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Menos de dois meses após o início da nova legislatura, a produção do Congresso Nacional segue em marcha lenta e com represamento de uma série de matérias de interesse do governo federal.
Ao todo, 29 medidas provisórias estão pendentes de análise pelos parlamentares, sendo 13 de autoria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o restante herdado da gestão anterior, de Jair Bolsonaro (PL) – portanto, mais próximo de esgotar o prazo de validade.
Um impasse entre os presidentes Arthur Lira (PP-AL), da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Senado Federal, sobre o rito a ser seguido pelas MPVs, porém, tem gerado incertezas sobre o futuro das proposições e aumentado o risco de caducidade.
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Medidas Provisórias são editadas pelo presidente da República e normalmente entram em vigor a partir da publicação no Diário Oficial da União (DOU). Mas, para se tornarem leis definitivas, os textos precisam ser aprovados pelas duas casas legislativas em até 120 dias. Se isso não ocorrer, eles deixam de valer.
A Constituição Federal estabelece o rito regular deste dispositivo legislativo. Pela regra, as MPVs são analisadas primeiro por comissão mista formada por deputados federais e senadores, para na sequência seguirem para análise dos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nesta ordem.
Durante a pandemia de Covid-19, no entanto, as duas casas legislativas chegaram a um acordo de procedimento, que culminou na adoção de um rito excepcional pelo qual as MPVs eram apreciadas diretamente nos plenários, sem necessidade de instalação dos colegiados mistos.
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Na prática, o modelo ampliou o poder das presidências das duas casas legislativas – especialmente para a Câmara dos Deputados, como casa iniciadora. Com a ausência das comissões mistas, Arthur Lira passou a decidir sozinho o relator das propostas e o momento para votar os textos. Além disso, abriu-se a possibilidade de apresentação de emendas em plenário.
Com o arrefecimento da crise sanitária e a retomada da normalidade nas atividades do Poder Legislativo, Pacheco e os demais integrantes da Comissão Diretora do Senado Federal chegaram a um acordo para restabelecer o rito constitucional. Mas Lira e os representantes da Câmara não assinaram o ato conjunto e até hoje o procedimento original não foi aplicado.
O impasse provocou uma crise entre as casas legislativas. Na semana passada, o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) ingressou com mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Lira por não ter colocado em prática o funcionamento de comissões mistas.
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Na peça, o parlamentar argumenta que o cenário de excepcionalidade provocado pela pandemia de Covid-19 não mais subsiste, o que faz necessária a retomada do rito original das MPVs. E afirma que “a inércia da autoridade coautora” (no caso, o presidente da Câmara dos Deputados) “está ocasionando um cenário de anormalidade na apreciação das medidas provisórias”.
O modelo antigo não agrada a Lira e lideranças da Câmara dos Deputados, que tentam aproveitar o momento para aprovar modificações no rito. Para eles, as comissões mistas provocavam uma distorção, em razão de uma sub-representação dos deputados e dificuldades na construção de relatórios que encontrassem apoio da maioria para serem votados no plenário.
Em coletiva de imprensa concedida na manhã desta quinta-feira (23), Lira disse que tais comissões são “antidemocráticas, infrutíferas e palco de negociação de matérias que sempre trouxeram dúvidas e névoas para as medidas provisórias”.
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Nos últimos dias, tentativas de acordo entre os comandos das casas legislativas fracassaram. Um plano que se ventilou foi a possibilidade de discussão de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para definir um novo modelo de tramitação para as MPVs.
A ideia seria instituir um regime de “alternância” entre as casas para que as proposições desta natureza começassem a tramitar ora pela Câmara, ora pelo Senado, sem a existência de comissões mistas. A jornalistas, Arthur Lira disse que a sugestão partiu dele sem anuência prévia dos líderes da casa legislativa – que depois teriam se manifestado contra por entenderem representar perda de 50% na prerrogativa de casa iniciadora.
O presidente da Câmara dos Deputados disse que, após encaminhamentos iniciais, representantes do Senado Federal alteraram os termos das negociações, sugerindo que inicialmente a alternância resultasse nas MPVs de Bolsonaro começarem pela Câmara e as de Lula pelo Senado. “É uma mudança significativa de proposta de acordo”, disse.
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Lira alega ter recebido “solicitação expressa do governo federal de manutenção do rito atual”. “Se o governo preferir as comissões mistas, ótimo, paciência. Vai arcar com o ônus de negociar as comissões mistas com 24, 36, 48 membros e arriscar que as medidas provisórias caiam no plenário da Câmara ou no plenário do Senado”, afirmou.
O deputado também contou que pediu para Pacheco que as MPVs de Bolsonaro fossem remetidas à Câmara no modelo antigo de tramitação, mesmo que sem avanços em um acordo para a tramitação das demais matérias. O objetivo era evitar que os textos caducassem. A solicitação foi atendida, o que foi classificado por Lira como “gesto de bom senso”, e os líderes da Câmara concordaram em manter agenda de esforço concentrado na próxima semana para analisar as 13 MPVs enviadas pelo governo Bolsonaro pendentes de votação, enquanto se tenta negociar uma saída para o impasse geral.
Apesar da concessão aos deputados, Pacheco também atendeu a questão de ordem apresentada pelo líder da maioria no Senado Federal, Renan Calheiros (MDB-AL), adversário político de Lira em Alagoas, e decidiu que instalará as comissões mistas que analisam MPVs, ainda que à revelia da posição de lideranças da Câmara.
“Diante do claro encerramento da situação fática que fundamentava a excepcionalidade da tramitação das medidas provisórias, mostra-se lógico e salutar o retorno ao ‘estado de coisas constitucional’, ou seja, a tramitação das medidas provisórias automaticamente passa a ter que seguir novamente os ditames da nossa Carta Maior, balizados pela interpretação de constitucionalidade advinda do Supremo Tribunal Federal e das práticas históricas adotadas pelo Congresso Nacional”, disse Pacheco em resposta.
O presidente do Senado Federal disse, ainda, que um ato conjunto das duas casas “não tem o condão de afastar as regras constitucionais quando os fundamentos fáticos que o sustentam não mais existem na realidade” e que, portanto, não é necessária a assinatura de um novo dispositivo para retomar as regras anteriores à pandemia.
“Portanto, senhoras Senadoras e senhores Senadores, defiro a Questão de Ordem apresentada pelo Senador Renan Calheiros, declarando a ineficácia do Ato Conjunto nº 1, de 2020, e determinando, por conseguinte, o retorno da tramitação das Medidas Provisórias ao regime anterior ao início da pandemia da Covid-19. (…) Esclareço que esse regime se aplicará às Medidas Provisórias ainda não remetidas à Câmara dos Deputados, ou seja, a partir da Medida Provisória nº 1154. Assim, essas proposições tramitarão perante Comissão Mista especificamente instalada e designada para emitir parecer sobre elas, nos termos das regras regimentais aplicáveis”, determinou.
Em resposta, Lira acusou os senadores de “truculência” e disse lamentar que “a política regional ou local de Alagoas interfira no Brasil”. Segundo ele, a medida desagrada líderes da casa legislativa e na prática pode resultar na inoperância dos colegiados ou mesmo na construção de textos que não sejam aprovados quando chegarem aos plenários.
“Se o Senado insistir em uma decisão draconiana de fazer unilateralmente a instalação e unilateralmente a indicação… Como os líderes da Câmara estão contra, o que vai sair disso? Instala, não delibera, pode derrubar as MPVs do governo”, alertou o deputado.
Matérias “penduradas”
O avanço do impasse pode pôr em risco a validade de uma série de medidas provisórias pendentes de análise pelo Congresso Nacional.
Entre as proposições da atual gestão, há medidas básicas e fundamentais para o funcionamento dos ministérios e órgãos públicos conforme planejado pela equipe de Lula. Há também peças que envolvem políticas públicas prioritárias prometidas durante a campanha eleitoral, como a retomada do programa Minha Casa, Minha Vida, o Novo Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
E matérias polêmicas, como a MPV 1.160/2023, que institui o chamado “voto de qualidade” a favor da União em caso de empate em julgamentos administrativos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A iniciativa faz parte de um conjunto de medidas apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para reduzir o déficit público do ano para algo mais próximo a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas sofre fortes resistências no Congresso Nacional, que se debruçou recentemente sobre o assunto e aprovou legislação mais favorável ao contribuinte.
Outra medida que sofre resistências entre parlamentares envolve a criação de um imposto sobre exportações de petróleo cru – item que consta da Medida Provisória nº 1.163/2023, que trata da reoneração parcial da gasolina e do álcool.
As matérias editadas pelo governo Lula ainda não chegaram a 60 dias de tramitação. Ou seja, todas elas ainda têm “folga” de pelo menos dois meses para deliberação do Poder Legislativo antes que percam a validade. Para isso, contudo, será necessário contar com a boa vontade de Lira e Pacheco para um acordo.