Lula tem 3 caminhos para meta fiscal de 2024 – e nenhum deles leva ao déficit zero

Declarações do presidente minimizando o equilíbrio fiscal aumentaram a possibilidade de revisão ainda neste ano, durante tramitação das peças orçamentárias

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em reunião no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em reunião no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Antes mesmo de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contrariar sua própria equipe econômica e verbalizar que a meta fiscal do ano que vem não precisa ser zero, as apostas de agentes do mercado já apontavam para mais um déficit primário em 2024.

Embora as peças orçamentárias encaminhadas pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional indicassem o objetivo de um equilíbrio entre receitas e despesas no ano que vem, a revisão da meta já era considerada questão de tempo entre agentes econômicos e no mundo político.

Na própria equipe econômica do governo, já se admitia tal possibilidade, embora o esforço no momento fosse para postergar o debate, de modo a reduzir o custo da discussão e maximizar os efeitos da agenda de arrecadação pretendida – o que sinalizaria ao mercado empenho em direção aos objetivos propostos e poderia reduzir a necessidade de uma revisão mais profunda.

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Mesmo assim, as declarações de Lula na semana passada repercutiram negativamente no mercado. Três dias depois, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), convocou uma coletiva de imprensa em uma tentativa de apaziguar os ânimos, mas não foi capaz de assegurar que a meta zero estava de pé. Resultado: o mercado leu as entrelinhas e dobrou o ceticismo.

Nos bastidores, havia uma percepção majoritária de que o governo poderia esperar o ano que vem para modificar a meta de resultado primário, o que também limitaria o contágio sobre as decisões de política monetária do Banco Central e manteria a pressão para que o Congresso Nacional entregasse os próximos passos da agenda fiscal defendida pela área econômica.

Mas a resposta dada a Lula a jornalistas no café da manhã de seu aniversário antecipou a discussão fiscal e trouxe ao mercado uma percepção de que a possibilidade de mudança da meta de primário antes da votação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024 aumentou – assim como a avaliação de que a pauta fiscal pode perder força antes da hora e sem que uma das matérias mais sensíveis, a que trata da regulamentação das subvenções estaduais na base de cálculo de impostos federais, tenha sido apreciada pelos parlamentares.

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O último relatório Focus, divulgado pelo Banco Central na segunda-feira (30), mostrou que a mediana das expectativas de economistas do mercado aponta para um déficit de 0,78% do PIB em 2024 – uma semana atrás o indicador estava em 0,75%. O que reforça o ceticismo em relação ao cumprimento da meta proposta nas peças orçamentárias em tramitação no parlamento.

Na prática, há três caminhos à disposição do governo para a meta fiscal do ano que vem. O primeiro deles envolve a mudança do objetivo ainda em 2023. Neste caso, a discussão em curso no Palácio do Planalto seria viabilizar o movimento até a próxima semana, quando a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional poderá votar parecer preliminar a ser apresentado pelo relator da LDO, o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).

Outra possibilidade seria adiar o movimento no curso da execução do Orçamento no próximo ano, em se confirmando a impossibilidade de alcance do objetivo inicialmente estabelecido, que consiste no déficit zero com uma banda de tolerância de 0,25 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para cima ou para baixo. Isso poderia ocorrer já no fim de março, com o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do primeiro bimestre, ou no relatório seguinte, de maio.

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Um terceiro caminho seria não modificar a meta e descumpri-la. Tal possibilidade é prevista na própria Lei Complementar que instituiu o novo marco fiscal (LC 200/2023). O texto estabelece que não configura infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) o descumprimento do limite inferior da meta de resultado primário, desde que o agente público tenha adotado as medidas de limitação de empenho e pagamento, preservado o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública e não tenha ordenado ou autorizado medida em desacordo com vedações previstas na legislação.

Neste caso, a exigência feita é que sejam realizados contingenciamentos para garantir a perseguição do objetivo estabelecido, respeitando limites para o funcionamento da máquina pública. Pela lei complementar que instituiu o novo arcabouço fiscal, o nível mínimo de despesas discricionárias é de 75% do valor autorizado na respectiva lei orçamentária anual – o que permitiria na prática a possibilidade de cortes entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões em 2024. Em qualquer situação, tal tesourada provocaria arrepios em Brasília. Num ano de eleições municipais, o risco ganha proporções ainda mais dramáticas.

Se o governo optasse pelo descumprimento da meta de resultado primário estabelecida, outra consequência seria o acionamento de gatilhos fiscais, como o impedimento à criação de cargo, emprego ou função ou alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa. Também entram na lista de impeditivos à admissão e contratação de pessoal, à realização de concurso público, criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, à criação de despesa obrigatória ou até a concessão ou ampliação de benefício tributário.

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Outra consequência seria a redução do fator de correção das despesas públicas de 70% acima da inflação para 50%, respeitando a banda de 0,6% a 2,5% reais.

Pela lógica, o último caminho seria o mais custoso – embora ele também sinalizasse um maior compromisso do governo federal com o respeito às regras que ele próprio estabeleceu e uma preservação do espírito do arcabouço fiscal em seu primeiro ano de vigência. E é por isso que sofreu mais resistências no Palácio do Planalto, que prefere resolver o problema ainda em 2023.

As alternativas que melhor afastassem riscos de contingenciamentos em um ano eleitoral seriam politicamente preferíveis. É por isso que já está em modulação um discurso de que as mudanças nas medidas de arrecadação encaminhadas ao Congresso Nacional e a pressão fiscal de propostas aprovadas pelos parlamentares exigem uma mudança nos objetivos iniciais estabelecidos – a contragosto da equipe econômica.

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Na ala política, a avaliação é que o timing de mudar a meta fiscal ainda em 2023 seria menos complexo, já que bastaria mensagem presidencial para viabilizar o movimento antes mesmo de haver lei aprovada em outra direção. O dilema neste caso, no entanto, consiste em qual seria um patamar adequado para a nova meta. O que se discute hoje seria algo próximo a um déficit de 0,5% do PIB, no limite do tolerável pela ala econômica. Mas há riscos de exageros para baixo ou para cima.

Na equipe econômica, a preocupação é que a flexibilização da meta não deixe uma mensagem de mudança de rumos e que o compromisso de buscar o equilíbrio fiscal no menor prazo possível se mantenha. Neste caso, também é importante que a discussão da meta fiscal não seja revisitada após a mudança e que o governo esteja disposto a cumprir contingenciamentos em menor medida se necessário ao longo da execução orçamentária de 2024.

Apesar dos ruídos recentes com as falas de Lula, há uma expectativa nos bastidores de que o mandatário faça um gesto em direção ao ministro, de modo a reduzir a percepção de derrota recente. Um dos caminhos para isso envolve a própria reunião dos dois com líderes partidários da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (31), para defender o avanço da agenda econômica no parlamento.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.