Governo erra ao ignorar risco de rompimento do teto de gastos, diz Felipe Salto

Diretor da IFI diz que proposta orçamentária veio "incompleta" e que governo está "caminhando na corda bamba, fingindo que nada está acontecendo"

Marcos Mortari

Felipe Salto, ex-diretor-executivo da IFI, em audiência pública no Senado (Jefferson Rudy/Agência Senado)
Felipe Salto, ex-diretor-executivo da IFI, em audiência pública no Senado (Jefferson Rudy/Agência Senado)

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SÃO PAULO – O projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021, encaminhado ontem (31) pelo governo federal ao Congresso Nacional, tem um forte componente de irrealidade ao desconsiderar o risco de rompimento da regra do teto de gastos. É a avaliação que faz o economista Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Segundo o especialista, o texto prevê despesas no limite autorizado pela emenda constitucional, mas ignora intenções já sinalizadas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como a criação do Renda Brasil. O que torna elevado o risco de um rompimento do teto de gastos ou um corte nas despesas não obrigatórias que provoque a paralisia da máquina (o chamado “shutdown”).

“É um erro do governo ignorar, no PLOA, o risco de rompimento do teto. O PLOA deveria ser o momento mais importante da política fiscal e da própria atuação do Estado, onde ele revela seus planos e a forma de financiamento, para o ano seguinte, submetendo essas intenções ao Legislativo”, diz Salto.

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“Ignoraram o programa Renda Brasil, como se ele não estivesse sendo discutido nos jornais, no meio social e no próprio governo, e apresentaram despesas sujeitas ao teto que são exatamente iguais ao teto. Isto é, estão caminhando na corda bamba, serenamente, fingindo que nada está acontecendo. É uma situação inusitada e muito ruim”, complementa.

O teto de gastos estabelece que as despesas sujeitas à regra não podem crescer a um nível superior ao da inflação de 12 meses acumulada em junho do ano anterior. E lista grupos individualizados que precisam cumprir a determinação, contemplando os Três Poderes.

Para o ano que vem, o limite é de R$ 1,485 trilhão, o que equivale a um aumento de R$ 31 bilhões em relação ao fixado para este ano, já que a inflação de 12 meses, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), fechou em 2,13% em junho.

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Para fechar a conta, o governo propõe que as despesas discricionárias (que envolvem custeio da máquina e investimentos) somem R$ 96,052 bilhões, o que corresponde a 6,3% do total, sendo R$ 4 bilhões já reservados para a nova estatal controladora da Itaipu Binacional e a Eletrobras Termonuclear S.A.

O número se aproxima da marca que a própria IFI estima como o mínimo necessário para garantir o funcionamento da máquina pública, de R$ 89,9 bilhões. Ou seja, caso se confirmem as expectativas de analistas políticos de que o veto à prorrogação da desoneração da folha de 17 setores da economia seja derrubado, a conta pode sofrer uma pressão ainda maior.

Para Salto, o cenário pode ficar ainda mais delicado, considerando as incertezas que envolvem a criação do Renda Brasil, programa de renda mínima desejado por Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, ampliando o grupo de beneficiários e os valores repassados.

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“Pode-se dizer, no mínimo, que o risco é elevado ou de romper o teto ou de paralisar a máquina. Isso precisa ser dito. O veto derrubado já afetaria bastante as contas, mas os gastos novos é que podem turvar ainda mais o cenário róseo traçado pelo governo”, critica.

Nos desenhos iniciais, o governo estimava uma despesa de R$ 52 bilhões com o programa. Como comparação, o projeto orçamentário do ano que vem destina R$ 34,86 bilhões para o Bolsa Família. E Bolsonaro já descartou a possibilidade de uso do abono salarial para financiar o plano, o que torna ainda mais incertas as fontes.

“Não existe isso de prometer gastos sociais vultosos sem dizer como a conta será paga”, critica o economista.

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“Qual o tamanho do programa? Quantos beneficiários? Hoje, o presidente falou em prorrogar o auxílio emergencial com valor de R$ 300, mas não se sabe se esse será também um parâmetro para o programa Renda Brasil, no ano que vem. Está tudo em aberto”, diz.

Para Salto, há uma série de obstáculos para a indicação de fontes de financiamento ao programa, que vão de complicações políticas a entraves legais, princípios tributários que têm de ser preservados e gastos já contratados. Desta forma, cresce a sombra sobre a âncora fiscal.

“Pode-se dizer que o PLOA veio incompleto. Muito otimista e até irrealista”, critica. A IFI tem alertado, há dois anos, para percalços no cumprimento da regra fiscal a partir de 2021.

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Dentro da “regra do jogo”

O economista entende, no entanto, que um eventual rompimento do teto de gastos, desde que sejam respeitados os mecanismos já previstos na emenda constitucional, poderia ser compreendido pelo mercado.

“Uma coisa é romper o teto, algo previsível, e outra é abandoná-lo”, diz.

A emenda constitucional, promulgada pelo parlamento há quatro anos, prevê uma série de gatilhos que podem ser acionados para conter a evolução das despesas caso haja rompimento. Entre as medidas estão a vedação à concessão de reajustes salariais, novas contratações e a realização de concurso público.

Há, no entanto, dúvidas entre técnicos se seria juridicamente possível o encaminhamento de uma proposta orçamentária já com a previsão de furo da regra fiscal. Isso porque a própria emenda determina que “a mensagem que encaminhar o projeto de lei orçamentária demonstrará os valores máximos de programação compatíveis com os limites individualizados”.

“O teto corre sério risco, mas rompê-lo pode ser feito, de modo que se compreenda que romper é parte da regra do jogo, desde que os gatilhos previstos na Emenda Constitucional 95 funcionem bem e não seja contornados de alguma maneira”, conclui Salto.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.