Governo eleito quer lavar as mãos para responsabilidade fiscal e ficar quatro anos sem nenhum tipo de limitação, diz senador

Alessandro Vieira diz que é possível aprovar PEC da Transição em 20 dias, mas não com alcance pedido por Lula, e defende discussão sobre novo marco fiscal

Marcos Mortari

O senador Alessandro Vieira discursa durante sessão no plenário do Senado Federal (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
O senador Alessandro Vieira discursa durante sessão no plenário do Senado Federal (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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A menos de 20 dias do início do recesso parlamentar, a equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda tenta superar resistências e aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para garantir maior fôlego fiscal para o início do novo governo.

Apesar do prazo curto, mesmo congressistas críticos ao texto protocolado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) veem boas chances de aprovação da proposta no apagar das luzes de 2022. Mas provavelmente não com o conforto desejado por Lula.

Autor de uma proposta alternativa à PEC defendida pelo governo eleito, o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) diz que vai resistir “o máximo possível” para evitar um furo exagerado no teto de gastos e trabalhará para pressionar o próximo governo a discutir uma nova âncora fiscal para o país.

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Para ele, é possível alcançar um consenso rápido no Congresso Nacional em torno da manutenção dos R$ 600,00 mensais no Bolsa Família (programa que será retomado no lugar do Auxílio Brasil) e do adicional de R$ 150,00 a famílias com crianças de até seis anos.

Também é possível avançar em recomposições orçamentárias de programas como a merenda escolar, mas ainda assim o parlamentar acredita que o espaço fiscal pedido pelo futuro governo é exagerado e pode oferecer riscos para a estabilidade econômica do país.

“A proposta que ao final será aprovada seguramente será bem diversa desta que foi apresentada pela equipe de transição. Nós temos restrições muito grandes em relação ao tamanho do espaço fiscal criado e ao prazo para isso”, afirmou em entrevista ao InfoMoney.

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“O que a proposta apresentada transmite é uma sensação de que o governo quer lavar as mãos de qualquer resquício de responsabilidade fiscal e tocar os quatro anos de governo sem nenhum tipo de limitação. Isso não parece ser bom para o Brasil, não parece ser bom para as contas públicas, e vai enfrentar nossa resistência de uma forma construtiva”, disse.

A PEC da Transição prevê a retirada integral do Bolsa Família do teto de gastos − regra fiscal que limita a evolução de despesas públicas em um exercício à inflação acumulada no ano anterior − por um período de quatro anos.

Na prática, isso significa R$ 175 bilhões apenas em 2023, sendo que R$ 105 bilhões já estavam previstos para o programa no Projeto de Lei Orçamentária anual (PLOA) encaminhado pelo governo Jair Bolsonaro (PL).

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A proposta também prevê a utilização de eventuais “receitas extraordinárias” para investimentos por parte do governo federal, com limite máximo de R$ 23 bilhões. Como parâmetro, o texto estabelece que os valores não poderão superar 6,5% da arrecadação superou as previsões da lei orçamentária em 2021.

Já a PEC alternativa apresentada pelo senador limita a R$ 70 bilhões o montante fora do teto de gastos para despesas. Desta forma, seria possível garantir o programa Bolsa Família no patamar defendido pelo governo eleito, mas não o espaço fiscal desejado por Lula e sua equipe.

O texto também inclui dispositivo que estipula o prazo de 17 de julho de 2023 como data limite para que o novo governo envie ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar que disponha sobre uma nova âncora fiscal, amarrando as discussões.

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“O governo está tentando um atalho, para ter uma folga total e poder governar sem a preocupação com a responsabilidade fiscal. Não é uma forma racional de atuar. Entendo a ansiedade de todos, para que se tenha uma reconstrução do Brasil, mas tem que ser feita com qualidade técnica, com respeito aos limites orçamentários e pensar no desenvolvimento a médio e longo prazo”, sugeriu.

Vieira disse que ainda não foi procurado pelo governo eleito para tratar da questão e critica a forma como a equipe de Lula tem conduzido as negociações para aprovar a PEC. “Não estão em um processo de verdadeira negociação. A negociação que estão tentando fazer é típica dos velhos tempos, via ‘centrão’, orçamento secreto, espaço orçamentário, para velhos caciques. É um mau começo usar essas ferramentas, que foram tão criticadas ao longo da campanha, antes mesmo da posse”.

O parlamentar também destaca “inovações” presentes na versão protocolada da PEC da Transição que podem implicar em questionamentos jurídicos no futuro. “Estão transferindo responsabilidade para alocação de recursos orçamentários para um governo que não foi empossado. Não há previsão constitucional para isso. Trata-se de uma antecipação de exercício”, alertou.

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Confira os destaques da entrevista:

InfoMoney: Duas semanas atrás, o governo apresentou uma minuta para a PEC da Transição. O texto incomodou parlamentares e agentes econômicos. Na última terça-feira (29), formalizou um texto com pouquíssimas modificações. Como o senhor avalia o movimento de manter um texto contestado, abrindo a possibilidade de negociação durante uma tramitação que precisará ser curta?

Alessandro Vieira: É uma escolha do novo agrupamento político que vai assumir em janeiro. Não me parece a melhor escolha, porque já vai ter, de cara, uma derrota na tramitação. A proposta que ao final será aprovada seguramente será bem diversa desta que foi apresentada pela equipe de transição.

Nós temos restrições muito grandes em relação ao tamanho do espaço fiscal criado e ao prazo para isso. O que a proposta apresentada transmite é uma sensação de que o governo quer lavar as mãos de qualquer resquício de responsabilidade fiscal e tocar os quatro anos de governo sem nenhum tipo de limitação. Isso não parece ser bom para o Brasil, não parece ser bom para as contas públicas, e vai enfrentar nossa resistência de uma forma construtiva.

Temos apresentado alternativas. Entendemos, sim, que o teto de gastos teve sua utilidade, mas se mostrou insuficiente, na medida em que, ao longo dos quatro anos do governo [Jair] Bolsonaro, houve sucessivas quebras − então, tem que mudar. Agora, não pode ser uma coisa aleatória, negociada no apagar das luzes, em que sabemos que as ferramentas que vão restar são as típicas do “centrão” − manutenção de orçamento secreto, troca de emendas bilionárias − para haver aprovação do texto. Vamos resistir o máximo possível tentando fazer com que a nova equipe, devidamente nomeada, empossada, negocie, com transparência junto à sociedade e ao Congresso, uma nova âncora fiscal.

IM: Há tempo para aprovar a PEC? Faltam cerca de 20 dias para o recesso parlamentar…

AV: [Para] Aquilo que é efetivamente urgente, sem dúvida. O que é efetivamente urgente é a garantia de espaço orçamentário para que se pague o Auxílio Brasil, que vai voltar a chamar Bolsa Família, de R$ 600,00, com o adicional de R$ 150,00 para famílias que tenham crianças de até seis anos − que é o benefício da primeira infância. Isso é urgente e tem que ser resolvido.

Também podemos imaginar que é fácil chegar a consenso em relação à recomposição de algumas verbas orçamentárias: merenda escolar, por exemplo. Mas, mesmo assim, a soma de todas essas recomposições ventiladas dificilmente chega à metade do espaço fiscal que é pretendido na PEC apresentada pela transição. Além de algumas inovações que vão gerar questionamentos judiciais depois, porque estão transferindo responsabilidade para alocação de recursos orçamentários para um governo que não foi empossado. Eles trazem um dispositivo de que as mudanças devem atender às solicitações da equipe de transição. Isso não tem previsão constitucional, é bastante duvidoso. Trata-se de uma antecipação de exercício. Parece-me ter severas dificuldades sob o ponto de vista constitucional.

IM: A PEC cria excepcionalidades ao teto de gastos por quatro anos. Alguns parlamentares defendem que o “waiver” (ou seja, a licença para gastar) dure apenas um ano. O governo eleito indica não abrir mão de ao menos dois anos, por entender que, do contrário, correria riscos e teria que negociar logo no início da gestão, já que a LDO de 2024 precisará ser encaminhada em abril…

AV: É da natureza da democracia que haja um constante processo de negociação orçamentária. Isso é absolutamente natural. O governo está tentando um atalho para ter uma folga total e poder governar sem a preocupação com a responsabilidade fiscal. Não é uma forma racional de atuar.

Entendo a ansiedade de todos para que se tenha uma reconstrução do Brasil, mas tem que ser feita com qualidade técnica, com respeito aos limites orçamentários e pensar no desenvolvimento a médio e longo prazo, porque cada vez que há aumento na taxa básica de juros, amplia-se a dívida pública entre R$ 36 a 50 bilhões. Então, damos com uma mão e tiramos com a outra… Aumento de inflação.

É preciso um pouco mais de reflexão sobre isso, porque o período é muito estreito e não vamos conseguir fazer um trabalho bem feito em 20 dias, no apagar das luzes, em um Congresso que vai ser extremamente renovado. Estão antecipando o exercício do Executivo e, de certa forma, prolongando o exercício do Legislativo. Aqueles senadores e deputados que não estarão em fevereiro no Congresso vão decidir o futuro do Brasil para os próximos quatro anos. Não me parece racional.

IM: Está em discussão um meio termo de dois anos de “waiver” para a PEC. O senhor se sentiria confortável uma proposta sob tal baliza?

AV: Não. Queremos persistir em uma solução apenas para o ano de 2023, e, ao longo daquele ano, discutir um novo regime fiscal. O Brasil precisa de um novo regime fiscal, mas isso tem que ser debatido com qualidade.

IM: O senhor é autor de uma proposta alternativa à PEC da Transição, que está se aproximando das 27 assinaturas para começar a tramitar no Senado Federal. O governo o procurou?

AV: Temos conversado com os parlamentares. Recebemos uma manifestação do ministro Paulo Guedes (Economia) no sentido de que o espaço fiscal que ele entende como necessário é justamente aquele que apresentamos na proposta [alternativa]: R$ 70 bilhões [fora do teto de gastos no exercício de 2023]. Mas a base governista me parece desarticulada. Não vi nenhuma proposta ou movimento consistente.

IM: E por parte do governo eleito? Houve interlocução?

AV: Não. Eles estão persistindo nessa proposta mais larga. Não estão em um processo de verdadeira negociação. A negociação que estão tentando fazer é uma negociação típica dos velhos tempos, via ‘centrão’, orçamento secreto, espaço orçamentário, para velhos caciques. É um mau começo usar essas ferramentas, que foram tão criticadas ao longo da campanha, antes mesmo da posse.

IM: Como o senhor enxerga a relação entre as negociações em torno da PEC da Transição e o jogo pela sucessão das presidências das duas casas legislativas?

AV: Parece que os dois presidentes das casas [Arthur Lira (PP-AL), na Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado Federal] estão preocupados, no momento, em garantir suas reeleições. Isso naturalmente passa a ter influência no processo de negociação.

Nossa posição, especialmente dos senadores que estão no meio do mandato e que fazem parte de partidos independentes, é tentar colocar um eixo racional na discussão, fugir do debate mais rebaixado de trocas de emendas, cargos ou apoios para a reeleição e passar para uma discussão que efetivamente atenda os interesses do Brasil.

IM: Analistas políticos têm destacado o prazo apertado para a aprovação da PEC da Transição e indicado a possibilidade de planos alternativos ganharem força. É o caso de possível liberação de recursos a partir de medida provisória com crédito extraordinário, o uso de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) ou o adiamento da votação do Orçamento e da PEC para o começo da próxima legislatura. O senhor entende esses movimentos como viáveis?

AV: São tecnicamente movimentos viáveis. Não há dúvida de que existe credibilidade técnica nisso. O ideal seria resolver logo o que é urgente, que é o valor de R$ 70 a 80 bilhões, referentes ao Auxílio Brasil, o benefício da primeira infância e alguma recomposição de áreas essenciais que muito claramente temos um diagnóstico de problemas. E o restante se resolve no ano seguinte, com um debate transparente, o novo Congresso, uma nova equipe no Ministério da Economia e pensando no interesse do Brasil.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.