos eleitores.
Segundo o Ipec, a possibilidade de voto de Lula no primeiro turno, indicada por diversas pesquisas na véspera do pleito, pode ter levado eleitores de outros candidatos, especialmente Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), e mesmo parte dos autodeclarados indecisos a antecipar um movimento de migração de voto, decidindo apoiar Bolsonaro já no primeiro turno.
“O eleitor pode usar a própria pesquisa divulgada na véspera da eleição para decidir por um voto estratégico. Ou seja, a própria pesquisa pode impactar no comportamento do eleitor”, explica Márcia Cavallari, CEO do Ipec.
Tal movimento também foi observado no primeiro turno da eleição presidencial de 2018, quando Bolsonaro superou Fernando Haddad (PT) por 46,03% a 29,28% em votos válidos (ou 41,99% a 26,70% em votos totais), quando as pesquisas divulgadas na véspera do pleito indicavam uma vantagem de na casa dos 14 p.p. ao então candidato do PSL.
Além disso, a proporção de eleitores que diziam que não sabiam em quem votar na pergunta espontânea para as eleições de 2022 (ou seja, quando os nomes dos candidatos não eram apresentados aos entrevistados) mostra que a intenção de voto declarada no cenário estimulado não estava necessariamente consolidada em alguns casos.
O Ipec identificou um contingente de 8% de eleitores que não sabiam em quem votar ou optaram por não responder em seu último levantamento antes do pleito. No caso do Datafolha, o grupo somou 10% dos entrevistados. Percentuais que certamente foram ainda maiores no caso de eleições para governador e senador.
“Nos estados apontados (RO, MG, ES, SP, RJ e MS), a média de indecisos na pergunta espontânea de intenção de voto para presidente era de 9%. Há outros estados onde esse índice era semelhante, mas as diferenças foram menores. Entretanto, esse contingente pode sim impactar nos resultados”, pontua Cavallari.
“Enfim, as pesquisas medem intenção de voto e não medem comportamento eleitoral, a tradução das intenções de voto em comportamento está sujeita a diversos fatores até o momento da votação”, conclui.
O Datafolha destacou que sua última pesquisa antes do primeiro turno identificou 13% de eleitores que indicavam possibilidade de mudar de ideia até o encontro com a urna. Entre os eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet, o percentual superava os 30% – o que pode reforçar a tese do “voto útil”.
“A pesquisa de véspera foi finalizada no sábado, por volta da hora do almoço, e dali até o domingo, o dia da eleição, a gente viu um movimento de eleitores que votavam no Ciro, Tebet, branco e nulo indo para o presidente Jair Bolsonaro. Então o voto útil que não aconteceu a favor de Lula, aconteceu a favor de Bolsonaro nessa reta final”, disse Luciana Chong, diretora do instituto em entrevista ao Jornal Nacional no dia seguinte ao primeiro turno.
Abstenções
O cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), tem chamado atenção para o impacto das abstenções sobre o resultado do pleito – fenômeno que, segundo ele, nenhum instituto tem condições de estimar, já que eleitores podem dar sinalizações pouco críveis, pelo fato de o voto ser obrigatório no Brasil.
Na avaliação do especialista, os veículos de comunicação muitas vezes incorrem ao erro de, com a complacência de institutos, tratarem pesquisas eleitorais como se fossem prognósticos do que sairá das urnas. E a ênfase nos resultados dos levantamentos em “votos válidos” na reta final da disputa reforçam tal avaliação, ao deixarem implícita uma possibilidade de comparação com os dados das urnas. Quanto mais heterogênea a distribuição de abstenção e votos demograficamente, maior o risco de discrepâncias entre pesquisas e resultados.
Leia também: Qual é a diferença entre voto branco e nulo?
“Qual o problema que fica encoberto nos ‘votos válidos’ divulgados pelos institutos? Para sua extração são utilizados os dados das questões estimuladas. Que apresentam os percentuais dos candidatos, mais o percentual de votos em branco e nulos, e mais um ou dois por cento de ‘não sabe’ − os supostos indecisos. A partir daí são excluídas as duas últimas categorias, recalculados os números e tem-se o que parece uma projeção baseada na pesquisa do resultado. Parece, mas não é. De onde sairá a abstenção que não foi computada nem declarada? Inevitavelmente, dos contingentes de intenções de voto dos concorrentes. Ela prejudicará igualmente os candidatos? Lógico que não”, argumentou nas redes sociais.
“No Brasil, como na maioria dos países, ela se concentra mais na base da pirâmide social. Para se ter uma ideia, dos quase sete milhões de eleitores analfabetos, cerca de 51% não votaram na penúltima eleição. E 44% dos eleitores de Lula têm até fundamental completo”, complementou.
Ele destaca que o custo de votar é variável relevante a eleitores vulneráveis que moram longe de suas seções eleitorais, o que pode afetar de forma desproporcional a campanha de Lula – com melhor desempenho na faixa com renda familiar mensal de até 2 salários mínimos.
Segundo o TSE, 55% das pessoas que não compareceram às urnas no primeiro turno destas eleições completaram, no máximo, o Ensino Fundamental – apesar de o grupo representar 40% do eleitorado brasileiro. Todas as pesquisas apontam que Lula tem grande vantagem sobre Bolsonaro nessa parcela da população, algo próximo a 60% das intenções de voto.
Bolsonaro, por outro lado, tem maior adesão entre eleitores com maior nível de escolaridade e renda mais elevada e conta com um público que se mostra mais engajado politicamente em variáveis como interesse nas eleições e disposição em votar no dia 30 de outubro.
“As pesquisas são realizadas com o total de eleitores. Se a abstenção ocorre de forma concentrada em determinado perfil de eleitor, em uma eleição com clivagem social forte, os resultados oficiais podem ser diferentes dos apontados pelas pesquisas, porque muda a composição do eleitorado em relação ao que foi pesquisado”, explica Cavallari.
Lavareda lembra que o mesmo fenômeno já ocorreu em eleições anteriores. “Se comparados corretamente os resultados totais da véspera da eleição e o resultado das urnas sobre o total de eleitores, isso é muito frequente. Mesmo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando ganhou em primeiro turno em 1994, tinha 48% sobre o total na véspera do pleito, mas nas urnas só teve 36,22%. A abstenção foi de 17,77% e o branco e nulo chegou a 15,45%. Lula, quando por 1,4 p.p. deixou de ganhar no primeiro turno a eleição de 2006, tinha 46% sobre o total na véspera, e, nas urnas, a abstenção lhe tomou 9 pontos, e obteve 37,07% do total de eleitores”.
O especialista argumenta que, se fossem comparados os votos totais das pesquisas com o resultado das urnas (considerando as abstenções no cálculo), o desempenho de Bolsonaro seria praticamente o mesmo. Já o de Lula teria uma discrepância de 7 p.p. a 11 p.p., dependendo do instituto, que poderia ser explicado justamente pelo não comparecimento desigual de eleitores às urnas.
Tal avaliação não é consenso entre os especialistas. Em artigo recente, o cientista político Jairo Nicolau, professor e pesquisador da FGV/FCPDOC, destrinchou dados de abstenção por região e município do país nessas eleições em busca de padrões no comportamento dos eleitores.
Analisando os resultados, ele identificou correlação reduzida entre a ausência acima ou abaixo da mediana nacional de votantes em determinadas localidades e o desempenho de Lula ou Bolsonaro.
“A relação entre a abstenção e voto em Lula é fraca e positiva. Ao contrário do que é sugerido por alguns analistas, a alta abstenção não está fortemente associada à baixa votação de Lula”, escreveu o especialista.
“A relação entre a abstenção e voto em Bolsonaro é fraca e negativa. Quanto maior a abstenção, menor a votação do candidato do PL”, continuou. Ele pondera, contudo, que se trata de uma leitura preliminar e que testes estatísticos mais sofisticados seriam necessários para capturar os padrões territoriais da abstenção no Brasil.
Histórico de abstenção
No primeiro turno da eleição de 2022, 20,9% dos eleitores não compareceram às urnas – a maior taxa desde 1998 (20,3%), quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi reeleito logo na primeira rodada de votação.
Historicamente, os dados indicam que a abstenção nas eleições brasileiras é maior no segundo turno. Uma das causas é o fato de a disputa pelos governos estaduais já ter acabado na primeira votação em muitos locais. Sem ter de votar novamente para o cargo, muitos eleitores se sentem menos motivados a sair de casa para registrar apenas um voto na urna eletrônica.
Em geral, estados em que não há segundo turno apresentam índices de abstenção de 1 a 2 pontos percentuais maiores do que nos locais em que a disputa estadual permanece aberta. Nestas eleições, 15 das 27 Unidades da Federação já elegeram seus governadores para os próximos quatro anos. São eles: Acre, Amapá, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Tocantins.
Destas, Lula foi o mais votado em 8 (AP, CE, MA, MG, PA, PI, RN e TO) no dia 2 de outubro, e Bolsonaro em 7 (AC, DF, GO, MT, PR, RJ e RO).
Veja a relação das UFs, número de eleitores aptos a votar em cada uma e os votos recebidos pelos candidatos no primeiro turno (para visualizar em tamanho maior, clique aqui):
Juntos, os 8 estados que já elegeram seus governadores e que Lula venceu no primeiro turno somam 41 milhões de eleitores aptos a votar. As 7 unidades federativas que já escolheram o chefe do Poder Executivo local e que Bolsonaro venceu concentram 31,8 milhões de eleitores.
Outras hipóteses
Há ao menos duas outras teses que tentam explicar a discrepância entre as pesquisas e os resultados das urnas. A primeira diz respeito a um possível erro na composição das amostras pelos institutos, com dificuldades sobretudo para estimar corretamente faixas de renda da população e o tamanho do eleitorado evangélico. Com o último Censo feito em 2010, há menor conhecimento da população.
A segunda hipótese, menos abordada de forma aberta pelos institutos, seria uma subrepresentação do bolsonarismo, possivelmente por algum elemento de comportamento (como menor disposição em atender os entrevistadores das empresas ou até o chamado “voto envergonhado”, por exemplo). Esta seria a tese mais difícil de ser testada e com efeitos mais complexos para estimativas.
“Nossa dúvida é se existiu, se isso é constante no tempo ou muda depois do resultado do primeiro turno, qual seria o tamanho, o perfil de quem não responde pesquisa. E, se descobrirmos tudo isso, como se ‘conserta’ via alteração metodológica e/ou amostral. Os institutos estão fingindo que essa hipótese não existe”, observa um pesquisador sob a condição de anonimato.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o pesquisador Mauricio Moura, CEO do Instituto Ideia Big Data e professor da Universidade George Washington, também destacou que o Brasil normalmente vive ondas antipetistas na reta final de pleitos.
“Isso não é uma novidade. Aconteceu muito fortemente, por exemplo, em 2006. Essa onda tem duas equações: eleitores antipetistas se mobilizando mais para votar – ou seja, com uma presença maior – e a abstenção prejudicando mais os eleitores de baixa renda”, explicou.
Os analistas da consultoria internacional de risco político Eurasia Group destacam que institutos de pesquisa têm enfrentado problemas mundo afora e que o pleito de 2022 deve incluir o Brasil nesta lista. “Pesquisadores políticos no Brasil agora estão imersos em um debate sobre o que deu errado com os levantamentos em 2 de outubro”, escreveram em relatório publicado após o primeiro turno.
“Os desafios, em linhas gerais, residem em duas categorias: ou os pesquisadores estão tendo dificuldades em estimar quem irá votar, ou eles estão enfrentando desafios maiores com o viés de negação de respostas (quem decide responder aos questionários). O motivo provavelmente está associado com uma mudança social mais aguda, uma profunda desconfiança com o sistema político e ambientes altamente polarizados, que modificam padrões de votação”, observaram.
Já os analistas da XP Política veem uma série de hipóteses que parecem verdadeiras para explicar a diferença entre os levantamentos e o resultado das urnas, mas apontam dificuldades em mensurar o peso de cada uma delas.
Eis as variáveis destacadas e os respectivos contrapontos:
1) Abstenção: “o fato de ela ter sido apenas 0,6 p.p. maior que a de 2018, e não mais que isso, mostra que ela não pode ser tida como principal explicação para essa divergência”;
2) Onda de última hora: “diferentemente de 2018, em 2022 as pesquisas marcavam o presidente parado havia semanas, tirando peso do argumento de que se acentuou uma onda pró-Bolsonaro nos últimos dias”;
3) “Voto envergonhado”: “surpresas em favor do bolsonarismo nas eleições para outros cargos dificultam o argumento do voto envergonhado no presidente”;
4) Problemas na amostragem: “erros de amostra também parecem ter efeito limitado, uma vez que pesquisas com diferentes composições para renda e religião, por exemplo, ficaram todas longe do resultado das urnas, ainda que em magnitude diferente”;
5) Sub-representação do bolsonarismo: “é plausível a sub-representação do bolsonarismo, ainda que de difícil mensuração e sem evidências de que seja estável no tempo”;
6) Decisão de voto do eleitor: “mudanças ao longo da campanha nos pesos de cada vetor que compõe a decisão de voto dos eleitores a partir de ações de campanha”.
Entender as razões das divergências entre pesquisas e resultados das urnas é um dos esforços de agentes do mercado de modo a aprimorar as leituras dos levantamentos no segundo turno de uma corrida presidencial tão apertada.
O que esperar para o segundo turno?
Não é incomum que a fotografia da última safra de pesquisas apresente discrepâncias em relação aos resultados efetivos no primeiro turno de uma disputa.
Especialistas costumam argumentar que, nesta primeira votação, decisões de última hora do eleitor e mudanças estratégicas (muitas vezes influenciadas pelas sinalizações dos próprios levantamentos) são mais frequentes. Além disso, a multiplicidade de candidaturas torna o cenário mais dinâmico.
Por outro lado, o histórico eleitoral brasileiro mostra que os institutos costumam apresentar retrospecto favorável de convergência com as urnas no caso de votações em segundo turno, com diferenças normalmente menores do que as margens de erro estimadas.
Um levantamento feito pelo InfoMoney identificou que, considerando todas as eleições presidenciais desde a redemocratização, as pesquisas Ibope (agora Ipec) e Datafolha registraram desvios médios na casa de 0,7 a 1,2 ponto percentual em relação ao desempenho, em votos válidos, dos candidatos em disputas de segundo turno.
Já no caso das votações em primeiro turno, os desvios médios chegaram a algo entre 3,5 e 4,5 pontos percentuais em relação ao desempenho dos candidatos ao Palácio do Planalto mais bem posicionados nas respectivas disputas − situações que têm motivado desconfiança de parte da opinião pública em relação ao trabalho de institutos tradicionais. Mesmo assim, diferença inferior à observada no caso de alguns institutos três semanas atrás.
“No segundo turno, o processo decisório do eleitor é mais simples, são apenas dois candidatos”, explica Cavallari. “Via de regra, as tendências apontadas pelas pesquisas de intenção de voto são mais facilmente observadas nos resultados oficiais do segundo turno”.
Inclusive, muitos institutos utilizam o resultado da primeira votação como variável de verificação da qualidade de suas amostras − ou seja, se perceberem um distanciamento em relação ao resultado das urnas no primeiro turno, podem optar por aplicar ponderações após a coleta de campo. Não é o caso do Ipec, que coleta a informação, mas não utiliza para controle amostral.
Veja como cada instituto trabalha a metodologia de suas pesquisas
“O resultado do primeiro turno é um excelente balizador de abstenção do segundo turno”, pontuou Maurício Moura, CEO do Ideia Big Data, em entrevista concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 10 de outubro.
Apesar do crescente ceticismo até de agentes do mercado em relação às pesquisas eleitorais, o histórico pode inspirar um voto de confiança aos institutos. Resta saber se a subrepresentação do bolsonarismo de fato existe e, em caso afirmativo, se é um fenômeno que veio para ficar.
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