Briga com cúpula do PSL deixa Bolsonaro exposto ao discurso da campanha

Responsável pelo crescimento pesselista na última eleição, presidente quer ampliar sua influência sobre a estrutura partidária, mas vive contradição

Marcos Mortari

(Marcelo Camargo)
(Marcelo Camargo)

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SÃO PAULO – A crise na relação entre o presidente Jair Bolsonaro e a cúpula de seu partido, o PSL, explicita uma disputa pelo controle da tomada de decisões na legenda e a alocação de recursos dos fundos partidário e eleitoral a um ano das eleições municipais.

Responsável pelo crescimento exponencial pesselista na última eleição, Bolsonaro enfrenta um desafio de ampliar sua influência sobre a estrutura partidária sem cair na contradição do discurso adotado durante a campanha junto ao seu eleitorado.

A expectativa é que o PSL receba R$ 360 milhões de financiamento público em 2020. No último pleito, a legenda recebeu cerca de R$ 17 bilhões entre recursos do fundo eleitoral e do fundo partidário. O partido tinha uma bancada de oito deputados na Câmara — sendo que apenas um havia sido eleito pela sigla em 2014. Hoje, são 53 assentos, um a menos que a maior bancada, o PT.

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“À sua maneira, Bolsonaro vinha aumentando a pressão para tomar o controle da cúpula partidária. Tentou articular internamente, depois, em público. O problema é que a legislação proíbe a mudança de deputados de partido”, observam os analistas da XP Política.

“Outro problema é o fundo partidário, o fundo eleitoral e o tempo de TV, que são determinados pelo tamanho da bancada eleita. Bolsonaro, em sua busca de uma saída jurídica, reclama da falta de transparência, mas luta para controlar os recursos tradicionais da política. Em sua eventual saída precisará brigar na Justiça também para tentar leva-los consigo”, complementam.

Apesar de ter sido eleito sem tempo de televisão e com poucos recursos dos fundos partidário e eleitoral e das críticas direcionadas ao chamado establishment político, Bolsonaro sabe da importância de tais instrumentos, sobretudo na eleição de parlamentares.

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Acompanhar o presidente na aventura da migração partidária ou na construção de uma nova sigla poderia ser um desafio que muitos deputados não aceitariam enfrentar, seja pela falta de recursos, seja pelo próprio risco de perda de mandato, dependendo de como se der o movimento.

Os sinais dos bolsonaristas

Ontem (9), 20 deputados pesselistas assinaram uma carta em apoio a Bolsonaro e cobraram a adoção de novas práticas pela cúpula partidária. O documento fala na construção de um partido orientado pelos princípios republicanos, de ética na democracia e combate à corrupção.

“É necessário construir uma plataforma partidária ampla, cujo núcleo central é a solidez de um partido orientado pelos princípios e valores expostos acima, que nos foram confiados e seguem sendo defendidos pelos brasileiros. Esse partido, para nós, ainda é o PSL”, diz o texto.

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“Mas para que partido contribua para o estabelecimento de uma nova política, é preciso que a atual direção adote novas práticas, com a instauração de mecanismos que garantam absoluta transparência na utilização de recursos públicos e democracia nas decisões”, continua.

O grupo, composto por nomes como Alê Silva (MG), Carla Zambelli (SP), Carlos Jordy (RJ), Filipe Barros (PR), Luiz Philippe Orleans e Bragança (SP) e Bibo Nunes (RS) corresponde a quase 40% da bancada do partido na Câmara dos Deputados e já começou a sofrer retaliações como a perda de espaços no partido e em comissões do parlamento.

Conforme noticia a coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo, a direção partidária ainda discute estimular recursos à comissão de ética contra os integrantes que fizeram ataques públicos à legenda. A ideia seria pedir suspensão das atividades partidárias, algo similar ao que fizeram PDT e PSB com membros que votaram contra a reforma da Previdência.

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Vale destacar, contudo, que mesmo esse grupo de parlamentares considerados da ala “bolsonarista” não queimou pontes com o PSL. Ao afirmarem que ainda acreditam em uma reformulação do partido, eles deixam aberta a possibilidade de uma composição, a despeito das indicações de bastidores do presidente de que deverá deixar a sigla.

Tendências

Apesar das recentes tensões, alguns deputados pesselistas consideram pouco provável a saída do presidente. Eles ressaltam que alguns dos nomes de maior expressão política da sigla — como os líderes Joice Hasselmann (SP) e Delegado Waldir (GO) ou Felipe Francischini (PR) — evitaram posições nesse sentido.

No caso de Waldir, inclusive, houve defesa da legenda e críticas ao presidente: “Como você fala do quintal alheio se o seu quintal está sujo? As candidaturas em Minas Gerais e Pernambuco estão sendo investigadas. Mas o filho do presidente também”, disse em entrevista à coluna do jornalista Guilherme Amado, da Época.

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“Bolsonaro não está algemado no PSL, não. Aqui não tem ninguém amarrado. Candidatos majoritários, como o presidente, governadores e senadores, têm liberdade para trocar de partido quando quiserem”, complementou.

Com a possível perda de acesso aos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral, além dos riscos de deputados aliados perderem seus mandatos, as apostas de analistas políticos são de que Bolsonaro deverá insistir na tentativa de obter maior controle sobre as decisões do PSL.

A avaliação é que até mesmo a governabilidade poderia ser afetada com a eventual troca de partido.

“A eventual saída representaria mais um efeito negativo em termos de estabilidade do processo decisório. Haveria certamente uma mudança na balança de poderes”, observa Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria.

Na avaliação do especialista, o movimento “atrapalharia a agenda de reformas”. Se confirmado, demandaria um olhar atento para o grau de migração de pesselistas para o novo partido. “Vamos ver se esse cenário vai gerar alguma acomodação ou se eventualmente haverá mais uma manifestação de um problema político relevante”, complementa.

“A reforma da Previdência não está em risco, pois falta apenas uma votação no Senado e os quatro representantes do partido têm se declarado favoráveis. Mas o racha do partido do presidente pode atrapalhar as próximas pautas. Na política, a união da sigla que representa o Executivo é ponto quase necessário para que se tenha sucesso em votações impopulares”, pontuam os analistas da XP Política.

Outro analista, que preferiu falar sob a condição de anonimado, concorda com o risco de uma piora nas relações com o parlamento, mas não vê mudança significativa sobre o andamento da agenda de reformas econômicas.

“Se ele sair, terá mais problemas com a execução no Congresso. Obviamente, não vai ser todo mundo que vai acompanhá-lo ao novo partido, que demoraria meses para ser construído e não teria fundos. Isso deve aumentar o custo de aprovar reformas, mas não muda o panorama geral”, observa.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.