Guedes, Lira e Pacheco apostam em reformas administrativa e tributária aprovadas em 2021, mas PECs ainda patinam no Congresso

Reformulação do funcionalismo tende a enfrentar menos resistências no parlamento, mas calendário apertado e baixa articulação do governo atrapalham

Nivaldo Carboni

O ministro Paulo Guedes (Economia) em coletiva de imprensa (Foto: Edu Andrade/Ascom/ME)
O ministro Paulo Guedes (Economia) em coletiva de imprensa (Foto: Edu Andrade/Ascom/ME)

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* por Nivaldo Carboni, especial para o InfoMoney

SÃO PAULO – Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), acreditam que será possível aprovar as reformas administrativa e tributária ainda em 2021.

Para eles, as mudanças nas regras do funcionalismo público devem avançar com maior celeridade, podendo ter tramitação concluída nas duas casas legislativas em até quatro meses. Já a simplificação tributária deve levar mais tempo, mas pode ser aprovada até o fim do ano.

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As avaliações convergem com as expectativas do governo federal, mas são vistas com ceticismo por analistas políticos e parlamentares.

“Elas devem ser aprovadas neste ano, acho que todo o Congresso está pensando nesses tempos”, disse o ministro Paulo Guedes (Economia) em live promovida pelo InfoMoney e a XP. “Daqui até o fim do ano, seria muito bom para o Brasil ter essas reformas aprovadas”.

O chefe da equipe econômica tem dito que a reforma administrativa “está calibrada”, por deixar de fora os atuais servidores, e deve ser aprovada em dois ou três meses. Já a tributária, ele acredita ser “um pouco mais complicada”, mas também com condições de aprovação em 2021.

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O primeiro ponto que torna a reforma administrativa (PEC 32/2020) mais facilmente aprovada é a questão da abrangência das matérias, com um universo mais restrito de atores envolvidos e com regras que entrariam em vigor apenas para os futuros ingressantes ao funcionalismo.

Já a reforma tributária afeta uma gama maior de setores, passando por associações comerciantes, lojistas, confederações de serviços, grandes grupos industriais, prefeituras e governos estaduais, além do próprio consumidor final. A mudança no sistema de impostos também teria mais implicações do ponto de vista do funcionamento da economia brasileira.

Fatores político-institucionais também explicam a diferença nas perspectivas para as matérias. Nos bastidores, parlamentares avaliam que o governo federal trabalha mais ativamente pela aprovação da reforma administrativa, e faz “corpo mole” para avançar com a tributária.

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Mas, com o avanço do calendário e a aproximação da corrida eleitoral, a tendência é de mais dificuldades para ambos os temas. O recrudescimento da pandemia de Covid-19 e recentes atritos entre Executivo e Legislativo no debate orçamentário também podem atrapalhar.

Do ponto de vista de tramitação, vale destacar que a reforma tributária hoje é discutida em comissão mista extraoficial ‒ esforço dos parlamentares para tentar alcançar um texto de consenso, em meio às múltiplas divergências entre os membros das duas casas legislativas.

Depois de muitas idas e vindas, o colegiado foi designado em fevereiro de 2020. Desde então, foram realizadas 13 reuniões e 10 audiências públicas, mas a apresentação do relatório por parte do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) tem sofrido sucessivos adiamentos, em meio a dificuldades de entendimento político.

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A comissão corre riscos de ser dissolvida sem que se chegue a uma conclusão sobre um texto de reforma tributária possível, fruto de maior convergência entre os parlamentares.

A reforma tributária também foi tratada pelo grupo do ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) como bandeira de campanha na disputa pelo comando da casa legislativa. A candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP), autor da PEC 45/2019, porém, foi derrotada.

Já a reforma administrativa encontra-se em etapa inicial de tramitação, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados.

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O objetivo inicial do relator, o deputado Darci de Matos (PSD-SC) e da presidente do colegiado, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) era aprovar a admissibilidade do texto na primeira semana de abril, mas a demanda da oposição por mais tempo de discussão já atrasou o calendário.

Propostas de Emenda à Constituição (PECs) são o tipo de proposição legislativa com tramitação mais complexa. Na Câmara dos Deputados, precisam ser submetidas à análise de admissibilidade na CCJC, discussão em comissão especial e dois turnos de votação em plenário, com apoio mínimo de 3/5 (ou seja, 308 votos). No Senado Federal, precisam passar pela CCJ antes de mais dois turnos de votação com igual quórum (ou seja, 49 votos entre 81 membros).

Reforma Administrativa

A primeira parte da proposta foi apresentada pela equipe econômica do governo ao Congresso Nacional em setembro de 2020, após uma longa discussão interna no Poder Executivo e em meio a resistências do presidente Jair Bolsonaro.

A PEC 32/2020 reduz a garantia à estabilidade no funcionalismo público aos futuros entrantes, estabelece cinco tipos de vínculo entre novos servidores e o Estado (sendo que apenas um deles contempla o direito) e cria novas diretrizes para a organização da administração pública.

Outras etapas da reforma devem vir apenas após o avanço da PEC no Congresso Nacional, com o envio de projetos de lei estabelecendo um novo marco regulatório das carreiras no setor público e mudanças operacionais e na gestão de pessoas.

A PEC atualmente em discussão acaba com outros benefícios do funcionalismo público aos futuros servidores. Por exemplo: não será mais permitido que ocupantes de carreiras públicas possam exercer outra atividade remunerada. Estará vedado o aumento automático de salário do servidor em 1% ao ano. A aposentadoria compulsória como modalidade de punição estará extinta. Também estará proibida a concessão de reajustes salarias retroativos. Férias em período superior a 30 dias pelo período aquisitivo de um ano deixarão de existir.

Mas as regras não valeriam para todas as categorias: parlamentares, juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores, promotores, procuradores, diplomatas e militares estariam de fora. Assim como todos os atuais servidores, tendo seus direitos preservados.

Com a proposta ainda em etapa inicial de tramitação, os parlamentares buscam um texto de maior consenso. Alguns pressionam para torná-lo mais abrangente, a partir da inclusão das classes de servidores hoje excluídas. Além de estender as regras aos atuais servidores. Medidas que o presidente Bolsonaro hesitou em incluir na proposta entregue ao Congresso.

“Estamos apresentando uma emenda aos líderes partidários para incluir as outras categorias vedadas na proposta original e também os servidores em exercício. Há alguma resistência de alguns parlamentares ligados a sindicatos e outros com viés corporativista”, afirma o deputado Thiago Mitraud (Novo-MG), coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa.

Já o deputado professor Israel Batista (PV-DF), que coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, diz que a oposição pretende apresentar uma emenda substitutiva global na comissão especial, próxima etapa de tramitação da PEC.

O dispositivo deve excluir a alteração da regra da estabilidade e retirar trecho que permitia ao presidente da República extinguir órgãos públicos e autarquias por decreto.

“Vamos vetar os novos princípios de subsidiariedade, que dizem que o Estado deve agir de maneira complementar a iniciativa privada em todos os setores. Isso afronta a Constituição, pois é dever do Estado prover educação, saúde e moradia. Especialmente em áreas em que há falhas de mercado”, afirma.

O projeto da Administrativa tem um caminho regimental trilhado. Atualmente está sob a aprovação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Depois de aprovado será formada uma comissão especial na Câmara. Já foram escolhidos o presidente da comissão, deputado Fernando Monteiro (PP-PE), e o relator da matéria, o deputado Arthur Maia (DEM-BA).

Nesta semana, Arthur Maia reuniu-se com Guedes para debater a proposta. “O objetivo é ter um país que custe menos e que preste um serviço público melhor ao povo brasileiro”, afirmou.

O futuro relator defende uma reforma administrativa isonômica e é a favor de adotar critério de avaliação de desempenho e métricas de eficiência para os servidores públicos.

Para se cumprir o prazo de quatro meses para a aprovação da matéria, representantes do governo afirmam estar em constante interlocução com os parlamentares para adequações ao texto.

O deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, mesmo defendendo publicamente a importância da reforma administrativa, tem destacado que a prioridade é tomar medidas de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.

“Acredito na aprovação da reforma em no máximo 4 meses [nas duas casas]. No entanto, a prioridade neste momento é a vacinação e o enfrentamento rápido da pandemia”, afirmou.

O deputado Darci de Matos, relator na CCJC, espera a aprovação da admissibilidade do texto (ou seja, se a proposta é compatível com a Constituição Federal) até o final de abril. Somente após esta etapa que os parlamentares passam a formalmente discutir o mérito.

Reforma Tributária

A discussão envolve a PEC 45/2019, da Câmara dos Deputados, que substitui cinco tributos (PIS, Cofins, ICMS, IPI e ISS) por um único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a PEC 110/2019, do Senado Federal, que unifica nove tributos (IPI, IOF, PIS, Pasep, COFINS, Cide-combustíveis, salário-educação, ICMS e ISS).

Há também o projeto de lei enviado pelo ministro Paulo Guedes em julho de 2020 (PL 3887/2020). Na época ele disse que iria dividir a proposta em quatro partes, entregues ao longo do segundo semestre daquele ano ‒ o que não aconteceu.

A etapa seguinte planejada à época pela equipe econômica tratava de um redesenho do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tornando-o uma espécie de imposto seletivo, incidente sobre produtos com externalidades negativas (cigarros, bebidas alcoólicas etc.).

Na sequência, viria um movimento de redução do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, que seria compensada pela implementação de tributação sobre dividendos ‒ hoje isentos. Desta forma, as companhias seriam estimuladas a reinvestir lucros.

Do lado de pessoas físicas, discutia-se a possibilidade de correção da tabela do IRPF e a introdução do chamado “imposto negativo” a trabalhadores informais.

Por fim, a quarta fase discutida pelo governo federal trazia a polêmica ideia do chamado imposto sobre transações digitais, normalmente associada por críticos à extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Os recursos viabilizariam a desoneração da folha de salários, muito demandada pelo setor de serviços, visto como prejudicado por etapas anteriores em discussão.

Em carta aberta divulgada na semana passada, o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) e o Movimento Destrava Brasil defenderam uma reforma ampla, em fase única, que consolide todos os impostos sobre o consumo em um único tributo.

Um dos entraves no debate em nível federativo está na criação de um fundo de compensação para estados e municípios que perderem receita com as mudanças. O ministro Paulo Guedes tem resistido aos valores em discussão, que superam a cifra de R$ 400 bilhões em dez anos.

A principal discussão sobre reforma tributária hoje acontece em uma Comissão Especial Mista no Congresso Nacional, instalada em março do ano passado, em iniciativa dos ex-presidentes das casas legislativas, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O colegiado, porém, não chegou a consenso sobre um texto a ser votado para iniciar tramitação efetiva no parlamento e corre o risco de ser dissolvido sem avanços. O prazo de validade dos trabalhos foi prorrogado até 30 de abril.

“Com a dissolução da comissão mista, a tendência é que ela tramite primeiro no Senado. Com isso deve se tramitar a PEC 110 e não a PEC 45, de autoria do Baleia Rossi. Caso isso aconteça, Lira tira de cena o adversário (Baleia Rossi) e conseguirá um ganho político”, analisa José Henrique Nascimento, head de Causas no Centro de Liderança Pública (CLP).

Mesmo com os tropeços, a expectativa do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), é aprovar a reforma tributária até o final deste ano.

“Nós temos que escolher um texto baseado em fundamentos econômicos, técnicos, um modelo de sistema tributário que não seja esse atual. A reforma não vai ser a arte de conquistar, mas a arte de ceder no que for possível para que tenhamos um sistema tributário melhor”, afirmou.

Ceticismo com os prazos

A previsão dos presidentes das duas casas legislativas de que as reformas administrativa e tributária devem ser aprovadas ainda em 2021 é vista com ceticismo por analistas políticos.

O cientista político e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP) Humberto Dantas cita o exemplo do governo Lula, um dos mais hábeis politicamente, mas que não conseguiu sequer propor a agenda da reforma tributária.

“O governo Bolsonaro é caótico em termos de articulação política e isso torna as duas reformas impraticáveis dentro desses prazos. A agenda do ministro Guedes não é a do presidente, pois a do presidente é se reeleger”, diz.

Para José Henrique Nascimento, a manutenção de privilégios em categorias não atingidas pela reforma administrativa tem gerado constrangimento em deputados e travando a pauta.

“Alguns parlamentares afirmam que a reforma não apresenta legitimidade da forma como está. É preciso primeiro acabar com a imoralidade, ou seja, cortar seus próprios supersalários antes de debaterem os direitos dos servidores públicos”, afirma Nascimento.

Ele também vê significativos obstáculos para avanços com a reforma administrativa. “A dificuldade de aprovação é tão grande que, se ela não passar esse ano, não será aprovada mais nesse governo”, projeta.

“O próximo ano é eleitoral, e os envolvidos na causa tributária são grandes financiadores de campanha. Sendo assim, o Congresso não quer correr o risco de prejudicar esses empresários”, explica.

Além disso, os especialistas argumentam que é preciso maior unidade entre os setores envolvidos e um posicionamento mais claro do governo para que o assunto avance.

“A reforma tributária mexe com todos os agentes plurais do país. Propor a unificação de 5 impostos não é reforma, e sim um reparo, um ajuste. Uma reforma seria um envolvimento dos três níveis federais; e a princípio isso não vai acontecer”, ressalta Dantas.