Publicidade
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem três opções à mesa para tentar viabilizar a execução de promessas feitas durante a campanha eleitoral já em seu primeiro ano de mandato. Os caminhos têm riscos e níveis de dificuldade distintos, mas todos exigiriam a abertura de canais de negociação antes mesmo do início da nova gestão, em 1º de janeiro de 2023.
A 54 dias de assumir o comando do Poder Executivo pela terceira vez, Lula tenta garantir espaço na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023 para pagar o Bolsa Família (nome que será retomado no lugar do Auxílio Brasil) em parcelas de R$ 600,00 e um adicional de R$ 150,00 por criança de zero a seis anos de famílias beneficiárias do programa. Nos cálculos de especialistas, as medidas somariam R$ 70 bilhões de impacto fiscal (R$ 52 bilhões para a manutenção das parcelas e R$ 18 bilhões para o outro benefício).
O próximo presidente também quer assegurar recursos para um aumento real do salário mínimo logo em seu primeiro ano de governo. Este foi um dos eixos prioritários de sua campanha contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tentava a reeleição. A ideia, segundo o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), um dos nomes de confiança de Lula e que tem tratado de perto a questão, seria garantir um ganho real (ou seja, recomposição acima da inflação) do salário mínimo de 1,3% a 1,4%. A nova regra levaria em conta a soma de inflação e uma média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de cinco anos.
Continua depois da publicidade
No PLOA que tramita no Congresso Nacional, Bolsonaro encaminhou o valor de R$ 1.302,00 − que corresponde a um incremento de R$ 90,00 em relação ao valor praticado neste ano (R$ 1.212,00). Na época, o montante representava apenas a recomposição inflacionária para uma estimativa de alta acumulada de 7,41% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Mas, como as perspectivas para o comportamento dos preços cederam nos últimos meses, é provável que o valor, caso mantido, traga ganhos reais a trabalhadores, aposentados, pensionistas e beneficiários de programas assistenciais.
Com isso, integrantes da equipe de Lula já discutem a possibilidade de conceder um aumento real ainda mais elevado para o salário mínimo, de modo a não correr risco de na prática oferecer um montante mais baixo do que o apresentado por seu antecessor. Conforme noticiou o jornal Folha de S.Paulo, o valor do piso nacional poderia chegar a R$ 1.319,00. O discurso, neste caso, seria de compensação de parte do período em que o salário mínimo ficou congelado em termos reais. O impacto das medidas sobre as contas públicas é estimado entre R$ 3,9 bilhões e R$ 6 bilhões.
O presidente eleito também tem como objetivo garantir a recomposição orçamentária de programas como o Farmácia Popular (impacto avaliado em R$ 2 bilhões), reduzir as filas do Sistema Único de Saúde (SUS) e fazer campanha de vacinação (custo de pelo menos R$ 10 bilhões), ampliar ações de saúde indígena e merenda escolar. Durante a campanha, Lula também prometeu como suas primeiras ações a retomada do programa Minha Casa Minha Vida e a implementação de um amplo programa de infraestrutura país afora. As medidas também esbarram nas restrições orçamentárias.
Continua depois da publicidade
Relembre as propostas de Lula para a economia no novo mandato
Economistas avaliam que a dinâmica das contas públicas e as diversas despesas já contratadas para 2023 tornam o cumprimento do teto de gastos (regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício à evolução da inflação no ano anterior) inviável.
As expectativas são de que o Orçamento do ano que vem reserve um montante de apenas R$ 117 bilhões para despesas discricionárias − aquelas em que o governo federal tem maior capacidade de remanejamento. Especialistas costumam apontar a marca de R$ 84 bilhões como o mínimo necessário entre tais despesas para garantir o funcionamento da máquina pública, o que indica que só a manutenção do Bolsa Família em R$ 600,00 já enfrentaria dificuldades para ser acomodada.
Continua depois da publicidade
Há três caminhos à mesa para Lula driblar parcialmente as restrições orçamentárias para a execução de suas promessas para o primeiro ano de mandato. Todas são complexas e cada uma envolve um tipo de obstáculo. Cálculos preliminares indicam que o novo governo buscaria uma licença paga gastar algo em torno de R$ 175 bilhões além das limitações fiscais.
1. PEC da Transição
O caminho mais discutido atualmente é o de viabilizar a liberação de recursos a partir da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição, que já foi batizada de PEC da Transição. Esta seria a alternativa considerada mais segura juridicamente, mas com os maiores desafios políticos.
Por se tratar do instrumento mais alto na hierarquia do processo legislativo, uma PEC tem tramitação complexa no Congresso Nacional. Além de uma série de formalidades (como a aprovação em comissões específicas nas duas casas legislativas), o texto dependeria do apoio de 3/5 em dois turnos de votação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.
Continua depois da publicidade
Faltando menos de dois meses para o início do recesso parlamentar e com muitos deputados e senadores sem mandato para a próxima legislatura, seria um desafio de mobilização nada desprezível a um presidente eleito que ainda não dispõe da caneta.
Como efeito colateral, críticos apontam para um custo elevado de negociação e uma dependência alta no “centrão” antes mesmo do início do novo governo e um empoderamento de Arthur Lira (PP-AL), aliado de primeira hora de Bolsonaro durante boa parte da atual gestão, e que deve buscar a recondução na presidência da Câmara dos Deputados na próxima legislatura.
Esta saída tem sido especialmente criticada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de Lula e adversário político de Arthur Lira em Alagoas. Após a vitória petista nas urnas, o senador esperava ter maior capacidade de influenciar nas decisões do novo governo e reduzir o poder do rival. Calheiros sabe que, caso o presidente eleito opte pelo caminho da PEC da Transição, a possibilidade de uma construção para derrotar Lira nas eleições para a Mesa Diretora no ano que vem tende a diminuir.
Continua depois da publicidade
2. Edição de créditos por Medida Provisória
Uma alternativa seria garantir a liberação de crédito extraordinário (despesa não sujeita às restrições impostas pelo teto de gastos) para o exercício de 2023 − o que poderia ser feito a partir da edição de uma medida provisória. Neste caso, não se esperaria que Bolsonaro lançasse mão da medida para beneficiar seu adversário político, mas a medida poderia ser tomada logo nos primeiros dias de governo Lula.
Politicamente, este seria o caminho mais fácil, já que não dependeria do aval de 3/5 dos deputados e senadores, mas sim de maioria simples dos congressistas. Além disso, as medidas poderiam entrar em vigor imediatamente − apenas a serem referendadas pelo parlamento em um prazo de até 120 dias.
Críticos, no entanto, alertam para riscos jurídicos do movimento. Eles lembram que a Constituição Federal diz que “a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”. No caso em questão, haveria dificuldade de atendimento às exigências legais.
Além disso, se por um lado o crédito extraordinário fica fora das restrições impostas pelo teto de gastos, por outro ele segue contabilizado na meta fiscal e na chamada regra de ouro − que impede a emissão de dívidas pelo governo para bancar despesas correntes. Hoje, a primeira regra permite um déficit de até R$ 65,9 bilhões, que deverá crescer com a incorporação das novas despesas. Para modificá-la, o governo de turno precisaria encaminhar ao parlamento um projeto de lei pedindo a alteração dos valores de referência. O texto precisaria do aval da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e depois do plenário.
3. Remanejamento de despesas
Outro caminho seria negociar o remanejamento de despesas com o relator-geral do Orçamento, neste ano o senador Marcelo Castro (MDB-PI). No caso, a ideia seria convencer parlamentares a abrirem mão de projetos apresentados para a destinação de emendas de modo a substituí-los por prioridades indicadas pelo futuro governo.
Embora simples em termos de tramitação, este seria o caminho mais complexo politicamente, já que dependeria de uma improvável concessão do mundo político. Parlamentares teriam que abrir mão das chamadas emendas de relator (RP9) − instrumento que ficou conhecido como “orçamento secreto” e que deu maior autonomia ao Legislativo em relação ao Executivo.
O impacto fiscal estimado para as emendas de relator no próximo exercício chega perto de R$ 20 bilhões. Apesar de elevado, o montante seria insuficiente para garantir espaço para a execução das medidas planejadas por Lula no primeiro ano de mandato.
Novas discussões
Ciente das dificuldades que enfrentará para aprovar uma licença para gastar além das regras fiscais no Orçamento de 2023, Lula decidiu, na última segunda-feira (7), após reuniões com sua equipe de governo em São Paulo, atrasar a apresentação de sua proposta junto à Comissão Mista do Orçamento.
A ideia é que a equipe da novo governo realize antes uma rodada de conversas com lideranças do Congresso Nacional para avaliar o ambiente político. As articulações serão capitaneadas pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), coordenador-geral da transição, e por Wellington Dias.
Lula também desembarca em Brasília nesta terça-feira (8), pela primeira vez desde a vitória nas urnas, e deverá ter uma série de reuniões com os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber.
Além de pedir apoio para a aprovação dos ajustes no Orçamento de 2023, o novo presidente pretende reassumir formalmente a liderança da articulação política nacional e se apresentar como alguém que irá estimular o diálogo e a harmonia entre os Poderes durante sua gestão. Nos primeiros movimentos do governo eleito, Lula tenta mostrar aos pares que não investirá no confronto nem tentará imposições, mas tentará chegar a construções consensuais.
No caso específico do Orçamento de 2023, a expectativa do mundo político é que a equipe de Lula jogue para cima o valor do “waiver” (a licença para gastar fora do teto de gastos), em um cálculo que se aproxime dos R$ 175 bilhões. O parlamento, porém, tende a forçar o valor para baixo, em algo mais próximo de R$ 100 bilhões, de modo a garantir a necessidade de negociações futuras depois da posse.