EXCLUSIVO: Bolsonaro é um engodo, tão estatizante quanto a esquerda, diz Pérsio Arida

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, coordenador econômico da campanha de Geraldo Alckmin manifestou preocupação com a possibilidade de "um aventureiro" assumir o comando do país pelos próximos quatro anos

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O Brasil precisa, para os próximos quatro anos, de um político com experiência em negociação, capacidade de diálogo e entendimento dos principais desafios para o país atrair investimentos e voltar a crescer de maneira sustentável, evitando soluções fáceis e armadilhas no processo eleitoral.

Essa é a leitura que faz Pérsio Arida, coordenador econômico da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência da República.

Em entrevista exclusiva ao InfoMoney (confira a íntegra no vídeo acima) , o economista apresentou seu diagnóstico e ideias para a saída das atuais crises brasileiras e manifestou preocupação com a possibilidade de “um aventureiro” assumir o comando do país pelos próximos quatro anos.

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Para ele, a principal ameaça neste sentido seria a figura do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), hoje líder nas pesquisas de intenção de voto nos cenários em que a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é considerada.

A despeito dos acenos recentes ao liberalismo econômico, Arida sustenta que o parlamentar não seria um representante genuíno de tal ideologia.

“As pessoas se enganam, acham que Bolsonaro estava andando na estrada de Damasco, teve uma iluminação divina, e se tornou liberal porque conversou com Paulo Guedes. Ledo engano. Bolsonaro é um engodo, ele é tão estatizante quanto a esquerda”, disse o economista.

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“Vamos olhar o track record de Bolsonaro: ele voltou contra o Plano Real, contra a quebra do monopólio das telecomunicações, contra a quebra do monopólio estatal do petróleo, contra a reforma administrativa que impunha limite nos gastos de servidor. Bolsonaro votou a favor de regime especial de aposentadoria para deputados e senadores. E há menos de um mês, ele e o filho dele votaram contra o cadastro positivo, junto com o PSOL e o PT”, criticou.

Pérsio Arida é doutor em economia pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), foi presidente do Banco Central e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso. Na esfera privada, foi sócio do BTG Pactual. Atualmente, está engajado na formulação do plano econômico da campanha do ex-governador paulista Geraldo Alckmin.

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Em entrevista de 49 minutos, ele detalhou as quatro principais reformas propostas pelo pré-candidato tucano, analisou o complexo cenário de fragmentação política e comentou o atual momento da corrida eleitoral. Confira abaixo os destaques do bate-papo (confira a íntegra pelo vídeo no início desta reportagem):

InfoMoney – A greve dos caminhoneiros divide a sociedade e coloca um ingrediente novo no xadrez eleitoral. De certo modo, este episódio expõe a indisposição da sociedade com elevações de impostos e preços, em contraste com uma exigência de manutenção de direitos. Como equacionar esta situação em um ambiente de crise fiscal e forte polarização política e como ela afeta a dinâmica eleitoral?
Pérsio Arida – A questão é complexa. No programa de William Waack, enfatizei o fato de que, tendo morado quase dez anos no exterior, entre Estados Unidos e a Grã-Bretanha, posso afirmar que inexiste a possibilidade de alguém bloquear estradas em qualquer país civilizado. Bloquear estradas, independentemente da motivação, é violar um preceito constitucional, que é a liberdade de ir e vir. É inconcebível que o Brasil tenha esse grau de complacência. Isso vale tanto para o MST, como para caminhoneiros.

Do ponto de vista do que está acontecendo, é mais um capítulo deste final melancólico do governo Temer, que é um governo eleito, mas não foi legítimo. Começou já com uma concessão corporativista — o primeiro ato do governo Temer foi aumentar o salário do funcionalismo, sob o pretexto de que algo havia sido prometido durante o governo Dilma. Aumentou o salário do funcionalismo e agravou o problema do déficit. Depois, teve o erro de fazer o teto de gastos ao invés de fazer a reforma da Previdência de partida. Quando surgiram as denúncias, o que se viu foram, de novo, enormes concessões e barganhas para corporações, para pedidos de deputados e senadores, agravando o déficit público. Agora, tem mais um capítulo. Essa conta, todos nós vamos pagar. A conta é parte de subsídios, parte a volta da antiga conta-petróleo. Todos nós vamos pagar.

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IM – Neste ambiente, percebemos o afloramento de respostas fáceis. O populismo começa a ganhar força no cenário eleitoral, sobretudo em um ambiente polarizado. Como driblar este fenômeno e obter êxito em uma campanha livre de estelionatos eleitorais? Como ser transparente em pautas como ajustes fiscais, que são complexos e não costumam ter boa aceitação na sociedade?
PA – O Brasil tem que enfrentar com maturidade as suas questões. É claro que sempre a tentação de muitos candidatos é fazer retóricas populistas. Alckmin não vai fazer uma retórica populista. Nós precisamos fazer um ajuste fiscal difícil, restaurar o tripé macroeconômico. A meta é zerar o déficit em até dois anos e chegar em superávit de 2,5% do PIB ao final de 4 anos. Nós não podemos continuar em uma trajetória de desequilíbrio da dívida pública. Este vai ser o sexto ano consecutivo de déficit público. Se o Brasil tivesse dívida baixa, você poderia dizer ‘ok, tudo bem, ainda tem espaço de endividamento’, mas nós temos a maior dívida pública de todos os países emergentes. A combinação do estoque de dívida que temos com a situação fiscal atual é muito preocupante. Daí a importância da reforma da Previdência e de um programa de ajuste fiscal. Não há como escapar dele.

IM – Sabemos que o programa de Geraldo Alckmin ainda está em construção, mas é possível adiantar algo sobre a reforma da Previdência (idade mínima, equilíbrio entre setores privado e público etc.)?
PA – Temos que ir na direção de um regime único, ter um critério para todos os brasileiros, e não dois regimes. Segunda coisa importante é que todos os países do mundo têm idade mínima de aposentadoria, ainda mais quando as expectativas de vida aumentam. O Brasil precisa ir na direção da idade mínima, sim. O ideal, se eu estivesse dando aula aqui, seria transformar toda a contribuição do INSS em capitalização — em vez de contribuir para o INSS, deposita na conta individual de cada pessoa. É claro que capitalização, com contribuição definida, é o sistema correto no Brasil. Só que nós não temos condição de fazer essa transformação, porque, para zerar as contribuições do INSS hoje e passar para o sistema de capitalização, precisaríamos de um superávit orçamentário. Já estamos com enorme déficit. Então, infelizmente, a opção de capitalização não é factível para nós neste momento. Para nós, é necessário enfrentar o problema. Não tem mágica que evite passar por tempo de contribuição, idade mínima e valor da contribuição.

IM – Em sabatina recente, Alckmin disse que tiraria os militares deste sistema específico. Como funcionaria isso?
PA – Esta é uma discussão que ainda está sendo elaborada, mas vou observar o seguinte: no mundo inteiro, militares têm um regime especial de aposentadoria. Eu sempre parto do seguinte princípio: não vamos inventar a roda. Vê o que os outros estão fazendo direito e segue, porque tem razões para que isso aconteça. O caso dos militares é um exemplo.

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IM – Outra reforma que o programa dos senhores trata é a tributária. Dados da Anfip e Fenafisco mostram que a participação relativa dos impostos que incidem sobre o consumo no Brasil é de 49,7%, contra 32,4% na média da OCDE. Uma crítica normalmente feita é que é um sistema que incide muito sobre o consumo e pouco sobre a renda. O plano de Alckmin atacará a regressividade?
PA – Reforma tributária é fundamental para o Brasil. Se nós não tivéssemos déficit público, eu diria o seguinte: vamos baixar a carga tributária, que é o correto para estimular o crescimento. O governo, na verdade, em vez de gastar o dinheiro, deixa com a iniciativa privada; pode ter certeza que vai crescer mais. O problema é que nós não estamos, infelizmente, em condições de diminuir a carga tributária. Não pode aumentá-la, tampouco, porque isso é um engano. Aumenta a carga tributária, fecha o buraco do déficit, e os políticos vão gastar de novo. Político gosta de gastar, porque gastar rende eleitoralmente.. Tem que dar um basta.

O elemento crítico, inclusive para ter consciência pública do problema, é transformar todos os impostos de intermediação — ISS, ICMS, PIS/Cofins, IPI – em um Imposto de Valor Adicionado, explicitando na fatura para o consumidor qual é a alíquota. E o correto é a alíquota única, para o Brasil inteiro, cobrada no destino. Isso desonera, automaticamente, exportações, o que é perfeitamente aceitável pela OMC; distribui a carga tributária por igual, evitando, inclusive, a penalização excessiva da indústria brasileira que existe hoje; e evita discussões que estão acontecendo, se desonera o PIS/Cofins, sobre isso, sobre aquilo. Mover na direção do valor adicionado diminui o contencioso tributário brasileiro, evita ter que ir para a Suprema Corte toda vez que tem um problema tributário, simplifica a vida das empresas. O Brasil gasta uma energia social enorme pagando impostos. Não é só que a nossa carga tributária é maior do que em todos os países emergentes, ela é complexa, demanda atenção, é confusa. Tem que ir para um sistema com regra simples, clara e com alíquota única, sem diferenciação no valor adicionado. Imposto de renda tem outras discussões. Isso não suprime a necessidade de tornar a carga tributária mais justa. A ideia de que os ricos pagam pouco é correta, todos os ricos têm LCI, LCA e fundo exclusivo.

IM – O senhor mudaria isso?
PA – Sem dúvida alguma, acabar com isenção de LCI, LCA e custo-benefício de fundo exclusivo.

IM – Os dividendos entrariam na lista?
PA – No caso dos dividendos, tem dois lados a questão: não se tributa porque o imposto corporativo é muito alto. O mundo inteiro tributa dividendos. Se você o fizer, tem que lembrar que tem que tributar todo o tipo de dividendos. Isso vai da empresa corporativa até o simples. A sociedade está disposta a fazer este movimento? É um movimento correto, mas está disposta a fazê-lo? O que eu não gosto e acho que vai contra o princípio liberal básico são desonerações ou onerações seletivas. Política econômica tem que ser horizontal, tem que ser praticada para todos, na mesma dimensão, sempre.    

IM – E o imposto de renda? Haveria alguma proposta de correção de alíquotas, criação de uma nova faixa de renda?
PA – O problema do imposto de renda hoje é o seguinte: como ele é repartido com estados e municípios, isso gerou uma distorção, porque toda a vez que a União precisa aumentar a receita, ela cobra taxas, que não são repartidas com estados e municípios. Por detrás do problema do Imposto de Renda, tem uma questão federativa. Os estados e municípios querem que aumente a alíquota do imposta de renda, obviamente, e a União não quer, porque prefere arrecadar via taxas e contribuições, para não ter que repartir. É mais um exemplo do nosso pacto federativo, que precisa ser repensado em várias instâncias. 

IM – Outro ponto do plano é a reforma do Estado. O senhor poderia nos explicar o que exatamente estaria dentro deste guarda-chuva?
PA – A reforma do Estado é um tema difícil e importantíssimo. O Estado brasileiro é enorme e funciona mal. Tem que ter equilíbrio fiscal, sem dúvida, mas tem que fazer a transformação do Estado empresário para o Estado regulador (para evitar abusos de concorrência), planejador (no caso da infraestrutura) e voltado para as necessidades básicas da população, que são saúde, educação e segurança. Para quem usa os serviços públicos, não interessa quem construiu o hospital, o que interessa é serviço de qualidade. O que a gente observa hoje é que o serviço não é de qualidade, apesar de que muitos avanços foram feitos. Olhe o caso da educação: antigamente, as crianças não iam para a escola. Hoje, toda criança está na escola — excelente, mas não basta estar na escola, tem que aprender. O nosso desempenho no Pisa é pífio, é horroroso, porque a escola não funciona para o que ela tem que funcionar, que é ensinar o aluno. E isso é uma reforma interna do governo.

IM – Mas, por quê? Falta recurso para a educação básica?
PA – O problema não é a falta de recursos. O primeiro é a alocação de recursos. O que o Brasil gasta, em termos do PIB com a educação, está em linha com outros países. A proporção dos gastos públicos com educação em educação superior é mais alta aqui do que em qualquer lugar do mundo. Quando, no fundo, o problema todo da igualdade de oportunidades está na educação básica. Tem 40% de evasão antes de você chegar na idade de fazer vestibular. Quem não completou o ciclo da educação básica corretamente, aprendeu e teve um ensino que lhe faculta arrumar emprego, não terá jamais as condições de ter uma vida decente neste país. O princípio básico que tem que reger é sempre ter igualdade de oportunidades, e isso se faz no ensino fundamental e básico. Tem vários estudos que mostram que, se nós melhorarmos 50 pontos no exame Pisa (algo que, na nossa estimativa dá para fazer em 8 anos), dá 1% a mais de crescimento permanentemente, só pelo ganho de produtividade de ter uma mão-de-obra mais educada. Reforma do Estado é fundamental. 

IM – Somado com os ganhos com a simplificação através do IVA, chegaríamos a quanto?
PA – O IVA é mais difícil, porque o conceito é neutro. A simplificação é um ganho porque evita gasto de energia à toa pela sociedade. A sociedade brasileira é ineficiente no uso da energia social. No mundo de blockchain, não precisa de cartórios. Olha o tempo que se perde com cartórios, com assinatura de ficha, com registro de documentos, etc. Montando um sistema bem feito de blockchain, tudo isso pode ser suprimido e com custo muito mais baixo.

IM – Há uma percepção majoritária de que o Estado vive um período de restrição fiscal e não tem condições de fazer investimentos. O programa dos senhores busca atrair investimento estrangeiro em um ambiente de necessidade de recursos para se construir um projeto de crescimento para o país. Ao mesmo tempo, observamos um ambiente de tendência de alta de juros nos Estados Unidos. Os senhores temem maiores dificuldades para atrair esses investimentos? E como seria no caso do setor de infraestrutura, sobretudo no caso dos greenfields, que sempre são mais complexos em função dos maiores riscos?
PA – Precisamos ter clareza de vários aspectos: primeiro, dada nossa crise fiscal, o Estado não tem condições de investir — investe hoje 1,7% do total do orçamento, é quase nada — e não terá condições de investir. O investimento tem que vir do setor privado. Ponto número 2: o Brasil só vai atrair investimentos se tiver marco regulatório e segurança jurídica. Por que tem investimento estrangeiro no pré-sal e não tem no saneamento básico? Porque tem um marco regulatório minimamente adequado no pré-sal e não tem marco regulatório para saneamento básico, tão simples quanto isso. Isso é obrigação do Estado.

O potencial de atração do investimento privado no Brasil é enorme, em especial em infraestrutura — nem estou falando de agricultura, que é o campo de excelência do Brasil, do ponto de vista da nossa vantagem comparativa mais óbvia. Mas estamos em uma situação em que todo projeto bem-concebido de infraestrutura tem demanda. O grande problema no Brasil é desgargalamento, todos bons projetos de infraestrutura têm demanda assegurada, e o Brasil oferece bons retornos e boas oportunidades.

Minha preocupação com a expectativa da taxa de juros americana é nenhuma. A preocupação grande é com a nossa capacidade de montar um marco regulatório adequado, dar segurança jurídica aos investidores e ideias antigas. Parte do desafio é mudar a mentalidade. Você dizer que tem setores estratégicos, que não podem ter investimento estrangeiro, declarações como o Ciro Gomes fez e o Bolsonaro acabou de fazer, um mês atrás… Não existe nada que seja estratégico no Brasil. Toda vez que alguém diz que não pode ter privatização por motivo estratégico, pode ter certeza de que é argumento esquerdista, sem base. Eu toquei programa de privatizações, na época fazia privatizações no setor siderúrgico e diziam que o aço era estratégico. Depois, fiz a privatização da Embraer enquanto era presidente do BNDES, [diziam que] ‘a Embraer era estratégica’. Depois, teve as telecomunicações, transmissão de dados era estratégico. Petróleo era estratégico. Não tem nada de estratégico.

Precisa ter o marco regulatório adequado, precisa ter segurança jurídica e é fundamental que mude a mentalidade. Nós temos que atrair capital. Capital estrangeiro é tão bem-vindo quanto capital nacional, tem que operar nas mesmas condições que opera, sob as mesmas leis brasileiras, e nós temos que criar condições para atraí-lo para todo o espectro de atividades da economia.

IM – Esta é uma agenda ousada quando consideramos o atual panorama político, com um Congresso extremamente fragmentado, quadro que deverá persistir na próxima legislatura e impor grandes dificuldades ao futuro presidente. O senhor costuma dizer que as urnas trarão maior legitimidade e capital político ao presidente eleito. Por outro lado, o futuro mandatário não deverá ser eleito por aclamação, tudo indica que os adversários e bancos/nulos somarão mais votos. Como acreditar que desta vez será possível tocar uma agenda dessas?
PA – Infelizmente nossa renovação política vai ser menor do que se imagina. Além disso, nenhum presidente vai ser eleito por um partido que tenha mais de 10% dos votos no Congresso. É uma situação difícil, porque esse quadro de extrema fragmentação partidária vai persistir. A primeira qualidade de um bom presidente é ter experiência e talento de negociação política. Ninguém governa contra o Congresso, as reformas têm que passar por lá. O presidente tem que ser capaz de construir um arco de alianças — estou falando de alianças republicanas, não são alianças por interesses escusos –, tem que estabelecer bases programáticas de um governo, tem que conseguir adesão a essas ideias. Então, presidente que não tem experiência política de negociação é caminho para o desastre, porque não vai conseguir aprovar nada neste Congresso. Segundo, não vamos subestimar a legitimidade que o voto direto dá. Lembro que o Collor bloqueou a poupança nacional e aquilo passou, o que é inconcebível hoje em dia, e até o Supremo validou.

IM – Mas a força do Executivo era muito maior naquela época do que hoje em dia, não?
PA – Eu até entendo de um lado, mas o exemplo é tão chocante que nos lembra que existe uma enorme legitimidade. Então, o presidente tem que ser um político capaz, com experiência de negociação e diálogo político, para montar rapidamente uma coalizão e aprovar as reformas, e usar o capital político que tem no máximo grau possível já na partida. Daí a importância de encaminhar as reformas constitucionais no primeiro dia. Capital político no Brasil, como o presidente estará em minoria durante os quatro anos, tende a diminuir ao longo do tempo. O máximo de capital político está na partida, tem que ser usado para a tarefa mais difícil, que é mudar o que precisa ser mudado no plano constitucional.

IM – Estas medidas seriam as quatro reformas destacadas por Alckmin (política, de Estado, previdenciária e tributária)? Elas seriam conduzidas em conjunto?
PA – [São] As quatro reformas e tem também a ideia já antiga de desconstitucionalização. No fundo, é tirar da Constituição, transformando em leis complementares, tudo que envolva gastos e tributos. Não é para alterar os princípios fundamentais, o direito à educação gratuita, o direito à saúde gratuita. Os direitos fundamentais têm que ser preservados. Mas a rigidez orçamentária causada pela Constituição é que não é admissível. Nesses 30 anos, o Brasil teve mais de três emendas constitucionais por ano. Em quase todas elas, houve mudança de imposto ou gasto, porque a economia é dinâmica, ainda mais no mundo em que vivemos. Tem que haver uma gestão de política econômica com responsividade, que seja capaz de se adaptar ao momento. O Congresso Nacional é eleito, ele que vai decidir o Orçamento, mas tem que ter flexibilidade, para evitar enfrentar uma rigidez constitucional a cada passo dado.

IM – A emenda do teto de gastos ressaltou a importância de receitas e despesas caminharem de forma coordenada. De alguma forma, essa iniciativa também explicitou os conflitos orçamentários entre os mais diversos grupos da sociedade, que buscam uma fatia maior do bolo. O senhor percebe alguma fragilidade nesta medida quando são observados comportamentos como o reajuste imediato do funcionalismo público promovido pelo governo logo após o impeachment ou até as atuais concessões a caminhoneiros?
PA – A questão de fundo é uma só: como a Previdência cresce autonomamente do jeito que está, ela vai esmagar os demais gastos. Tem que ser enfrentada. É por isso que a questão da Previdência é absolutamente crítica. Vários grupos corporativos fazem pressão o tempo todo, e não é só no Brasil. Agora, você, como presidente, tem obrigação de arbitrar os conflitos sempre pensando no interesse público. Daí a importância de se fixar metas. Tem que ter meta fiscal e dizer que é um momento difícil. Mas a maneira certa de enfrentar é criando as condições para tal. Tem que ser firme do ponto de vista fiscal e atrair investimentos por outro lado. Para enfrentar nossos dilemas, é fundamental ter firmeza fiscal, clareza do rumo, que é deixar de ser Estado empresário para cuidar do que de fato interessa à população, e criar as condições de atração de investimento privado.

IM – Em eleições, nos acostumamos a ouvir discursos sobre combate a privilégios. Mas no momento de lidar com o problema durante a gestão, não é fácil adotar essas medidas. Os privilégios existem porque há uma pressão política muito forte para manter as coisas como estão.
PA – Não tenha dúvida. Mas todo político que teve cargos na administração direta — Alckmin é um exemplo — já lidou com isso. São Paulo foi o estado mais afetado durante a crise de 2008, mas continua pagando as contas em dia, porque foi cortando despesas o tempo todo. Não é fácil, mas, se houver determinação política e clareza, dá pra fazer. Alckmin já fez em São Paulo, não é uma tarefa impossível.

IM – Então o senhor acredita não ser necessário, neste momento, discutir alguma flexibilização para o teto de gastos?
PA – Teria sido muito melhor se Temer tivesse usado o capital político na partida para aprovar a Previdência. Ele errou quando aprovou o teto de gastos. Dito isso, flexibilizar o teto de gastos não é necessário, é necessário enfrentar o problema da Previdência e ter clareza que tem que cortar gastos, sim. Gasto em setor público é mato alto. Não precisa contratar consultoria, é só olhar. Qualquer um com experiência na iniciativa privada vê o desperdício de recursos que há no setor público. Tem que reonerar alguns setores, mas o grande esforço a ser feito é sempre na parte de gastos.

IM – Ontem foi divulgada pesquisa Ibope para a corrida presidencial no estado de São Paulo. No cenário sem o ex-presidente Lula, o deputado Jair Bolsonaro lidera a disputa com algo entre 19% e 20%. Geraldo Alckmin vem na sequência com algo entre 13% e 15% das intenções de voto. O que explica o fato do ex-governador largar atrás do deputado em casa?
PA – Bolsonaro é engodo. O que um investidor faz quando vai investir? A primeira coisa é perguntar o track record do administrador (Estou investindo em um fundo que tem boa história? Estou investindo em um fundo que performou bem durante um momento de crise?). Vamos olhar o track record de Bolsonaro: ele voltou contra o Plano Real, contra a quebra do monopólio das telecomunicações, contra a quebra do monopólio estatal do petróleo, contra a reforma administrativa que impunha limite nos gastos de servidor. Bolsonaro votou a favor de regime especial de aposentadoria para deputados e senadores. E há menos de um mês, ele e o filho dele votaram contra o cadastro positivo, junto com o PSOL e o PT. Ele é estatizante, sempre se declarou estatizante, o track record é de estatizante. As pessoas se enganam, acham que Bolsonaro estava andando na estrada de Damasco, teve uma iluminação divina, e se tornou liberal porque conversou com Paulo Guedes. Ledo engano. Bolsonaro é um engodo, ele é tão estatizante quanto a esquerda.

Estou dizendo isso com ênfase, porque a esquerda é o que é, você sabe o que é, não tem engano. A esquerda não está querendo enganar ninguém. Quem engana é Bolsonaro. Essa plataforma liberal de Bolsonaro engana. Tem gente que diz: ‘Ah, é verdade, mas, chegando lá, Paulo Guedes dominar Bolsonaro’. É o mesmo engano. Todo mundo achava que Levy faria uma boa política econômica apesar de Dilma. O que aconteceu? Levy foi embora. Quem tem a caneta manda. É o princípio básico da política brasileira. Bolsonaro é um engodo, é um equívoco.

Paulo Guedes é meu amigo, adoro ele, mas é um economista conceitual, nunca teve cargo no setor público. É um pregador do liberalismo, nota dez para ele. Mas criou uma narrativa, que cai bem com os eleitores do Bolsonaro, que diz o seguinte: ‘é tudo social-democracia, é por isso que o Brasil não deu certo’; ‘PSDB e PT é tudo igual, tudo social-democracia’, ‘na hora que os liberais chegarem ao poder vai ser tudo diferente’. Narrativa errada. Você acha que Armínio Fraga não é liberal? Você acha que Gustavo Franco não é liberal? Você acha que o Ilan não é liberal? Você acha que o Malan não é liberal? Você acha que Marcos Lisboa não é liberal? Só para dar exemplos entre outros. Acha que Edmar Bacha não é liberal? Que André Lara Resende não é liberal? Que eu não sou liberal? Aliás, eu sou liberal por inteiro, não sou liberal pela metade, porque sou liberal na economia e nos costumes.

Essa narrativa que os liberais nunca chegaram lá, é tudo social-democrata, no sentido de expandir o Estado, está errada. O caminho do Brasil é um caminho difícil. O Brasil pós-governo militar começou com a Constituição de 1988, feita um ano antes da queda do Muro de Berlim, com muita coisa lá que pôs o Brasil no caminho errado. O caminho do Brasil é um caminho de uma construção lenta de uma maturidade institucional, de uma consciência pública do que precisa ser feito, de uma noção exata do que é o interesse público. Nosso caminho não é o caminho dos Chicago Boys no Chile, mano militar impondo à força as reformas e matando todos os dissidentes em campo de futebol, como fez Pinochet. Nosso caminho é o caminho democrático, é um caminho com idas e vindas, difícil, com sobressaltos, mas, se você olhar, o Brasil foi avançando. Teve um enorme retrocesso nos anos do PT, mas o que conseguiu nos anos FHC foi extraordinário. A inflação era 2500% ao ano, foi para um dígito. Foi quando as privatizações tiveram impulso, quebraram-se os monopólios do petróleo e das telecomunicações. Foi quando se criou essa institucionalidade básica do tripé macroeconômico. Quando se aprovou a lei de responsabilidade fiscal. Previdência, infelizmente Fernando Henrique não conseguiu aprovar. Aliás, Bolsonaro votou contra também.

O Brasil teve um período de retrocesso nas privatizações e, particularmente no governo Dilma, na ideia de subsídios, isenções tributárias a amigos do rei. Tem enormes desafios a serem feitos à frente. Este é um processo lento de construção de um país mais democrático e mais justo.

IM – Mas esta pesquisa não preocupa, de alguma forma, o PSDB por se tratar da “casa” do ex-governador? Em uma entrevista recentemente ao InfoMoney, Paulo Guedes, inclusive, disse que Alckmin seria “irrelevante”. Há um receio de ser irrelevante para o eleitorado, de não conquistar apoio durante a corrida até outubro?
PA – Quando falam que Alckmin é irrelevante, eu diria que Bolsonaro é a Marie Le Pen brasileira. Dá impressão que vai chegar lá e não chega. Está muito longe ainda da eleição. Se você for olhar o que as pesquisas de opinião pública diriam sobre quem vai chegar lá seis meses antes das eleições, o grau de acerto é muito baixo. O Brasil hoje discute pouco eleições e discute pouco até a Copa, que surpreendentemente vai começar daqui a 16 dias. Essa eleição vai ser diferente: é uma eleição curta, pós-copa, 35 dias de campanha, vai ter uma dinâmica muito diferente das anteriores, tem muita coisa para acontecer até lá.

IM – Alckmin costuma dizer que o tempo de televisão, os palanques regionais, as estruturas de um modo geral, vão contar bastante ao longo da campanha. O senhor concorda?
PA – Vejo também desta forma. Essa campanha é uma mistura de duas coisas: uma meia-maratona e, depois, tem um tiro de 100 metros, que são os 35 dias. Ela exige estratégias diferentes. O que vai acontecer nos 35 dias, onde todos os candidatos estarão abertamente em campanha, vai ser muito relevante. Mas o cenário hoje ainda está muito aberto. Compensa para qualquer partido até lançar um candidato. Na pior das hipóteses, ele ganha algum recall na próxima eleição. Quando chegar em julho, tem que definir. Aí vai começar o jogo de verdade.

IM – O MDB lançou como pré-candidato o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. O PSDB vai tentar um esforço de aliança com o MDB e conquistar uma estrutura um pouco mais favorável para a disputa, mas também com o ônus de carregar o apoio de um governo altamente impopular?
PA – Se Alckmin quisesse ter tido essa conversa, já teria tido, com certeza.

IM – Não vai esperar até as convenções em julho para ter essa conversa?
PA – Não. A ideia de se aliar ao governo Temer está fora de cogitação. O MDB tem candidato próprio. O MDB vai decidir. Alckmin já definiu caminho ao não fazer aliança e o MDB já definiu o caminho dele ao lançar candidato próprio. É tudo que posso dizer no momento.

IM – O senhor não vê a possibilidade de uma convergência?
PA – Não vejo essa possibilidade.

IM – O PSDB participou da coalizão do impeachment de Dilma Rousseff e formação do governo Michel Temer. Como o senhor avalia o desempenho econômico desta gestão até o momento?
PA – A posição de Alckmin sempre foi de apoiar as reformas e que o PSDB não deveria ter tido nenhum cargo no governo Temer, porque é um governo do MDB. Quem foi eleito foi uma plataforma conjunta de PT e o antigo PMDB. Temos que apoiar as reformas, sempre votar de forma responsável, mas não participar do governo. Infelizmente, não foi a posição que o PSDB teve.

Este governo teve uma agenda muito positiva, boa, propositiva, com Fazenda e Banco Central, mas houve áreas em que não aconteceu nada. Se você olhar portos e logística, não aconteceu absolutamente nada, continua exatamente como estava. Algumas áreas tiveram outros avanços. Por exemplo, na Educação, a mudança da grade para Ensino Médio. Na parte de energia elétrica, houve avanços importantes na parte regulatória. Mas portos e logística não aconteceu nada. Por que este setor é crítico? O Brasil precisa fazer abertura. Nossa meta é aumentar em 50% o volume de exportações e importações em quatro anos. É uma meta muito agressiva. É óbvio que vai demandar um esforço diplomático nosso, no sentido de abrir novos mercados, fazer acordos de livre-comércio. A Colômbia acabou de entrar na OCDE e o Brasil não. Então, claramente, ter uma gestão econômica responsável compensa. Por que a Colômbia conseguiu entrar e nós não? Porque estamos nesta situação.

Ter o esforço diplomático para acordos de livre-comércio é fundamental. Baixar tarifas unilateralmente também. Agora, se não mudar a logística e portos, não adianta, você não vai conseguir escoar a produção. Então, hoje, é fundamental, em logística e portos, um enorme esforço de modernização do marco regulatório, privatização, de atração de capital privado; caso contrário, a meta de conseguir abertura comercial não se materializa. No nosso plano de longo prazo, tem mais 1% a ser buscado de ganho de crescimento via abertura comercial.

IM – No campo dos acordos comerciais, a Europa tem historicamente resistência aos produtos agrícolas brasileiros. Devemos tentar um acordo mesmo com essa resistência?
PA – Precisa ter clareza. A Europa tem alguma resistência, mas o grande problema é que ela quer abrir o setor automobilístico e o Brasil é que tem resistência. Na prática, acho que o problema está menos na Comunidade Europeia e na resistência à agricultura e mais na posição brasileira de tentar defender a indústria automobilística. Nós somos a favor da abertura, tem que abrir espaço para o que somos competitivos. O Brasil é um exemplo para o mundo em biodiversidade, agricultura responsável, que integra tecnologia. Por outro lado, temos que abrir a indústria automobilística, a indústria financeira, tem que deixar livremente competirem os bancos estrangeiros no Brasil. A gente culpa muito os outros, mas, em boa parte dos casos, o problema está dentro de casa.

IM – Alckmin tem batido na tecla de dobrar a renda do brasileiro como mote de campanha. Em quanto tempo isso poderia acontecer e o que precisaria ser feito?
PA – Estamos falando de um programa de muito longo prazo. De onde vem essa ideia? É preciso fazer uma engenharia reversa. Se eu quiser ter um crescimento sustentado, de 4,5%/5% ao ano, como faço? Obviamente, tem um lado do mundo externo, mas também como vamos aumentar a produtividade brasileira para conseguir chegar lá. Quando olhamos demografia… Demografia geralmente é dada. O Brasil precisa abrir para imigração. Todos os países do mundo têm imigração para gente qualificada. Olha o quando poderíamos ter trazido de talento de países que falam línguas latinas. Tem um pouco de talento de capital humano, tem muito capital físico, monetário, investimento estrangeiro e brasileiro — não vem do Estado –, e ganhar produtividade.

Para ganhar produtividade, precisa fazer abertura, precisa reformar a educação, precisa fazer reforma do Estado, precisa ter solidez fiscal. A ideia é engenharia reversa. 50 pontos no Pisa dá para fazer em oito anos. Mais 50% de exportações e importações em quatro ou seis anos, dá pra fazer. Você vai fixando as várias metas intermediárias para chegar à condição de um país que consegue crescer. É crescendo que gera empregos, que se amplia oportunidades. Então, a ideia de duplicar renda… ‘para 16 anos, o Brasil está tão incerto, não sabemos nem o dia de amanhã’. É verdade, o Brasil é incerto, mas é muito importante pensar onde está o gargalo e o gargalo está em produtividade e atrair capital. Como faz para aumentar?

IM – Quadros históricos do PSDB na área econômica resolveram deixar o partido, desiludidos com determinadas condutas de lideranças e decisões tomadas pela legenda. O que o fez ficar no partido?
PA – Os problemas do PSDB são públicos. Eu não sou filiado ao PSDB, nunca fui…

IM – Mas está participando da formulação do plano de governo…
PA – Eu nunca fui. Não sou político, não quero fazer política partidária, não é do meu feitio e jamais será. Acho que o Brasil está em uma situação extraordinariamente difícil, precisa de um presidente que seja honesto, tenha capacidade de negociação política, experiência de gestão fiscal e ter ideias claras. Acho que Geraldo Alckmin preenche esses requisitos. Eu me dou bem com ele, gosto dele, estou um pouco na posição até do Armínio Fraga, que falou assim: ‘Apoio Geraldo Alckmin nem pelo PSDB, mas por ele’.

Acho que o PSDB tem ótimos candidatos em outros lugares também. Se você olhar, todas as reformas importantes tiveram a relatoria do PSDB. Quem fez a reforma da TLP foi o Betinho Gomes como relatoria. Quem fez a reforma trabalhista no Brasil foi o Ferraço, do PSDB. Essa reforma recente para terminar com o apagão da caneta e possibilitar o setor público ir para frente foi o Anastasia. O PSDB tem quadros, tem história e acho, de longe, a melhor alternativa para o país. Eu gosto do Alckmin, o PSDB tem excelentes quadros, bons candidatos, e o momento do país é muito delicado. Se colocar lá uma pessoa de esquerda vai ser um desastre, colocar um aventureiro sem experiência é capaz de um desastre maior ainda.

IM – O senhor fez referência a Armínio Fraga, mas ele teve desilusão grande com Aécio Neves recentemente, em função das denúncias que o senador responde. Alckmin também é investigado, foi citado em delações. O senhor não teme viver situação semelhante à de seu amigo e ficar desiludido com o candidato do PSDB nesta eleição?
PA – Não temo. Estou tranquilo em relação a isso. Entendo a posição de Armínio, estive com ele. Nós dois pressionamos, junto com tantos outros (Gustavo Franco, Elena Landau), para mudar o PSDB, embora ninguém tivesse poder político para tanto. Mas eu não tenho essa preocupação com Geraldo Alckmin, não. Aliás, ele tem uma posição que gosto, que é defender o fim do foro privilegiado. Terminar o foro privilegiado é algo fundamental para o Brasil ir pra frente e a Lava Jato cumprir seu papel histórico.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.