Governo quer rever outorgas de concessões de ferrovias para financiar nova malha

Discussão está no TCU e envolve o desconto que as empresas receberam ao antecipar a renovação por 35 anos

Reuters

O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), após encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), no Palácio do Planalto (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), após encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), no Palácio do Planalto (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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O governo federal prepara um novo plano para expansão da malha ferroviária no país com a criação de um fundo de 40 bilhões de reais para financiar as obras a ser estabelecido com recursos vindos de atuais concessionárias, em uma discussão de retomada de pagamento de outorgas de concessões antecipadas em 2022, afirmou o ministro dos Transportes, Renan Filho, em entrevista à Reuters.

A discussão, que está no Tribunal de Contas da União (TCU), envolve o desconto da outorga que as empresas Vale, Rumo e MRS receberam ao antecipar a renovação de concessões de ferrovias por 35 anos, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“A gente acha que alguns procedimentos que foram adotados nos contratos não podem ser daquela maneira. Quando uma concessão se encerra no final do último ano há um encontro de contas entre o Poder concedente e a concessionária para verificar se todos os investimentos que a concessionária fez foram amortizados no período. Se foram, tudo bem, devolva meu ativo, está tudo certo e eu vou licitar novamente”, explicou o ministro.

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“Só que aí o que houve? Eles fizeram a antecipação e pegaram os ativos não amortizados todos e abateram da outorga que a concessionária tinha a pagar. A gente acha que isso não pode, porque já há jurisprudência em outros ministérios, porque quando há uma renovação antecipada é diferente de uma licitação”, acrescentou.

A conta do governo é que as empresas devem ao governo 40 bilhões de reais em outorgas não pagas. Das três empresas nessa situação, apenas a Rumo já concordou em fazer o pagamento. A Vale, que opera a ferrovia de Carajás ao porto de Vitória (ES), e MRS, que opera a malha em Minas Gerais, ainda estão discutindo no TCU.

“O mesmo concessionário está ganhando um novo período. Então, se ele ganhou mais 35 anos para administrar aquela ferrovia, ele também tem mais 35 anos para amortizar os ativos não amortizados. Por que ele abate da outorga?”, defendeu Renan.

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Em nota à Reuters, a Vale afirma que a renovação foi assinada em 2020 “após um longo processo de discussão iniciado em 2015”, com dezenas de audiências públicas e com os processos aprovados pelo TCU.

“A Vale está cumprindo todas as obrigações decorrentes da renovação, inclusive entregou 100% do compromisso cruzado da Fiol (56 mil toneladas de trilhos e 32 mil dormentes) e adquiriu os equipamentos necessários para expansão da oferta de trem de passageiros. As mais de 470 obras de mobilidade urbana e a obra da Fico seguem em implantação”, disse a empresa se referindo às ferrovias de Integração Oeste-Leste e de Integração Centro-Oeste.

As empresas Rumo e MRS não responderam pedidos de comentários.

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O ministro disse que o TCU deve levar a decisão a plenário nos próximos dias e, com a decisão, o ministério vai pedir às empresas que façam o pagamento.

“Se eles não desejarem pagar, porque naquele ambiente no TCU é um ambiente de acordo, aí o ministério tem alguns caminhos. Só que são caminhos mais longos, né? São caminhos mais delicados, mas são muito ruins também para a própria empresa. E eu acho que o benefício que eles tiveram é absurdamente grande”, defendeu.

O ministro criticou todo o processo de antecipação das concessões feito em 2022 pelo governo Bolsonaro. Ele defendeu, no entanto, que a questão das outorgas é a única que pode ser remediada sem que seja considerada uma quebra de contrato, e que o governo não pretende fazer nada que possa trazer insegurança jurídica.

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Segundo ele, todo o processo foi feito de forma que as empresas pagassem o mínimo possível, mesmo no caso de ativos altamente rentáveis.

“A União teria direito a muito mais se fosse feito corretamente. Só que como a gente tem que respeitar os contratos, para não dar a eles um argumento tosco, mas fácil, de quebra de contratos, a gente está tratando no mínimo possível dentro do respeito aos contratos. Deveria ser muito mais”, afirmou.

O governo planeja usar esses recursos para criar um fundo que vai financiar a construção de novas ferrovias e a extensão de algumas existentes. Renan Filho disse que no mundo todo a malha ferroviária é feita pelo Estado, pelo alto custo do investimento, mas a operação pode ser feita por concessões.

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Um plano nacional deveria ter sido lançado este mês, mas a discussão no TCU, mais dura que o ministério previu, terminou por adiar o anúncio para o ano que vem, disse.

“Não adianta anunciar plano se não tiver um anúncio concomitante de recursos substanciais para investimento no setor, e nós estamos construindo isso em um ambiente de restrição fiscal que o Brasil vive. A gente tem investimentos no PAC em ferrovias, mas não no volume necessário que o Brasil precisa”, disse.

A meta é chegar a 40% do transporte de carga do país por ferrovias. Hoje, é de apenas 17% e concentrado em minério. Pouco da crescente produção de grãos do país passa pelas ferrovias.

Asfalto para a BR-319

Mesmo com os planos de ampliação das ferrovias, o ministério ainda centra a maior parte dos seus esforços na melhoria das rodovias do país, e tem previsão de fazer 35 concessões nós próximos três anos e um leilão por mês em 2024.

Na obras consideradas necessárias por Renan Filho está uma discussão polêmica, a do asfaltamento da BR-319, a estrada de 885 quilômetros que liga Manaus a Porto Velho. O trecho, construído na década de 1970, foi praticamente abandonado no final da década de 1980 por falta de condições de tráfego.

Defensores da obra alegam que é a única saída de Manaus por terra, mas seu asfaltamento assusta os ambientalistas pelo possível impacto ambiental. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, citou, ao divulgar os dados de desmatamento 2022/2023, que apenas a sugestão de que a obra pudesse ser feita aumentou o desmatamento na região em 110%.

“Tem essa discussão, mas ela (319) é muito importante. Nós vamos criar aqui um grupo de trabalho para uniformizar as discussões, observar os projetos que existem, e quais são as condições para garantir sustentabilidade”, defendeu o ministro.

“O problema é que Manaus é a única capital brasileira que não tem ligação para o asfalto. Isso cria uma grande dificuldade, sobretudo em períodos como esse, em que nós estamos vivendo uma seca no Rio Amazonas, que impede a chegada em Manaus com facilidade. E como você vai transportar mercadorias sem hidrovia, em determinadas épocas do ano, e sem rodovia?”, disse.

Renan Filho foi bastante criticado ao citar que o Fundo Amazônia poderia ser usado na obra. Na entrevista, o ministro esclarece que nunca disse que os recursos poderiam ser usados para construir a estrada, mas para mitigação.

“Essa estrada, ela não pode induzir o desmatamento. Ela tem que preservar, colaborar com a preservação. Agora, esse desafio não é só do Ministério dos Transportes. A gente constrói a obra com recursos públicos e o Fundo Amazônia colabora com o financiamento da operação para trazer a melhor experiência internacional de preservação ambiental, fazer paradas, garantir passagem para fauna, fazer as pesquisas necessárias para que aquela rodovia seja a rodovia mais verde do mundo e que tenha condição de dar a resposta duplamente”, defendeu.

O Novo PAC lançado pelo governo federal incluiu a BR-319 entre as obras que terão sua viabilidade estudada, mas ainda não há definição sobre sua realização.