Bolsonaro pressiona Congresso às vésperas de manifestações, e risco de retaliação aumenta

Parlamentares têm ao menos 4 cartas na manga para responder governo após novos atritos

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Depois do acordo que culminou na manutenção dos vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao orçamento impositivo, a temperatura entre governo e Congresso Nacional voltou a subir dias antes das manifestações de 15 de março.

Desde o fim de semana, o mandatário voltou a subir o tom contra os congressistas ao insistir na convocação da população para os atos do próximo fim de semana. “É um movimento espontâneo, e o político que tem medo de movimento de rua não serve para ser político”, disse, em Boa Vista (RR), antes de embarcar para viagem oficial aos EUA.

Uma semana antes, Bolsonaro havia compartilhado vídeos convocando apoiadores aos atos, que inicialmente tinham como mote, além da defesa do presidente, a postura crítica ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal. A posição gerou críticas de lideranças políticas.

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Ontem, o presidente deu sequência à pressão sobre os parlamentares ao dizer que a população não quer o Legislativo como “dono do destino de R$ 15 bilhões” do bolo orçamentário.

“Acredito ainda que se, até o dia 15, os presidentes da Câmara e do Senado anunciem algo no tocante a dizer que não aceitam isso e se a proposta chamada PLN4 tiver dúvida no tocante a ficar com eles, para que venham destinar os recursos para onde eles acharem melhor, e não o Executivo, acredito que eles possam botar até um ponto final na manifestação. Não um ponto final, porque ela vai haver de qualquer jeito no meu entender, mas para mostrar que estamos, sim, afinados no interesse do povo brasileiro”, disse.

Do lado do parlamento, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou, na última sexta-feira (6), que o governo conta com uma estrutura para “viralizar o ódio”por meio de fake news e que Bolsonaro afasta investidores ao gerar incertezas sobre seus compromissos com a democracia e o meio ambiente.

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Na prática, o acirramento da disputa gera preocupações sobre o futuro da agenda de reformas, que já enfrenta o desafio do calendário apertado em função das eleições municipais. Os congressistas dispõem de uma lista de pautas que podem servir como retaliação ao Executivo, que vão de avanços sobre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, à aprovação de uma “pauta-bomba”.

Para os analistas da Arko Advice, há três consequências para os atritos entre presidente e parlamento: 1) mais tensões no restante do debate orçamentário (os parlamentares ainda precisam discutir os PLNs encaminhados pelo governo sobre a LDO de 2020); 2) a necessidade de reconstituição da interlocução entre os Poderes, o que só deve acontecer após as manifestações do próximo domingo; e 3) prejuízo sobre o debate tributário, que deverá enfrentar dificuldades para avançar ainda neste ano.

Eles acreditam que o governo conquistou uma vitória com a manutenção dos vetos, mas o episódio trouxe novos desgastes. Considerando a atual conjuntura política e econômica, Bolsonaro enfrenta riscos ao esticar a corda.

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“Mesmo que lançar mão da mobilização de sua base social seja um instrumento de poder legítimo, é importante o presidente ter em mente que há vulnerabilidades que o cercam neste momento, como o baixo crescimento da economia, o alto desemprego e o risco de o coronavírus se alastrar pelo país. Tais fatores aumentam a necessidade de o governo manter um relacionamento construtivo com o Congresso para que a agenda de reformas não enfrente mais obstáculos ainda no parlamento”, pontuam.

“É evidente que a ação de Bolsonaro prejudicará a relação do governo com o Congresso”, observa Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores. “No mínimo, aumentou a incerteza a respeito da evolução dessa agenda. Ao invés de discutir reforma tributária ou administrativa, a conjuntura impõe falar de crise política e até institucional”.

Na avaliação do cientista político Carlos Melo, professor do Insper, os atos de 15 de março terão impacto direto sobre o futuro das relações entre Bolsonaro e o Congresso — da mesma forma que as eleições municipais daqui a sete meses.

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Quanto maior a força dada pelas ruas, maior o capital político do presidente para a queda de braço em curso. Por outro lado, quando menor o endosso popular, mais vulnerável estará Bolsonaro de contra-ataques calculados pelos congressistas.

Independentemente do quão fortalecido ou enfraquecido sairá o presidente deste capítulo, analistas políticos já começam a avaliar as possíveis cartas na manga do Congresso em caso de retaliações.

Eis algumas das opções:

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1) Cerco a Eduardo Bolsonaro
O filho do presidente virou um dos alvos mais óbvios dos congressistas depois de a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News descobrir vínculos de um assessor do deputado com a criação de uma página usada para difamar e atacar adversários políticos do governo.

2) Fundeb
A necessidade de renovação do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica) tem feito os deputados discutirem mudanças para as regras para a distribuição de recursos ao ensino básico nos próximos anos. Tramita na Câmara dos Deputados uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que dobra o desembolso da União para o fundo. O impacto fiscal estimado pelo governo para a atual versão do texto em discussão é de R$ 8 bilhões apenas no primeiro ano. A fatia do governo federal saltaria de 10% para 15% apenas em 2021.

3) 13º do Bolsa Família
Também tramita na Câmara dos Deputados a MPV 898/2019. O texto sofreu modificações pelo relator Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que, além de tornar permanente a concessão de 13º no Bolsa Família, ampliou o benefício ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e deficientes de baixa renda. A estimativa do custo gira em torno de R$ 7,5 bilhões. Para compensar o rombo, a ideia é instituir um come-cotas sobre fundos exclusivos. A iniciativa contraria os interesses do governo, tanto do ponto de vista do impacto econômico quanto dos potenciais efeitos sobre o mercado.

4) Valorização do salário mínimo
Já no Senado Federal tramitam dois projetos com regras para a valorização e a manutenção do poder de compra do salário mínimo que podem ampliar os custos para o governo além de promover nível de indexação na economia que o ministro Paulo Guedes tem criticado.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.