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A agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, está na direção correta, a reforma da Previdência é prioridade e os gastos públicos devem passar por uma reavaliação permanente dos custos e dos benefícios, mas a obsessão por equilibrar as contas públicas no curto prazo pode ter transformado o ajuste nas regras previdenciárias num “cavalo de batalha político”. A avaliação é do economista André Lara Resende, integrante da equipe que elaborou o Plano Real, em entrevista, por e-mail, ao jornal O Estado de São Paulo.
Para o economista, a consequência disso é que qualquer resultado final da reforma após a discussão no Congresso Nacional que possa ser interpretado como uma derrota de Guedes terá efeito negativo para as expectativas, causando tensão nos mercados e reforçando a incerteza sobre investimentos.
Lara Resende também defende a redução imediata na taxa básica de juros (Selic, hoje em 6,5% ao ano), para retirar a “espada de Dâmocles” que paralisa os investimentos. O economista provocou polêmica neste ano ao publicar artigo em que sustenta uma posição divergente da teoria econômica consensual, sugerindo que déficits nas contas públicas e juros baixos não seriam responsáveis por gerar mais inflação.
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A política econômica do governo Jair Bolsonaro erra ao focar no corte de gastos públicos?
Responsabilidade fiscal não pode ser confundida com dogmatismo. O importante não é equilibrar o orçamento no curto prazo a qualquer custo, mas tributar e investir bem. É preciso que a tributação seja simples e os investimentos públicos, eficientes. É preciso ter uma reavaliação permanente dos custos e dos benefícios dos gastos públicos. É mais importante tributar e investir bem, com o objetivo de aumentar a produtividade e a equidade, ainda que sem equilibrar o orçamento, do que eliminar o déficit, mas continuar tributando e gastando mal. Isso é verdade, sobretudo, quando há desemprego e capacidade ociosa.
Quais as consequências de uma posição dogmática no corte de gastos?
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A agenda do ministro Paulo Guedes está na direção correta. A reforma da Previdência é prioridade, pois o sistema previdenciário brasileiro ficou anacrônico, tomado por demandas corporativistas, hoje é regressivo. Temo que a obsessão por equilibrar as contas públicas no curto prazo tenha transformado a reforma da Previdência em um cavalo de batalha político. Qualquer resultado que possa ser interpretado como uma derrota do ministro da Economia será muito negativo para as expectativas, complicando ainda mais o quadro político. Estados e municípios estão quebrados, asfixiados, sem capacidade de prestar serviços essenciais à população. O fato de terem sido fiscalmente irresponsáveis no passado não justifica o estrangulamento fiscal a que estão sendo submetidos. A população não pode ser punida pela irresponsabilidade dos políticos. O dogmatismo fiscal, a obsessão de equilibrar as contas, levará a uma reação política e social que, assim como o que ocorreu no início da década de 1950, poderá mais uma vez derrotar a agenda liberal.
Seria melhor colocar a reforma tributária e a abertura da economia na frente da Previdência?
Não necessariamente. As reformas são igualmente importantes, deveriam ser um conjunto de propostas harmônicas que indicasse claramente a direção e os objetivos liberais do governo. Infelizmente, mesmo sem oposição, antes de completar 100 dias, o governo parece estar completamente perdido. A incapacidade de articulação do governo, as novas confusões dos últimos dias, os atritos gratuitos criados pelo presidente da República com o presidente da Câmara (dos Deputados, Rodrigo Maia, do DEM-RJ) criam expetativas de que as reformas podem não ser aprovadas. O resultado é tensão nos mercados e adiamento de qualquer decisão de investimento.
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Guedes está certo quando diz que o Plano Real negligenciou a dimensão fiscal, resultando em juros elevados?
Paulo Guedes tem razão sobre os juros excessivamente altos desde a estabilização do Real. Durante os governos do PT, sobretudo a partir do segundo mandato de Lula, houve também um descontrole completo dos gastos públicos. Gastou-se mal e irresponsavelmente. A política fiscal foi demagógica, promovendo o empreguismo e a distribuição de vantagens. Turbinado pela corrupção, o governo investiu mal e nas áreas erradas. Quanto ao nível excessivamente alto dos juros, tenho dúvida se ele é causado pelo déficit fiscal ou se não é o inverso: os juros altos causam o déficit. O que se sabe hoje é que as políticas monetária e fiscal não são independentes, precisam ser coordenadas, porque são as duas faces da mesma moeda.
O momento atual é de política fiscal contracionista?
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A política fiscal não deve ser julgada por ser contracionista ou expansionista, depende das circunstâncias. O importante é que a tributação e os investimentos públicos tenham objetivos de longo prazo e estejam sob sistemática reavaliação de seus custos e benefícios. Se a demanda agregada não estiver pressionando os limites da capacidade de oferta, é possível, desde que de forma inteligente para aumentar a produtividade, expandir os investimentos públicos, ainda que isso venha a provocar algum desequilíbrio orçamentário no curto prazo. O desafio dos investimentos públicos não está em financiá-los, mas em planejar e executar os melhores projetos. Assim como é equivocado pensar que o problema do investimento público está no seu financiamento, também está equivocado imaginar que porque o financiamento existe, o problema está resolvido. Como demonstra de forma cabal a experiência brasileira com a educação, por exemplo, não basta alocar recursos para que se tenha uma educação de qualidade.
Com as expectativas de inflação controladas, o Banco Central deveria cortar mais os juros?
Sim. A taxa básica de juros fixada pelo Banco Central ainda é mais do dobro da taxa de crescimento (do Produto Interno Bruto, o PIB). A taxa básica nunca deveria ser fixada acima da taxa de crescimento, a não ser por períodos curtos, se a economia estiver pressionando a capacidade instalada, provocando desequilíbrio das contas externas e criando expectativas de alta da inflação.
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Hoje seria possível fixar os juros abaixo da taxa de crescimento?
A dívida pública denominada na moeda nacional, de um país que controla a emissão da sua moeda, não tem risco. A não ser por uma decisão política de interromper o seu serviço, o governo sempre terá como financiá-la. Se a política fiscal e monetária forem coordenadas e bem executadas, a inflação continuará ancorada e bem comportada. Com o desemprego e a capacidade ociosa atual, a taxa de juros deveria estar bem abaixo da taxa de crescimento. O risco está em prosseguir com a política de juros muito mais altos do que o crescimento. Isto agrava o desequilíbrio fiscal e induz ao aumento da carga tributária. O resultado é o colapso dos investimentos e a asfixia da economia, que não consegue voltar a crescer de forma sustentada.
Quais seriam os benefícios desse corte nos juros?
Garantiria que a relação dívida/PIB passaria a cair sempre que o déficit primário fosse eliminado. A espada de Dâmocles da explosão da dívida deixaria de ameaçar os investidores e paralisar os investimentos. Além disto, a teoria econômica afirma que a igualdade entre a taxa de juros e a taxa de crescimento é a que maximiza o bem-estar. Por isto, é conhecida como a “regra de ouro” na expressão de Edmund Phelps, ou a “regra biológica dos juros” de Paul Samuelson.
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