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O governo Lula articula uma proposta para impedir que militares da ativa concorram a cargos eletivos ou mesmo ocupem postos de ministro de Estado e, posteriormente, voltem para as Forças Armadas, disseram a Reuters duas fontes que acompanham a negociação sobre a proposta.
A medida, se aprovada, impediria a “porta giratória” de integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica de, por exemplo, concorrer a cargos de deputado federal e senador e, em caso de derrota, voltar para sua força, assim como um general da ativa ser ministro de um determinado governo e voltar à caserna.
A iniciativa, segundo as fontes, tem por objetivo colocar um freio e reduzir a politização das Forças Armadas, que ficou evidente no governo do então presidente Jair Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que loteou sua gestão com milhares de militares de escalões variados.
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A medida pode ser um novo ponto de atrito do embate do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os militares, que vivem uma relação de mútua desconfiança, mas já era esperada. Lula criticou duramente a atuação deles ao não prevenir e impedir a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes por bolsonaristas radicais em 8 de janeiro.
Logo depois das invasões, ministros do governo já previam algum tipo de trava para a participação excessiva de militares na política. O que, na visão do governo, contaminava o ambiente nos quartéis.
Na época, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que os derrotados nas eleições terminavam por voltar aos seus postos como militantes partidários, e não mais apenas como militares.
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“Não é mais a pessoa que saiu para ser candidato. É preciso repensar, e a sociedade brasileira e o Congresso precisam redefinir os parâmetros e as diretrizes”, disse Costa.
A proposta está sendo articulada pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que já conversou nas últimas semanas sobre o assunto separadamente com Lula e os comandantes do Exército, Tomás Ribeiro Paiva, da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno. De acordo com uma das fontes, Múcio recebeu o aval dos comandantes para seguir adiante com a iniciativa.
A ideia é que essa trava para os militares seja feita a partir de uma proposta de Emenda à Constituição (PEC), iniciativa com tramitação mais demorada que terá de passar pelo Congresso com o apoio em plenário de, pelo menos, 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação.
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Um esboço da PEC, segundo uma fonte, está sendo elaborado pelo departamento jurídico do Ministério da Defesa. O texto deve prever que, se um militar tiver 35 anos de carreira, ou seja, tempo para se aposentar, ele vai para a reserva se for concorrer a cargo eletivo. Caso não tenha esse tempo de serviço e quiser se candidatar a cargo eletivo, vai abrir mão da carreira militar — ainda está em discussão se haveria alguma perda salarial ou redutor em razão disso.
A proposta também prevê impedir que militares da ativa possam virar ministros do Estado e depois voltem para a caserna. A intenção é, se isso ocorrer, eles teriam baixa das Forças Armadas.
Dois ex-ministros do governo Jair Bolsonaro seriam afetados pela iniciativa se ela estivesse em vigor na época: os generais de três estrelas Eduardo Pazuello, que foi ministro da Saúde e se elegeu em outubro deputado federal pelo Rio de Janeiro; e de quatro estrelas (último na hierarquia brasileira) Luiz Eduardo Ramos, que permaneceu desde o início da gestão passada na ativa enquanto ocupava o cargo de ministro da Secretaria de Governo e só o deixou em julho de 2020.
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“O militar tem total direito de ir para a vida política, mas tem de abrir mão das Forças Armadas”, disse uma das fontes à Reuters.
A Defesa deverá encaminhar o texto ao presidente na próxima semana, segundo a fonte.
Uma alta fonte do governo confirmou a discussão da proposta. Segundo ela, o texto está sendo preparado pela Defesa, mas ainda vai ser discutida por outras áreas do governo, como a Casa Civil, o Ministério da Justiça e a Secretaria de Governo. Só aí, acrescentou, será levado para Lula bater o martelo e definir como será a apresentação da medida.
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Um debate, segundo as fontes, é se a PEC será apresentada pelo governo ao Congresso ou se algum parlamentar da base aliada vai encampar a proposta do Executivo.
O esboço inicial da PEC só prevê restrições a militares que ocupem cargos eletivos ou funções de ministros. Não há — ao menos por ora — qualquer tipo de restrição para que um militar da ativa ocupe uma função de confiança.
Dessa forma, não haveria impedimento, por exemplo, de milhares de militares que ocuparam cargos no governo como ocorreu na gestão Bolsonaro. Um dos casos de maior relevo foi o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente e que virou alvo de investigações do Supremo Tribunal Federal.
Também não há nas discussões de momento pela Defesa uma proibição para que policiais militares, bombeiros e integrantes da forças de Segurança Pública estaduais sejam impedidos de concorrer a cargos eletivos e, em caso de insucesso, voltarem a seus postos, segundo a fonte. Essa eventual ampliação da abrangência da PEC poderia ocorrer por meio de alterações promovidas por parlamentares por meio de emenda durante a tramitação, disse a fonte.
Abrangente
O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) é autor de uma PEC até mais abrangente da que o governo prepara para restringir a participação dos militares na política. A proposta dele prevê, entre outros assuntos, que o militar iria para a reserva automaticamente caso ocupe qualquer cargo de natureza civil.
“Precisamos separar definitivamente essa confusão que é feita de que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica tenha essa condição de governar melhor. eles têm uma atividade profissional, a de defesa do território e da soberania nacional”, afirmou à Reuters.
Zarattini está colhendo assinaturas para que a PEC possa tramitar na Câmara. Ele disse já ter conseguido 70 dos ao menos 171 apoiamentos necessários para ela andar e acredita que vá demorar ainda dois meses para isso ocorrer. Afirmou ainda que não tem tido qualquer tipo de resistência das Forças Armadas, mas é um assunto que, por não ser tão popular, demanda um esclarecimento aos parlamentares.
Ainda assim, o deputado petista vê como positivo o fato de o governo também estar debatendo o assunto. Ele afirmou que até o momento não soube de qualquer tipo de conversa para unir a tramitação da PEC dele à que está sendo preparada pelo governo.