A oito dias do primeiro turno das eleições 2022, o 2º debate entre candidatos à Presidência da República foi marcado por críticas à ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por cobranças ao presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o chamado orçamento secreto.
O evento foi realizado por um pool de veículos de comunicação formado por SBT, CNN Brasil, Estadão/Eldorado, Veja, Rádio Nova Brasil e Terra. O debate foi dividido em quatro blocos — no primeiro e no terceiro, os candidatos fizeram perguntas entre si, enquanto no segundo e no último, responderam a questionamentos de jornalistas. O tempo total foi de duas horas e quinze minutos.
A candidata Simone Tebet (MDB) começou o primeiro bloco perguntando a Bolsonaro “por que o atual governo não dá prioridade às crianças no Brasil”, citando cortes nos recursos destinados à merenda escolar e creches.
Em sua resposta, o presidente insinuou que Tebet “defende por baixo dos panos” o ex-presidente Lula. “Eu falo alguns ‘palavrão’ sim, mas não sou ladrão. Não defendo por baixo dos panos o outro candidato que já foi condenado, cumpriu cadeia e agora está por favor disputando a Presidência e se ausentando aqui”, disse.
Sobre o questionamento quanto aos cortes orçamentários, Bolsonaro afirmou que a “responsabilidade de governar é do Executivo e do Legislativo” e que Tebet, como senadora, poderá sugerir mudanças no Orçamento. “O Orçamento é feito a quatro mãos, Executivo e Legislativo. Não é justa, não é verdadeira essa acusação de cortar dinheiro para merenda porque o Orçamento não foi votado ainda”, afirmou.
Em sua pergunta, Tebet também afirmou que Bolsonaro “não respeita as mulheres” e, na réplica, disse que não fará um “governo corrupto” caso eleita, criticando as emendas de relator conhecidas como orçamento secreto. “Vamos aos fatos, você não trabalha, anda de jetski e moto, e não conhece a realidade do Brasil”, disse. “Tirou dinheiro de creches e de escola sim, sabe para quê? Para pagar orçamento secreto, para comprar apoio no Congresso Nacional. Isso é corrupção”, completou.
As emendas são recursos do Orçamento direcionados por deputados a suas bases políticas ou estados de origem. Tais recursos devem ser utilizados para investimentos em saúde e educação. Mas, em 2019, o Congresso aprovou a criação de um novo tipo de emenda, chamado emenda de relator.
Ela permite a identificação do órgão orçamentário, da ação que será desenvolvida e até do favorecido pelo dinheiro. O deputado que indicou a destinação da verba, no entanto, fica oculto. O montante é repassado na figura do relator do Orçamento, que varia todos os anos. Pela dificuldade em identificar o real autor da emenda de relator, esse repasse de recursos ficou conhecido como “orçamento secreto”, e gera críticas entre especialistas em finanças públicas.
A candidata Soraya Thronicke (União Brasil) fez uma “charada” de “o que é, o que é” referindo-se ao presidente Bolsonaro ao perguntar para Felipe d’Ávila (Novo). “O que é, o que é? Não reajusta merenda escolar, mas gasta milhões com leite condensado. Tira remédio da Farmácia Popular, mas mantém a compra de Viagra. Não compra vacina para a Covid, mas distribui prótese peniana para os seus amigos. O que é, o que é?”, afirmou.
Antes disso, ao responder uma pergunta de Ciro Gomes sobre o apoio que ela deu a Bolsonaro em 2018, Soraya afirmou sentir “decepção e tristeza” e disse que o presidente abandonou as pautas que ela ainda defende, como o liberalismo. A candidata também criticou a ausência de Lula no debate. “Você contrataria um candidato que faltou à entrevista de emprego?”, disse.
Ciro Gomes (PDT) também criticou Lula pela ausência. “Lula não veio ou por estar com salto alto, acha que já ganhou e, portanto, desrespeita a todos nós, seus oponentes, e desrespeita principalmente a você. Mas ele não veio mesmo porque não tem como explicar as promessas, porque tem quatro mandatos que você deu a ele e ele não cumpriu, e nem denúncia de corrupção”, afirmou.
D’Ávila aproveitou a deixa da “charada” de Soraya para criticar o orçamento secreto do governo Bolsonaro. “O que a senhora declara aqui é o Brasil que não tem noção das suas prioridades. A prioridade é a merenda, é a Farmácia Popular, e tudo isso se perdeu no que se chama de orçamento secreto. Uma excrescência que, sim, conta com o peso do Congresso Nacional e do presidente da República. É uma vergonha”, disse.
Soraya “estelionatária”
Usando seu direito de resposta pela fala de Soraya Thronicke, Bolsonaro chamou a candidata do União Brasil de “estelionatária política”. O presidente afirmou que ela se dizia a “senadora de Bolsonaro” para se eleger em 2018. “Todo o seu material de campanha, quer seja de santinho ou de vídeos, estava escrito lá: ‘A candidata do Bolsonaro’. A senhora foi uma estelionatária por ocasião das eleições”, disse o presidente.
A fala de Bolsonaro gerou direito de resposta para Soraya, que disse para o presidente “não cutucar a onça com sua vara curta”. A candidata disse ainda que “estelionato é o ato de quem usa dinheiro vivo para não deixar rastros nem provas”, em referência a reportagens do portal UOL sobre operações imobiliárias da família Bolsonaro.
Ao longo do debate, Bolsonaro respondeu às críticas ao orçamento secreto dizendo que a aprovação do mesmo cabe ao Congresso, minimizando a responsabilidade do Executivo por ele. O presidente também insistiu em sua estratégia de insinuar que o Supremo Tribunal Federal (STF) faz “muita coisa errada” e que pratica “ativismo judicial”.
“A judicialização feita contra o Executivo é clara. Quase toda semana tem algo contra o Executivo. (…) Essa questão é realmente grave e atrapalha o desenvolvimento do Executivo. O Supremo Tribunal tem que se preocupar basicamente com questão de constitucionalidade e deixar o governo ir para frente”, afirmou o presidente.
Padre Kelmon e Bolsonaro
Um dos pontos altos do debate, que gerou inclusive reação das pessoas que estavam no estúdio, foi a relação entre Bolsonaro e Padre Kelmon (PTB), que substituiu Roberto Jefferson na disputa pela Presidência, depois dele ter tido sua candidatura barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 1º de setembro.
Ao ser perguntado sobre a Lei da Ficha Limpa, Kelmon respondeu que ela “deveria valer para todos os candidatos” e, em seguida, se mostrou solidário a supostos ataques que ele diz que os demais candidatos têm feito ao presidente Bolsonaro, dizendo que ele também é “de direita”.
“Essa lei deveria valer para todos os candidatos, então. Por que que o candidato sr. Luiz Inácio Lula da Silva está como candidato à Presidência da República? A lei só vale para um e outros não? Ele deveria estar também sendo impedido de ser candidato à Presidência da República. Nós precisamos parar de demagogias, de falácias, precisamos para com mentiras, são muitas fake news que são inventadas aqui”, disse Kelmon.
“Nós temos todos esses candidatos aqui atacando um só, o presidente da República. Eu estou só observando a fala de cada um. Cinco contra um. Mas agora são cinco contra dois, porque nós somos candidatos de direita. O PTB é o único partido cristão, conservador, de direita do Brasil. Infelizmente, o nosso presidente foi para o PL, o PL não é de direita”, completou.
Bolsonaro já havia elogiado a resposta de Kelmon no primeiro bloco do debate quando o presidente perguntou ao candidato do PTB sobre perseguição de religiosos, citando seu discurso nesta semana na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), quando falou sobre a Nicaragua.
No terceiro bloco do debate, Bolsonaro voltou a fazer uma pergunta ao Padre Kelmon. Dessa vez, o candidato do PL indagou o candidato do PTB sobre a opinião dele sobre como o atual governo trata os mais pobres. A resposta de Kelmon foi que Bolsonaro “ajudou muito este país”.
“Nós estamos vendo aqui um massacre. Eu nunca tinha visto isso em minha vida. Partidos que se juntaram, cinco partidos que se juntaram para bater num presidente da República com falácias, com mentiras, inventando”, afirmou. “Será que o presidente da República não fez algo de bom para o Brasil? Vocês só enxergam maldade ou corrupção”, completou, criticando em seguida os governos do PT entre 2003 e 2016 (Lula e Dilma Rousseff).