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SÃO PAULO – Em depoimento à Polícia Federal no último sábado (2), o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro repetiu as alegações de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) buscou interferir nas atividades da PF e ter acesso a relatórios de inteligência da corporação, e afirmou que o mandatário “pediu” o controle da superintendência da PF no Rio de Janeiro.
“Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro a Moro, por mensagem de WhatsApp, segundo transcrição do depoimento do ex-ministro à PF no inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal). A íntegra do documento foi divulgado primeiro pela CNN Brasil.
Segundo o depoimento, a mensagem teria sido enviada por Bolsonaro no começo de março, quando ele e o então diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Mauricio Valeixo, estavam em missão oficial nos Estados Unidos. Moro disse que chegou a “aventar” com Valeixo a possível troca na superintendência da PF no Rio para “atender ao Presidente” e “evitar uma crise”, mas a resposta do diretor foi que, neste caso, ele não poderia permanecer no cargo.
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O ex-ministro enfatizou em seu depoimento que “não nomeou e não era consultado” sobre o comando das superintendências regionais da PF, o que ficava a cargo exclusivamente de Valeixo. Sobre o que teria motivado o pedido de troca do comando da PF no Rio pelo presidente Bolsonaro, Moro afirmou em depoimento que só o próprio presidente poderia responder sobre isso.
De acordo com o ministro, as pressões de Bolsonaro começaram sobre a Superintendência do Rio de Janeiro, mas depois foram estendidas para a Superintendência de Pernambuco. Moro, no entanto, não falou sobre as possíveis motivações do presidente com as movimentações. Segundo ele, “os motivos da reclamação devem ser indagados ao Presidente da República”.
O ex-juiz da Lava-Jato também ressaltou que todas as indicações feitas às superintendências da PF passavam pelo crivo da Casa Civil e que, em nenhum momento, nomes indicados por Valeixo foram questionados. Segundo Moro, o presidente não tinha o mesmo interesse em mudanças de outras posições na pasta.
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“O presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como por exemplo a Polícia Rodoviária Federal, DEPEN, Força Nacional”, diz. Ele recordou apenas de um episódio, quando Bolsonaro solicitou a revogação da nomeação de Ilona Szabo para o Conselho Nacional de Política Criminal do Ministério da Justiça.
Questionado pelos investigadores se via relação entre as trocas solicitadas por Bolsonaro com a deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao presidente e ao seu grupo político, Moro disse que “desconhecia” a relação e que “não tinha acesso às investigações”.
Por diversas vezes, o ex-ministro disse que não acusou o presidente Bolsonaro de ter cometido crime algum, e que isso “cabe às instituições competentes”. “Quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito” para apurar os fatos, diz o termo de declarações prestadas pelo ex-ministro.
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Troca de comando
Sérgio Moro afirmou também que Bolsonaro queria mudar o comando da Polícia Federal e falava no nome de Alexandre Ramagem – que chegou a ser nomeado na semana passada, mas foi barrado por decisão liminar do ministro Alexandre de Moraes, do STF – para o lugar de Valeixo desde janeiro deste ano.
À época das investidas de Bolsonaro para emplacar o nome de Ramagem para o posto máximo da PF, Moro disse que chamou a atenção do presidente para a possível interferência na corporação, uma vez que não era apontado motivo claro para a saída de Valeixo e pelo fato de Ramagem ser próximo à família do mandatário, e que o movimento poderia gerar desgastes ao ex-juiz e ao próprio governo.
No depoimento, o ex-ministro relata uma série de episórios que indicam uma pressão de Bolsonaro sobre os trabalhos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, especialmente no caso da Polícia Federal.
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“QUE o próprio Presidente cobrou em reunião do Conselho de Ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020 (…) a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e de relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal; QUE o presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e, quanto ao MJSP, se não pudesse trocar o Superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça”, diz o documento.
Um dia antes da publicação da exoneração de Valeixo e nomeação de Ramagem, em 23 de abril, Moro se reuniu com Bolsonaro no Palácio do Planalto. O encontro estava na agenda oficial de ambos. Segundo o ex-ministro, foi nessa ocasião que ele foi avisado sobre a troca de Valeixo por Ramagem, “a pedido, ou de ofício”, porque o novo diretor seria “uma pessoa “de confiança do Presidente, com o qual ele poderia interagir”.
O ex-juiz chegou a sinalizar para a possibilidade de substituir Valeixo, desde que apresentada uma causa (“como uma insuficiência de desempenho ou erro grave”). Moro conta no depoimento que pediu para o presidente reconsiderar e que disse que, se a exoneração se confirmasse, ele “seria obrigado a sair e a declarar a verdade sobre a substituição”. A resposta que ouviu foi que Bolsonaro “lamentava”, mas que a decisão “já estava tomada”.
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Após sair do encontro com Bolsonaro, Moro contou que se reuniu com os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Netto (Casa Civil). Ele disse que alertou os ministros sobre os pedidos de Bolsonaro para obter relatórios de inteligência da PF, e que Heleno teria afirmado que “o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido”.
Moro disse, ainda, que seguia procedimentos adotados por antecessores e compartilhava relatórios de inteligência com o presidente. “QUE a afirmação do Presidente de que não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal não era verdadeira; QUE o Declarante, em relação ao trabalho da Polícia Federal, informava as ações realizadas, resguardado o sigilo das investigações; QUE o declarante, por exemplo, fazia como ministros do passado e comunicava operações sensíveis da Polícia Federal, após a deflagração das operações com buscas e prisões; QUE o declarante fez isso inúmeras vezes e há mensagens de Whatsapp a esse respeito disponibilizadas; QUE , ilustrativamente, isso ocorreu após as buscas e prisões envolvendo o atual Ministro do Turismo e o Senador Fernando Bezerra, mas que essas informações não abrangiam dados sigilosos dos inquéritos”, diz o documento.
Conta o ex-ministro que Bolsonaro “a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico”, o que “gera estranheza que isso tenha sido invocado como motivo da demissão do Diretor Geral da PF”.
Inquérito
O depoimento de Moro faz parte de um inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal, a pedido da Procuradoria Geral da República. A motivação foi a acusação por parte de Moro de que o presidente Jair Bolsonaro teria tentado interferir politicamente na PF — motivo apontado pelo ex-juiz para deixar o governo.
O anúncio sobre sua saída foi feito no último dia 24, logo após o Diário Oficial da União (DOU) ter publicado a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Mauricio Valeixo. Moro disse que não tomou conhecimento prévio da demissão do aliado.
No dia 28 de abril, o DOU publicou a nomeação de Alexandre Ramagem para o lugar de Valeixo. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, no dia 29 de abril, a nomeação de Ramagem.
A decisão liminar atendeu a pedido apresentado pelo PDT, que entrou com mandado de segurança no tribunal alegando “abuso de poder por desvio de finalidade” do presidente Jair Bolsonaro. O movimento do mandatário suscitou uma onda de pedidos de suspensão junto ao STF.
Com a decisão de Moraes, Bolsonaro voltou atrás e anulou a nomeação de Ramagem para o comando da Polícia Federal. E, ontem, ele nomeou Rolando de Souza, aliado de Ramagem, para o cargo.
Os ministros citados por Moro em seu depoimento também serão ouvidos pela Polícia Federal.