Governo articula capitalização de até R$ 20 bilhões para fundo fora do limite de despesas em 2023

Combinação de projetos pode abrir caminho para capitalização de fundo destinado a alunos do Ensino Médio e permitir pagamentos sem afetar limite de despesas

Marcos Mortari

O plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa para votar a reforma tributária (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
O plenário do Senado Federal durante sessão deliberativa para votar a reforma tributária (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou, nesta terça-feira (28), medida provisória instituindo a poupança de incentivo à permanência e conclusão escolar para estudantes do Ensino Médio (MPV 1.198/2023) e articula no Senado Federal caminhos para viabilizar a capitalização de fundo para financiar a política pública ainda em 2023.

O texto encaminhado ao Congresso Nacional institui um fundo, do qual a União estará autorizada a participar no limite global de até R$ 20 bilhões por meio da integralização de contas de três maneiras: 1) ações de sociedades em que tenha participação minoritária; 2) ações de sociedades de economia mista federais excedentes ao necessário para manutenção de seu controle acionário; ou 3) aporte previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Nos dois primeiros casos, os movimentos poderiam ser feitos por fora do Orçamento, sem necessidade de observância ao limite de despesas estabelecido para o exercício, embora não esteja claro como seria a operacionalização restando um mês para o fim do ano.

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Já o aporte previsto na terceira hipótese não consta das exceções expressas previstas no novo marco fiscal (Lei Complementar nº 200/2023), o que ensejaria restrições pela regra de limite de despesas.

Uma opção para abrir caminho para esse movimento está em projeto de lei complementar (PLP 243/2023) protocolado uma semana atrás pelo senador Humberto Costa (PT-PE). Para isso acontecer, porém, a peça precisa ter uma tramitação “à jato” nas duas casas legislativas.

O texto, com dois parágrafos, permite que, no exercício orçamentário deste ano, as despesas voltadas ao programa de incentivo à permanência de estudantes no Ensino Médio não sejam contabilizadas nos limites previstos no novo arcabouço fiscal.

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E também autoriza a utilização como fonte para as despesas referidas o superávit financeiro de Fundo Social, abastecido com parte dos recursos do pré-sal. Segundo o parlamentar, a falta de regulamentação tem “esterilizado” os recursos do fundo, que acumula superávit ao longo dos anos.

O senador alega que o projeto de lei complementar apresentado tem como objetivo realinhar o Fundo Social ao objetivo de incentivo à educação, viabilizando a utilização dos recursos sem que sejam impostas as restrições previstas no novo marco fiscal.

“Apesar destes recursos já existirem e já estarem acumulados no Fundo Social, é preciso lembrar que o limite de gastos de 2023 faria com que o seu uso implicasse na decisão de não executar alguma outra despesa importante, o que não faz sentido, dado que o recurso do Fundo Social já existe, já foi arrecadado, está acumulado no Fundo”, diz.

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“A proposta viabiliza que estes recursos possam ser utilizados sem que sejam contabilizados no limite de 2023. Ressalte-se que o limite de 2023 não se refere ao novo arcabouço fiscal, que começa apenas em 2024, portanto não há que se falar em alteração na regra de gasto recentemente aprovada pelo Congresso. Além disso, em termos de impacto primário, a despesa fica sujeita ao espaço fiscal disponível em 2023, observando-se os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal”, sustenta o congressista.

O projeto de lei complementar, que já conta com parecer favorável do relator, o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que é líder do governo no Congresso Nacional, chegou a constar na pauta do plenário desta terça-feira, mas foi retirado. No entanto, diversos parlamentares, inclusive de oposição, já se manifestaram favoravelmente à matéria e ela deverá ser o primeiro item da pauta da sessão de quarta-feira (29).

A combinação do projeto de lei complementar com a medida provisória recém apresentada permitirá ao governo realizar o aporte ao fundo do Ensino Médio sem precisar observar o limite de despesas. Neste caso, a única restrição seria a meta de resultado primário.

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No último relatório de avaliação de receitas e despesas primárias (RARDP), o governo passou a projetar um déficit “abaixo da linha” de R$ 203,4 bilhões − o equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) −, ante uma meta de desequilíbrio de R$ 213,6 bilhões entre despesas e receitas − ou 2% do PIB.

Isso significa que haveria uma “folga” de apenas R$ 10,2 bilhões para serem executados com o programa − restando, portanto, outros R$ 9,8 bilhões para o atingimento do valor máximo previsto na MPV. Entretanto, há uma grande chance de os recursos serem liberados por conta do “empoçamento” de despesas (ou seja, recursos que ministérios e órgãos do governo têm autorização para gastar, mas que, por algum motivo, não conseguiram executar), sem que a meta de resultado primário seja descumprida.

Para se ter uma ideia, o Tesouro Nacional estimou que, em agosto, o “empoçamento” de recursos do governo federal estava em R$ 27,4 bilhões. Dada a magnitude da elevação de despesas de 2022 para 2023, especialistas em contas públicas dizem que é esperado que o volume de gastos autorizados, porém não executados, supere com alguma folga a marca de R$ 10 bilhões.

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Os economistas da XP Investimentos lembram, ainda, que uma vez capitalizado, o fundo de incentivo à permanência e conclusão escolar, por constituir entidade fora do setor público, não sensibilizaria mais as estatísticas fiscais do governo central. Desta forma, seria possível realizar os pagamentos nos próximos anos sem afetar os limites de despesas estabelecidos. O movimento, portanto, não afetaria o cumprimento das metas fiscais, mas influenciaria negativamente na dinâmica da dívida pública.

Os especialistas também alertam para outros trechos da MPV que fragilizam a regra fiscal. Um deles estabelece que, a partir de 2024, “os leilões para a comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União poderão prever que o proponente vencedor do leilão fará aporte, como contrapartida adicional de caráter social, a título de integralização de cotas, ao fundo (…) que institui poupança de incentivo à permanência e conclusão escolar para estudantes do Ensino Médio”.

“A lógica anterior é que os montantes devidos pelos leilões seriam todos pagos à União e registrados como receita primária. Posteriormente, a União repassaria parcela ao fundo do ensino médio, registrando uma despesa primária. Ao estabelecer o aporte direto de parcela do pagamento ao fundo do ensino médio, o governo contorna a restrição do limite de despesas e mantém um fluxo de recursos ao referido fundo”, pontuam os analistas da XP.

Em relatório a clientes, eles pontuam que a combinação recente de elementos (mudança no repasse dos recursos de leilões de petróleo, o PLP nº 234/2023 e as interpretações sobre a aplicação do limite inferior da dotação orçamentária para restringir o contingenciamento) indicam que “o arcabouço fiscal pode não representar uma âncora fiscal crível para as finanças públicas − o que pode ter possíveis reflexos sobre as decisões de taxas de juros e a expectativa de inflação”.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.