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A meta de equilíbrio das contas públicas, prevista nas peças orçamentárias em tramitação no Congresso Nacional, tem chances remotas de ser cumprida e deverá ser revista ainda neste ano ou ao longo da execução do Orçamento de 2024. É o que avaliam analistas políticos consultados na 50ª edição do Barômetro do Poder.
O levantamento, realizado mensalmente pelo InfoMoney com consultorias e analistas independentes sobre alguns dos principais temas em discussão na política nacional, mostra que, de 14 especialistas consultados, 86% veem chances “baixas” ou “muito baixas” de o objetivo de zerar o déficit público ser alcançado pelo governo no ano que vem.
Outros 14% atribuem probabilidade “regular” para o cumprimento da meta, enquanto nenhum deles vê horizonte favorável para isso.
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Considerando uma escala que vai de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a chance média atribuída pelos especialistas para o cumprimento da meta atualmente projetada ficou em 1,64 − ceticismo que tem reverberado entre agentes econômicos e na própria política.
Questionados sobre a probabilidade de a meta fiscal do ano que vem ser alterada, 71% dos entrevistados consideram elevada, enquanto apenas 14% reputam-na como baixa − mesmo percentual dos que atribuem chances regulares.
Neste caso, a escala de 1 a 5 ficou com uma média de 3,71, resultado mais moderado do que o observado na pergunta anterior − o que abre espaço para um cenário de manutenção da meta e descumprimento por parte do governo.
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O novo marco fiscal, instituído pela Lei Complementar nº 200/2023, permite que o poder público descumpra o objetivo estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o resultado primário e não tenha que responder por infração administrativa.
Para isso, no entanto, é necessário que ele observe as determinações de realização de contingenciamentos, caso seja constatado ao longo da execução orçamentária um distanciamento acima do esperado no comportamento de receitas e despesas.
Pelo texto, as medidas de limitação de empenho e pagamento devem, contudo, preservar o nível mínimo de “despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública” − definido como 75% do valor autorizado na respectiva Lei Orçamentária Anual (LOA).
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O arcabouço fiscal configura descumprimento de meta quando o resultado primário em um exercício fica mais de 0,25 ponto percentual abaixo da meta definida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Neste caso, são acionados gatilhos fiscais (limitações à criação de cargos, criação ou majoração de auxílios, vantagens e bônus, criação de despesa obrigatória e concessão de benefícios fiscais) para promover o ajuste das contas públicas. Em caso de reincidência, as restrições aumentam.
O Barômetro do Poder verificou que a maioria dos especialistas espera uma revisão da meta fiscal, mas acredita que isso ocorrerá somente ao longo do próprio exercício de 2024, por meio do envio de Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) por parte do governo.
Ao todo, 86% dos entrevistados apostam nesta hipótese, sendo que a maioria (50%) acredita que o ajuste só ocorrerá a partir do segundo trimestre do ano que vem, depois da apresentação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias.
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Outros 14% esperam que a mudança da meta ocorra no próprio Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) ao longo da tramitação do texto no Congresso Nacional, seja por aprovação de uma das emendas protocoladas junto à Comissão Mista de Orçamento (CMO), seja por iniciativa do próprio relator, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).
“A resistência do Congresso em endossar a agenda arrecadatória de Haddad tende a levar o governo a alterar a meta [fiscal]. Isso, no entanto, deve acontecer somente ao longo de 2024. O governo vai pagar para ver se a pauta arrecadatória terá avanço, e se a conjuntura econômica bombará o crescimento do PIB, estancando a queda da arrecadação”, disse um dos especialistas consultados.
O estudo também ouviu os analistas políticos sobre o novo objetivo para as contas públicas caso o ajuste na meta prospere. Nesta hipótese, 69% dos entrevistados apostariam em um déficit de 0,5% do PIB. Outros 31%, apontaram um descompasso entre despesas e receitas na ordem de 0,75% do PIB.
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A meta fiscal de 2024 tem sido objeto de disputa interna no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De um lado, a ala econômica, capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT),tenta manter o compromisso de equilibrar as contas públicas ou ao menos retardar ao máximo o debate sobre uma mudança no objetivo logo no primeiro ano de vigência do novo marco fiscal.
A avaliação deste grupo é que um adiamento na discussão reduziria o “custo” do movimento junto a agentes econômicos após um esforço de conquista de credibilidade. Além disso, há um entendimento de que a mudança na meta prejudicaria o andamento de medidas de arrecadação no Congresso Nacional e poderia levar o governo a pedir um déficit maior do que o que seria necessário.
Na outra ponta, parte da ala política, capitaneada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), avalia que o cumprimento do déficit zero em 2024 é inviável e entende que a manutenção deste objetivo poderia implicar em cortes relevantes no Orçamento. Este campo alega que o ideal seria realizar a revisão da meta o quanto antes para reduzir o risco de empurrar o movimento para 2024 e gerar custos políticos (e reputacionais, em razão de contingenciamentos) mais elevados.
Até o momento, Haddad levou a melhor, convencendo Lula a não pedir a flexibilização da meta nas duas oportunidades que teve − uma via mensagem presidencial antes da apresentação de parecer preliminar do relator do PLDO na CMO, e outra via patrocínio a alguma emenda ao texto solicitando a mudança. Vale destacar, contudo, que o debate ganhou força justamente após o próprio presidente manifestar indisposição a realizar cortes no Orçamento do ano que vem e relativizar o objetivo estabelecido.
Um ponto que pode ter ajudado Haddad a ganhar tempo na queda de braço foi interpretação lançada sobre dispositivos do novo marco fiscal. Duas semanas atrás, o ministro lançou entendimento de que o arcabouço garantia um crescimento mínimo real de despesas de 0,6% e que esta regra precisaria ser levada em consideração para a definição do montante máximo passível de contingenciamento em um exercício. Tal leitura, caso prospere, pode limitar em R$ 30 bilhões (de R$ 53 bilhões para R$ 23 bilhões) o valor sujeito a bloqueio em 2024.
Na semana passada, o governo anunciou uma revisão das projeções para o déficit primário do governo central em 2023, de R$ 141,4 bilhões (em setembro) para R$ 177,4 bilhões − o equivalente a 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB) −, considerando a metodologia “acima da linha”. O número ainda está abaixo em R$ 72,2 bilhões do déficit autorizado pela LDO de 2023, mas acendeu mais um sinal de alerta para as contas públicas no ano seguinte.
Pesaram sobre a mudança uma redução de R$ 12,6 bilhões nas projeções para depósitos judiciais da Caixa Econômica Federal, cuja transferência pode não ocorrer em 2023, e uma queda de R$ 9 bilhões na arrecadação com Imposto de Renda, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Já do lado das despesas, houve um aumento de R$ 16,3 bilhões, oriundo de compensações para Estados e municípios aprovadas pelo Congresso Nacional, e de R$ 4,3 bilhões decorrente da elevação do mínimo da Saúde.
Apesar de parte dos fatores ser limitado a situações extraordinárias de 2023, o relator do PLDO no Congresso Nacional, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), reforçou o ceticismo com a meta fiscal de déficit zero. Segundo ele, as novas projeções para este ano mudam “todas as condicionantes e as variáveis” em relação à meta do ano que vem.
“Encerramos o ano com a previsão de déficit de 1% do PIB e já temos atualmente um déficit calculado em 1,7% pelo próprio Ministério da Fazenda e algo em torno de 2% de queda em relação à previsão do Banco Central. Isso muda todas as condicionantes e as variáveis para termos um Orçamento no ano que vem consistente, factível e real”, disse o parlamentar nas redes sociais.
Forte também destaca que a votação de dois vetos de Lula a trechos do arcabouço fiscal, marcada para esta terça-feira no Congresso Nacional, também terá impacto importante sobre o futuro da meta de resultado primário de 2024. Segundo o deputado, dependendo de como os dispositivos forem apreciados, será possível construir um texto de “base legal” e com uma “previsão factível” do que pode ou não ser o déficit orçamentário.
Esta edição do Barômetro do Poder ouviu 10 consultorias políticas – Ágora Assuntos Políticos; Control Risks; Empower Consultoria; Eurasia Group; Medley Global Advisors; Patri Políticas Públicas; Prospectiva Consultoria; Tendências Consultoria Integrada; Vector Relações Governamentais; e Warren Rena – e 4 analistas independentes – Antonio Lavareda (Ipespe); Carlos Melo (Insper); Cláudio Couto (EAESP/FGV); e Thomas Traumann.
Conforme acordado previamente com os participantes, os resultados são divulgados apenas de forma agregada, sendo preservado o anonimato das respostas e dos comentários.
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