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O Congresso Nacional aprovou, nesta terça-feira (12), o texto-base (PLN 5/2022) do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023, que determina as metas e prioridades para os gastos públicos e oferece os parâmetros para elaboração do projeto de lei orçamentária do ano que vem.
O placar foi de 324 votos a favor contra 110, na Câmara dos Deputados, e 46 votos contra 23, no Senado Federal. A matéria agora segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Inicialmente, o parecer do relator, senador Marcos do Val (Podemos-ES), previa a “obrigatoriedade de execução” das emendas relator − tecnicamente referidas pela rubrica RP 9, mas que se tornaram conhecidas como “orçamento secreto”, pela baixa transparência sobre a autoria, entre os parlamentares, das indicações para a destinação dos recursos.
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Mas, em meio à polêmica do dispositivo, o relator recuou e anunciou, durante a sessão conjunta de segunda-feira (11), que retiraria o trecho da versão final do texto. Essas emendas somam R$ 16,5 bilhões no Orçamento deste ano, mas poderiam chegar a R$ 19 bilhões em 2023. O recuo irritou integrantes do “centrão”, que tentavam recolocar o dispositivo no texto minutos antes do início da sessão.
O movimento ocorreu após a repercussão negativa de uma entrevista na qual o parlamentar diz ter recebido R$ 50 bilhões em emendas para o Espírito Santo como “gratidão” pelo apoio dado à eleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para a presidência do Senado Federal em 2021.
A declaração do relator levou o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) a protocolar notícia crime junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Pacheco e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) por suposta prática de corrupção ativa, e de Marcos do Val por suposta prática de corrupção passiva. Vieira também entrou com representação contra os três colegas junto ao Conselho de Ética do Senado Federal por quebra de decoro parlamentar.
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As emendas de relator são feitas pelo deputado ou senador que, em determinado ano, foi escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento − o chamado relator-geral.
Embora assinadas pelo relator, elas representam sugestões feitas por diversos parlamentares, negociadas ao longo da tramitação do Projeto de Lei Orçamentário Anual (PLOA). Mas as impressões digitais dos autores originais dos pedidos hoje não são passíveis de monitoramento.
Atualmente, as emendas parlamentares individuais e de bancada estadual já têm execução obrigatória, conforme estabelece a legislação vigente. Mas, ao contrário das demais, as emendas de relator não costumam respeitar a proporcionalidade de forças no Congresso Nacional.
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Se os congressistas tivessem avançado com a impositividade das emendas de relator (RP 9), o presidente eleito pelos próximos quatro anos somente poderia aplicar contingenciamento aos repasses desta alínea se fizesse um corte na mesma proporção sobre todas as despesas discricionárias − aquelas em que, ao contrário do caso das obrigatórias, o gestor público tem mais liberdade de alocação e que hoje correspondem a menos de 10% do Orçamento.
Na prática, a impositividade reduziria ainda mais a margem de manobra do Poder Executivo com despesas discricionárias, impactando políticas públicas defendidas pelo próximo presidente que assumir a partir de janeiro de 2023.
O substitutivo de autoria de Marcos do Val, aprovado pelo Congresso Nacional, também divide o poder atualmente concentrado na figura do relator-geral do Orçamento. Pelo texto, as indicações das RP 9 passam a ser divididas com o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO).
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Pelas regras do Congresso Nacional, a relatoria do Orçamento é revezada entre um deputado e um senador a cada ano, assim como a presidência da CMO. Quando um senador preside o colegiado, a relatoria fica com um deputado, e vice-versa.
Neste ano, a relatoria está com o senador Marcelo Castro (MDB-PI). Ou seja, se a regra antiga fosse mantida, ele teria controle sobre a decisão de destinação das RP 9. Já o presidente do colegiado é o deputado Celso Sabino (União Brasil-PA), aliado de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
Na prática, as novas regras permitiriam algum acesso a Arthur Lira sobre a decisão da destinação dos recursos das emendas de relator no Orçamento de 2023.
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Nos bastidores, há uma avaliação de que Lira poderia usar tal posição em sua busca por mais um mandato no comando da casa legislativa a partir do ano que vem.
Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), as emendas de relator se tornaram o principal instrumento de negociação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. O dispositivo, porém, é alvo de críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que hoje lidera as pesquisas eleitorais.
O texto aprovado pelos parlamentares também busca ampliar a transparência e o controle das emendas de relator. Pelo substitutivo, as indicações para a destinação dos recursos devem trazer o nome do parlamentar que solicitou a despesa, ainda que tenha sido apresentada por demanda de agentes públicos ou representantes da sociedade civil.
Do lado das emendas impositivas, o texto prevê que os valores sejam equivalente ao montante de 2017, no caso das emendas individuais, e de 2021, no caso das emendas de bancada estadual, corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 2022.
No Orçamento deste ano, para alcançar os R$ 135,4 bilhões obrigatórios para gastos em saúde, o Poder Executivo considerou que R$ 8,1 bilhões viriam das emendas impositivas, sem contar as emendas do relator-geral.
Polêmica
Parlamentares de vários partidos fizeram críticas às emendas de relator, por avaliar que há falta de transparência e isonomia na distribuição dos recursos entre os parlamentares.
Houve também denúncias de que as RP 9 seriam utilizadas para influenciar as votações do Congresso ou teriam vínculos com esquemas de corrupção.
“Há exemplos de municípios que recebem verbas para saúde muito maiores do que a capacidade de execução e atendimento”, denunciou o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS).
“Apenas parlamentares que trabalham em troca de voto recebem recursos das emendas de relator”, afirmou o deputado Rogério Correia (PT-MG).
Já o presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Celso Sabino (União-PA), negou que as emendas de relator sejam secretas.
“Na comissão já constam todas as indicações e destinação dos recursos. A indicação obrigatoriamente contemplará o nome do parlamentar, ainda que seja de um representantes da sociedade civil”, argumentou.
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) defendeu as emendas de relator como um meio de aumentar os recursos para municípios. “Se precisamos de mais recursos para estradas, quem mais conhece a realidade do que os deputados que estão todas as semanas nas bases onde somos votados?”, indagou.
Para o líder do governo no Congresso Nacional, senador Eduardo Gomes (PL-TO), o caráter impositivo “ainda carece de regulamentação e de discussão mais aprofundada”.
Contrário às RP 9, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) avalia que as emendas de relator comprometem a isonomia entre os parlamentares.
“Isonomia é tudo o que não acontece com as RP 9. Não existe isonomia no orçamento secreto. O tratamento não é igual. Não criminalizo a política. Respeito quem quer levar verba para seu estado. Acho legítimo isso. Mas falta isonomia. Todos nós temos isonomia no que diz respeito às emendas individuais e de bancada. Aí sim é transparente e temos regras”, criticou.
Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), as emendas parlamentares são responsáveis por levar recursos públicos aos municípios. Mas ela é contra a impositividade de execução dos recursos.
“Não sou contra os parlamentares distribuírem emendas. Acho que é uma maneira de chegar aos municípios e estados. Mas essa RP 9. Quem vai escolher quem vai distribuir os recursos previstos de R$ 19 bilhões? Sou contra a RP 9. Vamos conseguir que não seja obrigatoriedade de se pagar. Quero parabenizar por a gente tentar não ter a obrigatoriedade, disse.
Outros pontos
O relator Marcos do Val, egresso da polícia, também incluiu em seu parecer a autorização para a recomposição salarial e a reestruturação das carreiras da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Penitenciária, além das polícias Civil e Militar e o corpo de bombeiros do Distrito Federal.
A efetivação das medidas dependerá da inclusão no Projeto de Lei Orçamentária de 2023 e da comprovação da disponibilidade orçamentária e a compatibilidade com os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O relator também proibiu o contingenciamento de verbas de 19 áreas, o que tornará mais difícil a tarefa do próximo comandante do Poder Executivo caso necessite remanejar recursos. Os setores protegidos pelo dispositivo seriam educação, ciência e tecnologia, inclusão digital, esporte, defesa da criança e do idoso, demarcação de terras indígenas, segurança pública, investimentos das Forças Armadas, seguro rural, saúde animal, infraestrutura, saneamento básico, monitoramento das mudanças climáticas e combate à pandemia da Covid-19.
O texto aprovado estima um déficit primário de R$ 65,9 bilhões para o ano que vem e um valor de R$ 1.294 para o salário mínimo − o que significa reajuste pela inflação sem ganho real. A projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) é de alta de 6,7% no acumulado de 2022.
A expectativa é de crescimento de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo percentual esperado para 2024 e 2025. Já a taxa básica de juros − a Selic − é projetada a 10% para o ano que vem.
O texto aprovado permite que o Congresso utilize a projeção mais atualizada para a inflação medida pelo IPCA em 2022. O objetivo é corrigir o cálculo do teto de gastos da União para 2023, estimado em R$ 1,711 trilhão na versão original do PLN 5/2022.
A Constituição proíbe o governo de fazer dívidas para pagar salários, aposentadorias e gastos para manter a máquina pública funcionando − a chamada “regra de ouro”. As únicas despesas que podem ser cobertas por operações de crédito são o pagamento de dívidas (refinanciamento) e de juros. Quando essa norma é descumprida, os gestores e o presidente podem ser enquadrados em crime de responsabilidade.
Pela LDO 2023, o limite para operações de crédito será de R$ 17,3 bilhões para 2023. Mas o texto mantém um dispositivo que permite a inclusão de operações de crédito acima do limite constitucional e de despesas a serem custeadas com esses recursos, desde que autorizado pelo Congresso.
Pelo texto não será mais necessário usar a projeção de inflação a ser informada pelo Ministério da Economia em 22 de novembro. A mudança também pode levar a um ajuste na meta de resultado primário, estimada em um déficit de R$ 65,9 bilhões. O valor previsto para 2023 equivale a 0,63% do PIB, menor que os R$ 66,9 bilhões (0,69% do PIB) projetados para 2022.
A projeção para o resultado primário dos estados, do Distrito Federal e dos municípios é de um déficit de R$ 100 milhões. A estimativa para esses entes federados é apenas um indicador, não uma meta, porque o Executivo federal não tem ingerência sobre o orçamento deles.
(com Agência Câmara e Agência Senado)