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SÃO PAULO – Diante dos esforços do governo federal em encontrar espaço no Orçamento para viabilizar o Auxílio Brasil ‒ programa social que deverá substituir o Bolsa Família ‒ de olho nas eleições de 2022, a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, acendeu um alerta para um crescimento dos riscos fiscais.
No Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de agosto, divulgado na quarta-feira (18), a IFI manifestou preocupação com “o uso ampliado de mecanismos contábeis para retirar despesas da meta de resultado primário e do teto de gastos”, como o caso do Pronampe e mais recentemente da PEC dos Precatórios, que permite o parcelamento de sentenças desfavoráveis à União em ações com trânsito em julgado.
O órgão também chamou atenção para a “produção de espaço para acomodar políticas com eventuais retornos eleitorais” e os consequentes desafios impostos à manutenção da credibilidade junto aos agentes econômicos.
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Cada vez mais de olho na reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem apostado suas fichas na ampliação do Bolsa Família para não apenas estancar a perda de popularidade observada nos últimos meses, mas se tornar sua candidatura mais competitiva.
A ideia é aumentar o tíquete médio do programa em pelo menos 50% (hoje são cerca de R$ 189) e ampliar o número de famílias beneficiárias dos atuais 14,6 milhões para acima de 16 milhões. Para isso, o governo tenta usar o parcelamento de precatórios como forma de liberar R$ 33,5 bilhões do Orçamento do ano que vem, abrindo espaço para essas e outras despesas. A manobra, que depende do aval do Congresso Nacional e deve ser judicializada, é tachada por críticos como “contabilidade criativa” e até mesmo “calote”.
Na ótica do mercado, a percepção de um possível descuido em relação às contas públicas refletiria automaticamente no risco-país, em uma elevação do dólar, em alta nos juros futuros e maior pressão inflacionária presente. Na prática, seria um balde de água fria no processo de recuperação econômica ainda “não consolidado”, conforme pontuam os analistas da IFI.
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“A produção de espaço para acomodar políticas com eventuais retornos eleitorais e a consequente piora da percepção sobre o risco fiscal – intensificada pelas discussões sobre o Novo Refis, o Auxílio Brasil e a PEC dos precatórios –, dificulta a tarefa do Banco Central, ao criar incerteza adicional à trajetória prospectiva de inflação através da elevação dos prêmios de risco-país”, observam.
Em um mês, a mediana das expectativas de mercado para a taxa básica de juros no final do ano foi ajustada de 6,63% para 7,25%. A remuneração de um título com prazo de um ano subiu de 6,7% em junho para 7,5% em julho e 7,8% no início de agosto, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
“Esse movimento representa um aperto nas condições de financiamento, com prováveis efeitos negativos sobre a atividade econômica e a dinâmica da dívida/PIB”, pontuam os especialistas da IFI, equipe comandada pelo economista Felipe Salto.
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As expectativas de analistas do mercado consultados pelo Relatório Focus, do Banco Central, para a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) saltaram de 5,4% em maio para 6,8% em julho.
No acumulado de 12 meses até julho, o indicador atingiu a marca de 8,99%, puxado pela elevação nos preços de commodities em reais, a escassez hídrica e o impacto sobre as tarifas de energia elétrica e os gargalos na cadeia de suprimentos.
A maior pressão inflacionária já tem pressionado o Banco Central a adotar uma postura mais dura em relação aos juros ‒ o que provoca efeitos diretos sobre a atividade econômica. Outra consequência da materialização dos novos riscos é uma maior dificuldade para o Tesouro Nacional administrar a dívida pública, que cresceu de forma significativa com as despesas em resposta à pandemia do novo coronavírus.
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“O processo de aperto monetário reduz o estímulo à economia em um momento em que a recuperação cíclica da atividade econômica não está garantida e a taxa de desemprego permanece elevada em termos históricos. O risco fiscal exacerba esse cenário”, observam.
Para os analistas, indicadores recentes apontam para a probabilidade de o país apresentar um crescimento superior a 4% em 2021, mas as projeções tendem a ser mais tímidas para o ano seguinte e a retomada pode ser ameaçada por alguns fatores de risco apontados, como a própria dinâmica da Covid-19 como o risco fiscal, intensificado com a aproximação das eleições.
“Mesmo com o avanço da campanha de vacinação no Brasil, o percentual de pessoas completamente imunizadas (22,7%) encontra-se ainda distante do nível considerado seguro ou ideal, fato que pode afetar a normalização do sistema produtivo em meio à disseminação de variantes mais infecciosas do coronavírus. É válido pontuar que alguns países com taxas de vacinados mais elevadas voltaram a registrar aumento de casos pela variante Delta. Nesse sentido, o ritmo de expansão do comércio mundial, que beneficiou a economia brasileira ao longo do ano, pode ser também atenuado”, ponderam.
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“Em paralelo às dificuldades associadas ao controle da pandemia em nível global, a recuperação da confiança dos agentes e do crescimento econômico no restante do ano pode ainda ser abalada pelo risco de racionamento energético, dado o baixo nível dos reservatórios de hidrelétricas do país, e pelas condições ainda desfavoráveis no mercado de trabalho. Destaca-se o elevado índice de desemprego e o efeito da inflação persistente na renda das famílias. Além disso, o risco fiscal voltou a aumentar, mapeado inclusive pelo Banco Central, e a tendência de uma alta mais expressiva da Selic deverá prejudicar o dinamismo da demanda agregada”, complementam.