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(Bloomberg View) — A possibilidade de que um partido de esquerda nunca testado e com um discurso extremista chegue ao poder nas próximas eleições provoca uma corrida para venda nos mercados. Os credores ficam nervosos com as perspectivas para o país, particularmente em relação à estabilidade do câmbio e à capacidade de honrar as dívidas. O líder do partido reage tentando pintar um cenário mais tranquilizador do futuro sob um novo governo. Mas suas tentativas não surtem efeito, provocando o risco de desarticulações econômicas e financeiras retroalimentadas.
Essa é a Grécia em 2015? Não. Essa era a situação do Brasil antes da eleição presidencial de outubro de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a liderança das pesquisas que acabaram se traduzindo em uma vitória indiscutível do Partido dos Trabalhadores. Até então, Lula tinha flertado em público e em privado por muitos anos com uma abordagem econômica alternativa que envolveria grandes reestruturações de dívida e uma pesada dependência do estatismo para impulsionar o crescimento.
Esperando esse resultado, os mercados calcularam uma probabilidade muito alta de calote da dívida. Quando os preços dos bonds caíram, os rendimentos foram impulsionados para níveis bastante altos e o acesso do Brasil ao mercado quase desapareceu. Os depósitos bancários também foram pressionados, e a moeda caiu vertiginosamente, colocando ainda mais pressão sobre a estabilidade econômica e financeira do país. De maneira firme, o Brasil resolveu uma crise de liquidez induzida pelo mercado e que poderia ter se transformado em uma crise de solvência que tiraria a economia dos trilhos por vários anos.
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Nesse caso, os preços de todos os ativos financeiros se recuperaram depois que Lula adotou uma abordagem relativamente ortodoxa para a gestão econômica, implementando, de fato, medidas que havia detalhado pouco antes das eleições — um programa que a maioria dos investidores aparentemente não tinha escutado ou no qual se recusava a acreditar –. Nos anos seguintes, a volta da estabilidade financeira foi acompanhada por um dos períodos mais fortes de crescimento econômico e de redução da pobreza, o que amplificou os retornos dos investidores.
Como as pesquisas mais recentes estão mostrando que o partido antiausteridade Syriza está na liderança para as eleições de 25 de janeiro, os mercados gregos estão exibindo algumas das características do Brasil no segundo semestre de 2002. O risco soberano, medido pelo diferencial nos bonds do governo, subiu, juntamente com o tom das declarações a respeito de possíveis reestruturações de dívida e rupturas na taxa de câmbio.
Além disso, pelo menos por enquanto, a tentativa do líder do Syriza, Alexis Tsipras, de acalmar os mercados foi ignorada por três motivos: a retórica de Tsipras no passado, uma narrativa para a campanha política doméstica que inclui referências potencialmente nocivas à Alemanha e um fenômeno europeu mais amplo, envolvendo a ascensão de partidos políticos “não-convencionais”.
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Os problemas ocultos na Grécia vão mais fundo, é claro. Estão relacionados, e muito, a uma abordagem política e a uma configuração institucional que, apesar dos grandes sacrifícios do povo grego, não conseguiram promover o crescimento e os empregos, nem reduzir a pobreza. Como resultado, o cansaço em relação aos ajustes se intensificou entre os cidadãos e a classe política, com consequências mais imprevisíveis para o futuro do país.
A saída da zona do euro (chamada de “Grexit”) é apenas uma dessas possibilidades, embora já não seja defendida por Tsipras há algum tempo. Em vez disso, ele prefere uma renegociação com os parceiros europeus da Grécia, que reduziria as políticas de austeridade e melhoraria alguns dos termos da dívida oficial, juntamente com a oferta de financiamento adicional. Essas propostas são pensadas para colocar o país em uma situação melhor para implementar as reformas estruturais necessárias para revigorar os motores do crescimento durável e criar empregos.
Foi nessa situação que o Brasil chegou após um período particularmente difícil em 2002-2003. Ao elaborar um conjunto de políticas mais sustentável e, portanto, de maior credibilidade, o país incentivou o envolvimento tanto dos investidores locais quanto dos estrangeiros. Se o Syriza ganhar as eleições — o que ainda é muito incerto –, poderia haver um resultado semelhante na Grécia caso o partido siga um caminho similar ao de Lula e caso os mercados ofereçam espaço suficiente de manobra.
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Mas o Brasil não é o único caso histórico da América Latina relevante para a Grécia de hoje. O outro é a Argentina. Em dezembro de 2001, um misto de má gestão da economia e distúrbios no mercado expulsaram o país do acordo cambial que havia atrelado sua moeda ao dólar americano. Na sequência veio uma enxurrada de calotes dos pagamentos, juntamente com uma recessão profunda, cujo legado continua prejudicando o país. Com efeito, a Argentina deve servir de lembrete à Grécia em relação à importância de minimizar a possibilidade de uma saída não planejada e desordenada da zona do euro que interromperia severamente suas relações financeiras e prejudicaria seriamente o funcionamento de sua economia.
Preparando-se para possivelmente desempenhar um papel no governo, o Syriza deve estar ampliando sua ênfase em uma gestão econômica ordenada dentro da zona do euro com um trabalho a portas fechadas sobre os mecanismos de uma saída, caso ela se torne inevitável. Além da elaboração interna cuidadosa e detalhada de um plano B em prol de regimes alternativos de câmbio e de pagamento, isso exigiria a comunicação clara de uma visão econômica alternativa para o país. Exigiria também uma coordenação inicial com parceiros europeus, incluindo uma mudança rápida para alguma variante de um Acordo de Associação com a UE que continuasse oferecendo à Grécia acesso preferencial e a interação com a UE.