Mudança antecipada da meta de inflação ganha força no governo, em meio a “cruzada” de Lula contra BC

Movimento é avaliado como alternativa para viabilizar uma redução em ritmo mais acelerado da Selic, atualmente a 13,75% ao ano

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em reunião no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em reunião no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Diante da série de ataques promovidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e à política monetária conduzida pela autarquia nas últimas semanas, cresce no governo a ideia de uma revisão antecipada das metas de inflação do país.

O movimento é avaliado como alternativa para viabilizar uma redução em ritmo mais acelerado da taxa básica de juros (a Selic), atualmente a 13,75% ao ano – patamar visto como obstáculo para a retomada da economia brasileira e escolhido por Lula como um dos grandes vilões no começo de sua gestão.

A decisão sobre a meta de inflação cabe ao Conselho Monetário Nacional (CMN), integrado pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB); além do próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto.

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O sistema de metas de inflação foi adotado em 1999 para nortear a política monetária brasileira. O objetivo é fixado pelo CMN com três anos-calendário de antecedência, como forma de conferir previsibilidade às políticas econômicas.

Para 2023, a meta estabelecida para a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Nos dois anos seguintes, ela é de 3%, com a mesma margem. A meta de 2026 deve ser definida até junho.

A primeira reunião do CMN desde o início do governo Lula estava marcada para 26 de janeiro, mas foi cancelada sob alegação de não haver deliberações a serem feitas. O encontro está marcado para a próxima quinta-feira (16) e já tem gerado forte expectativa dos agentes econômicos.

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Não é comum que decisões do conselho sejam revistas em reuniões subsequentes, mas as reiteradas críticas de Lula ao atual patamar da taxa de juros tem feito com que integrantes do governo discutam a possibilidade de aumentar a meta para este ano.

De acordo com a emissora de televisão CNN Brasil e o site Metrópoles, Campos Neto teria sinalizado a integrantes do governo apoio a um leve aumento na meta para o IPCA de 3,25% para 3,5% neste ano, a ser discutida na próxima reunião do CMN.

A mudança permitiria o Banco Central trabalhar com uma inflação de até 5% ao final de 2023. Procurado pelo InfoMoney, o BC não quis comentar.

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Lula tem externado frequentemente preocupações com as perspectivas de baixo crescimento neste ano e atribuído boa parte da responsabilidade à Selic tão elevada. Os posicionamentos do presidente, no entanto, têm gerado maior percepção de risco nos mercados, elevando as taxas de juros futuros e mantendo o dólar em patamar superior a R$ 5,00 – o que na prática aumenta a pressão inflacionária.

Em sua primeira entrevista exclusiva após assumir a Presidência da República, Lula questionou a efetividade da autonomia do Banco Central e sugeriu um aumento da meta de inflação.

“Por que o Banco [Central] é independente e a inflação está do jeito que está e o juro está do jeito que está? Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando você faz isso, você é obrigado a arrochar mais a economia para poder atingir aqueles 3,7%. Por que precisava fazer 3,7%? Por que não fazer 4,5%, como nós fizemos?”, indagou.

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A revisão da meta da inflação começou a ser vista no mundo político como um caminho para dar conforto ao Banco Central – que já destacou diversas vezes o ambiente de incertezas fiscais em meio à ausência de clareza sobre o novo arcabouço que substituirá o teto de gastos – para sinalizar uma redução dos juros em futuro próximo.

“A revisão [da meta de inflação] parece de fato estar ganhando corpo para se concretizar em algum momento em breve, antes mesmo da reunião de junho, quando deve ser discutida a meta para 2026. As pressões políticas vindas do próprio presidente, somadas à ansiedade dos agentes econômicos para que haja uma definição pode levar a essa antecipação”, dizem os analistas da XP Política.

As sinalizações repercutem negativamente entre investidores. No início da tarde, às 13h15 (horário de Brasília), o dólar comercial saltava 1,41%, a R$ 5,269 na compra e R$ 5,27 na venda, enquanto o Ibovespa caía 1,22%, a 108.162 pontos, após chegar a atingir os 110 mil pontos na máxima do dia.

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A percepção é que o movimento indicaria consequências da forte pressão de Lula sobre o Banco Central. Em nota a clientes, a Levante Investimentos disse que “parece inevitável, nesse momento, que a solução para o atual desentendimento (entre governo e BC) passe por uma leve revisão nas metas inflacionárias”.

Segundo Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, o comportamento do mercado neste pregão é um exemplo da reação dos agentes econômicos a esse tipo de informação. Se houver de fato uma mudança na meta de 2023 para 3,25% para 3,50%, isso não mudaria muito em relação ao fato do BC conseguir ou não ficar dentro da meta, diz o analista.

“O problema é a sinalização que este tipo de atitude manda. Quer dizer claramente que o governo vai buscar ter uma inflação mais alta, seja tentando influenciar o BC a baixar os juros, seja através de medidas fiscais e parafiscais”, avalia.

Mesmo com a possível mudança, é possível que o Banco Central não tenha o espaço imaginado para iniciar um processo de afrouxamento monetário. Desde que Lula tomou posse, as expectativas de agentes do mercado para o IPCA em 2023, compiladas pelo Relatório Focus, estão subiram de 5,36% para 5,78%.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.