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A chegada do senador Ciro Nogueira (PP-PI) ao primeiro escalão do governo federal, em agosto do ano passado, representou uma mudança de forma e conteúdo na gestão do presidente Jair Bolsonaro. Ao assumir a chefia da Casa Civil, o experiente parlamentar — chefão do Progressistas e um dos principais líderes do grupo de partidos conhecido como Centrão — afirmou que atuaria como um “amortecedor” para diminuir as tensões entre o chefe do Executivo e o Parlamento.
“Neste momento de tanta trepidação, quero contribuir tal aquele equipamento que pode estabilizar, ajudando para que essa viagem seja mais serena, confortável e segura para todos”, disse o ministro em sua posse.
Eleito em 2018 com base em um discurso antipolítica por meio do qual atacava a corrupção e a distribuição de cargos no governo em troca de apoio no Congresso, Bolsonaro percebeu que precisava de maior sustentação parlamentar para evitar que prosperassem, por exemplo, pedidos de impeachment que o tivessem como alvo.
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Em fevereiro de 2021, o governo depositou todas as suas fichas na candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara. Funcionou. Ele derrotou Baleia Rossi (MDB-SP) no primeiro turno, com 302 votos e apoio expressivo de um bloco formado por 11 partidos: PSL, PP, PSD, PL, Republicanos, Podemos, PTB, Patriota, PSC, Pros e Avante.
“O Centrão, principalmente o PP e o PL, nunca tiveram tanto poder como têm hoje. Conseguiram colocar peças importantes dentro do governo, como o Ciro Nogueira na Casa Civil, e há uma ponte importante com o Congresso por meio do presidente da Câmara”, analisa Ricardo Ribeiro, sócio da Ponteio Política, em entrevista ao InfoMoney. “É mais uma relação de conveniência, de troca. As conveniências do Centrão se ajustam às conveniências do governo. É assim que funciona.”
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Apesar do pacto com o Centrão e da forte presença de integrantes do bloco no coração do governo, o retrato das pesquisas de intenção de voto neste ano eleitoral deflagrou um movimento de lideranças desse grupo de partidos que fez acender o sinal amarelo no Palácio do Planalto.
Uma pesquisa eleitoral encomendada pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) em parceria com o Instituto MDA, divulgada no dia 21 de fevereiro, mostrou o petista Luiz Inácio Lula da Silva à frente em todos os cenários da corrida eleitoral — com mais de 42% no primeiro turno, ante 28% de Bolsonaro.
Em um eventual segundo turno entre os dois, Lula teria hoje 18 pontos de vantagem (53% a 35%). Embora o atual presidente tenha recuperado preciosos pontos em relação a pesquisas anteriores, a desvantagem ainda é grande. No Nordeste, a diferença chega a 45 pontos percentuais (61% a 16%).
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O levantamento do Ipespe encomendado pela XP Inc. e divulgado pouco depois, no dia 25 de fevereiro, confirmou a liderança do ex-presidente: no cenário estimulado para o primeiro turno (quando o eleitor escolhe seu candidato entre opções apresentadas pelo pesquisador), Lula aparece com 43% das intenções de voto, 17 pontos à frente de Jair Bolsonaro (PL). Em um cenário hipotético de segundo turno, o ex-presidente segue à frente do atual, com 54% a 32%.
De acordo com projeção da Eurasia, uma das maiores empresas globais de consultoria e avaliação de risco político, Lula tem 70% de chances de ser eleito em outubro.
Diante de tamanho favoritismo, líderes do Centrão — especialmente no Nordeste — começam a sinalizar a preferência pelo petista na disputa presidencial. Na Bahia, o vice-governador João Leão (PP), aliado histórico do PT, já declarou apoio a Lula. Seu filho, o deputado federal Cacá Leão (PP), líder do Progressistas na Câmara, também manifestou apoio à aliança que governa o estado há 16 anos.
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Nos últimos dias, o ex-governador Jaques Wagner (PT) indicou que deve desistir da disputa pela sucessão de Rui Costa (PT), abrindo espaço para o senador Otto Alencar (PSD) — seria uma tentativa de atrair outra velha “raposa” da política brasileira, Gilberto Kassab, que comanda o PSD, para o arco de apoio a Lula em nível nacional.
Em Pernambuco, o presidente estadual do PP, deputado federal Eduardo da Fonte, também deve marchar com Lula, assim como outra legenda do Centrão que apoia o governo Bolsonaro, o Republicanos. O deputado federal Silvio Costa Filho — aliado do governador Paulo Câmara (PSB), próximo de Lula — já afirmou que o partido na Bahia estará ao lado do petista na corrida nacional.
No fim de fevereiro, o presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira (SP), fez duras críticas a Bolsonaro e o acusou de impedir o crescimento do partido, deixando claro que o apoio ao chefe do Executivo em outubro não será automático.
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“É um movimento até certo ponto natural, se considerarmos que o Centrão historicamente é um conjunto de partidos muito fragmentados internamente”, diz o analista político Carlos Eduardo Borenstein, da Arko Advice. “Como o Lula tem um capital político muito forte, sobretudo na região Nordeste, os parlamentares acabam fazendo um cálculo sob o ponto de vista do pragmatismo eleitoral”, explica.
“Se, eventualmente, houver uma mudança de quadro e o Bolsonaro ganhar pontos nas pesquisas, pode ser que esse movimento em favor do Lula acabe se enfraquecendo. A lógica desses partidos é o pragmatismo. No cálculo deles, a variável ideológica pesa menos.”
Além de Bahia e Pernambuco, a Paraíba é outro estado no qual o PP, aliado do governo federal, vem pendendo para Lula. O prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), demonstra simpatia pela candidatura do petista, mas esbarra no apoio declarado do ex-governador Ricardo Coutinho, seu adversário político, filiado recentemente ao PT.
No Maranhão, o deputado federal André Fufuca (PP) diz manter fidelidade a Bolsonaro, mas apoia o governador Flávio Dino (PSB), um dos maiores aliados de Lula. Ainda na Bahia, o deputado federal Cláudio Cajado (PP), que assumiu recentemente a presidência interina do partido, se divide entre Bolsonaro (em nível nacional) e o governador petista Rui Costa.
Em São Paulo, PP e Republicanos integram a base de apoio ao governo de João Doria (PSDB), pré-candidato ao Planalto e inimigo político de Bolsonaro, e devem embarcar na candidatura do vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB) ao Palácio dos Bandeirantes. No maior estado do país, o candidato de Bolsonaro será o atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, provavelmente pelo PL.
“Esses partidos são o que também podemos chamar de partidos de adesão. Vão aderir àquilo que for mais vantajoso para eles. Pode ser o Bolsonaro em um momento, o Lula em outro momento ou qualquer outro líder”, aponta o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele lembra que o Centrão esteve em praticamente “todos os governos desde a redemocratização”. “São legendas que têm uma lealdade muito relativa a certos princípios”, afirma.
Segundo Couto, além do modus operandi tradicional do Centrão, pesa sobre as eleições presidenciais a influência do componente local: a correlação de forças políticas nos estados, que muitas vezes não segue a mesma lógica nacional. “Em alguns lugares, existem alianças políticas estabelecidas há muito tempo em função das características da política regional”, explica.
“Na eleição nacional e também para o Congresso, muitas vezes a dinâmica estadual se impõe. São alianças feitas no âmbito do estado, articuladas com a candidatura para governador e com a presença das prefeituras dos partidos daquela coligação, que vão determinar o sucesso dos candidatos à Câmara ou às Assembleias Legislativas.”
Debandada
Borenstein, por sua vez, compara o comportamento do Centrão em relação ao governo Bolsonaro à votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Na ocasião, legendas que fizeram parte dos 13 anos de governos do PT, incluindo os cinco anos e meio das gestões de Dilma, não titubearam ao votar pela cassação do mandato da petista.
“Apesar de muitos desses partidos terem integrado o governo, os parlamentares seguiram esse mesmo cálculo. Quando eles mediram o clima no plenário, viram que o impeachment passaria e acabaram trocando de lado”, recorda.
Questionado se o crescente apoio a Lula poderia significar uma debandada em massa do Centrão do arco de apoio a Bolsonaro, Ribeiro afirma que ainda é cedo para esse tipo de avaliação. Se ocorrer, esse movimento deve ficar para o segundo semestre, mais próximo da eleição.
“A conexão com o governo ainda é lucrativa para esse grupo político. Uma eventual debandada poderia acontecer em agosto ou setembro, quando a situação eleitoral estiver mais clara”, projeta. “Se o quadro atual se mantiver, com Bolsonaro bem atrás do Lula, pode, sim, haver uma debandada mais adiante.”
Alçado ao comando da Câmara muito em função do apoio do presidente da República, Arthur Lira talvez seja o grande exemplo de que parte importante do Centrão segue com Bolsonaro — e ainda tem algo a ganhar com a adesão ao governo, antes de, eventualmente, abandoná-lo.
Ao participar de uma conferência promovida pelo BTG Pactual em 22 de fevereiro, Lira reafirmou seu apoio pessoal à reeleição de Bolsonaro, mas defendeu que o governo “se realinhe” para que “as coisas entrem no eixo”. Um recado dúbio que dá margem a diversas interpretações e abre caminho para possível mudança de rota à medida que a eleição se aproxime.
Para Cláudio Couto, não há “dúvida nenhuma” de que o atual governo, na prática, se tornou refém do Centrão — e inaugurou um novo marco na relação entre a máquina federal e partidos fisiológicos que buscam conquistar nacos de poder.
“No caso do Bolsonaro, existe uma inversão do que tem sido a lógica convencional da política brasileira desde a redemocratização. Normalmente, esses partidos aderem a governos. Aqui temos o contrário: foi o governo que aderiu ao Centrão.” Nos próximos meses, saberemos até quando esse casamento vai durar.