Em guerra com BC, governo Lula mira troca de metas para inflação

Apesar de Lula ter dito na campanha que aceitava a autonomia do BC, ficou claro o estresse na relação

Estadão Conteúdo

Lula em diplomação como presidente da República, em dezembro de 2021 (Reprodução/YouTube PT TV)
Lula em diplomação como presidente da República, em dezembro de 2021 (Reprodução/YouTube PT TV)

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O cabo de guerra do governo Lula com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chegou mais cedo do que se esperava e reforça a expectativa de que o presidente da República pretende mudar as metas de inflação na tentativa de brecar o risco de uma recessão econômica.

Há 20 anos, no dia 21 de janeiro de 2003, o governo Lula 1 decidiu trabalhar com uma meta de inflação ajustada de 8,5%, dois pontos e meio acima do teto fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

O cenário em 2003 era de inflação de dois dígitos, diante dos estragos da crise cambial de 2002 fomentada nas eleições em que Lula saiu vitorioso das urnas. Nas simulações feitas pelo BC da época, para alcançar a meta original teria sido necessário provocar uma queda de 1,6 ponto porcentual do PIB.

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Agora, o tema volta ao debate com as críticas abertas feitas por Lula à meta de inflação, ao dizer que persegui-la trava o crescimento da economia. Em entrevista à GloboNews, Lula deu voz e peso ao desconforto da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com os juros altos e os seguidos alertas de Campos Neto para os riscos fiscais, que aumentam a volatilidade do dólar. “Por que não fazer 4,5%, como nós fizemos?”, reclamou o presidente em meio a um discurso com simplificações de conceitos complexos e ataques à autonomia do BC. Campos Neto é o único remanescente do governo Bolsonaro no governo.

Aprovada pelo Congresso em 2021, a aprovação da autonomia do BC estabelece, entre outros pontos, mandatos fixos para a diretoria. Essas mudanças, segundo o BC, reduzem a influência política sobre seus dirigentes, que determinam o patamar da Selic (a taxa básica de juros da economia).

‘Granada no bolso’

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Apesar de Lula ter dito na campanha que aceitava a autonomia do BC, tendo inclusive chamado Campos Neto de “economista competente”, ficou claro o estresse na relação, que fomenta a dúvida dos investidores: o presidente vai trabalhar para tirar o presidente do BC do cargo e reverter a autonomia do banco?

Nesta quinta, 19, numa tentativa apaziguadora, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que não há “nenhuma predisposição por parte do governo de fazer qualquer mudança na relação com o Banco Central”. “Como disse o presidente Lula, na sua experiência de governo, deu plena autonomia ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O presidente não vai mudar de postura agora, ainda mais com uma lei que estabelece regras nesse sentido”, escreveu o ministro no Twitter.

“Campos Neto está fazendo um excelente trabalho, e é um líder global na modernização do setor. Se de fato tem gente pensando em remover o Campos Neto, é como botar a granada no bolso e tirar o pino”, disse ao Estadão Armínio Fraga, ex-presidente do BC. Segundo ele, essa situação é um teste de robustez das instituições econômicas – “que já andam para lá de fragilizadas, especialmente as fiscais”.

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No Palácio do Planalto, a irritação com Campos Neto estava centrada também no silêncio dele após os atos golpistas de 8 de janeiro. Problema que o presidente do BC tentou reverter ao condenar ontem, com quase duas semanas de atraso, o movimento golpista em palestra internacional. Na mesma palestra, defendeu a autonomia do BC.

As declarações de Lula jogam pressão contra o BC e indicam que a mudança está sendo discutida nos bastidores, sendo pouco provável que tenha havido improvisação do presidente. Hoje, a meta de inflação de 2023 está 3,25%, caindo para 3% em 2024 e 2025. Para ser alterada, precisa do aval do CMN, composto pelos ministros Haddad e Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do BC. Tebet, em entrevista ao Estadão, seguiu Haddad e também criticou os juros elevados.

“Lula explicita a discussão de dentro do governo, deixando claro a tendência de eventual mudança da meta”, diz o ex-diretor do BC, José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV. Na sua avaliação, uma eventual elevação da meta de inflação pode não dar resultado esperado na redução do que ele chama de “verdadeira” encrenca para o governo, que é a taxa de juro real muito alta, neste início do ano em 8,2%.

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“É um tiro no pé. O juro real não vai cair se mudar a meta”, prevê. Para Senna, os juros elevados incomodam o governo, que tem pressa para retomar o crescimento, diante do ambiente político conturbado. Ele lembra que Haddad, ao apresentar o seu plano fiscal, disse que se tratava de uma carta ao BC.