Os 3 fatores que colocaram Bolsonaro e Mandetta em rota de colisão

Ontem, o clima entre os dois esquentou e a permanência do ministro no governo chegou a ficar por um fio

Marcos Mortari

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (Andre Coelho/Getty Images)
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (Andre Coelho/Getty Images)

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SÃO PAULO – O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, balançou, mas por ora está mantido no cargo, a despeito do processo de fritura que tem sofrido no governo federal e das divergências públicas com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Ontem (6), o clima esquentou e sua posição chegou a ficar por um fio. Mas, após participar de reunião ministerial no Palácio do Planalto no fim do dia, ele convocou a imprensa para dizer que permaneceria na Esplanada. E repetiu uma de suas frases de destaque: “Um médico não abandona o paciente”.

“Hoje foi dia que rendeu pouco, ficou todo mundo com a cabeça avoada se eu iria permanecer ou sair. Agradeço muitos que vieram em solidariedade. Gente limpando gaveta, inclusive a minha. Nós vamos continuar, porque continuando nós vamos enfrentar o nosso inimigo, que é a covid-19”, disse.

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Declarações de Mandetta e as posições assumidas pelo Ministério da Saúde têm incomodado Bolsonaro, que chegou a dizer que nenhum de seus ministros é “indemissível” e que “falta humildade” ao subordinado.

No último domingo (5), o presidente disse a apoiadores que “algumas pessoas” do seu governo “de repente viraram estrelas e falam pelos cotovelos”. “Mas a hora deles não chegou ainda, vai chegar a hora deles. Porque a minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta, nem pavor, e ela vai ser usada para o bem do Brasil”, disse.

Nos bastidores, a permanência – mesmo que instável – de Mandetta é atribuída a auxiliares militares do governo – sobretudo o general Walter Braga Netto (Casa Civil) –, além da pressão de parlamentares da bancada da Saúde no Congresso Nacional, assim como os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

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“Sabemos do momento em que está passando o país e sabemos da importância de permanecer e ajudar. Sei de tudo isso. Está todo mundo fazendo sua dose de sacrifício, está todo mundo dando seu quinhão a mais de colaboração. Nós também daremos o nosso até quando formos importantes, nominados, fizermos alguma diferença ou até quando o presidente entender que outra equipe, para outro lado, que não queira esse tipo de trabalho, encontre as pessoas certas, substitua. Mesmo que venha outra equipe, a gente vai ajudar, porque a gente tem compromisso com a vida das pessoas”, disse Mandetta ao final da coletiva de ontem.

Os pontos de atrito com o presidente devem permanecer. Eis os principais deles:

1. Isolamento social

O assunto que mais claramente marcou as divergências entre Bolsonaro e Mandetta certamente foi a adoção da política de uma quarentena ampla. O ministro, assim como autoridades de saúde no mundo inteiro – como a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) – defende que o isolamento social é hoje o instrumento mais eficaz para frear o aumento do número de infectados pelo novo coronavírus.

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A medida é considerada fundamental por especialistas para o chamado “achatamento da curva” da contaminação e evitar uma explosão de casos e o colapso do sistema de saúde, dado o potencial aumento da demanda por atendimento médico e a incapacidade das estruturas atuais em lidar com a situação.

Bolsonaro tem defendido uma flexibilização desta política por acreditar que o que ele chama de “confinamento” deverá trazer graves consequências para a economia, gerar uma convulsão social e minar seu governo. O presidente prefere a adoção do chamado “isolamento vertical”,com a volta às atividades de escolas, empresas e comércios, mas mantendo isolamento aos idosos e pessoas com enfermidades, com a volta às atividades de escolas, empresas e comércios, mas mantendo isolamento aos idosos e pessoas com enfermidades.

Sem citar o presidente, Mandetta disse que tal flexibilização poderá facilitar a propagação do vírus. “A movimentação social é tudo que esse vírus quer. Essa movimentação vai levar o esse vírus para as camadas mais frágeis da nossa sociedade e mais numerosas, para os moradores de rua. Vão levar para as comunidades, as favelas, para as grandes concentrações urbanas”, afirmou na coletiva de imprensa.

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“Vida é vida. Não tem nenhuma pessoa que chegue que não será atendida pelos serviços médicos. Eles precisam ter condições para fazer esse atendimento. Nós não estamos prontos para uma escalada de casos nas nossas grandes metrópoles”, completou.

Ontem, o Ministério da Saúde propôs reduzir parcialmente o isolamento em cidades e estados com metade dos leitos e estrutura de saúde vagos. A medida, que passa a valer na próxima segunda-feira (13), permite que as cidades que atendem a esse critério possam passar do Distanciamento Social Ampliado (DSA) para uma transição ao Distanciamento Social Seletivo (DSS) – similar ao isolamento vertical defendido por Bolsonaro.

2. Uso da hidroxicloroquina

Outro tema de disputa entre os dois envolve o uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. O medicamento é normalmente usado no tratamento da malária e doenças autoimunes, mas há quem defenda sua eficácia no combate à Covid-19.

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Estudos ainda estão sendo desenvolvidos, mas Bolsonaro defende que o medicamento possa ser usado em etapa inicial de tratamento. Mandetta, por sua vez, pede cautela e diz que ainda não há protocolos seguros sobre o uso deste remédio.

O presidente tem dialogado defensores do uso da hidroxicloroquina. Ontem, Bolsonaro teve uma reunião com médicos para falar sobre o uso do medicamento. O jornal O Estado de S.Paulo noticiou que a médica imunologista Nise Yamaguchi foi convidada a integrar o gabinete de crise do Palácio do Planalto criado para monitorar o avanço do novo coronavírus no Brasil.

Na coletiva de imprensa que concedeu à noite, Mandetta disse que, após a reunião ministerial com o presidente, foi pressionado por dois médicos a editar um protocolo para o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 por meio de decreto. O ministro disse que se recusou por falta de bases científicas.

“Me levaram, depois da reunião lá, para uma sala com dois médicos que queriam fazer protocolo de hidroxicloroquina por decreto. Eu disse a eles que é super bem-vindo, os estudos são ótimos”, afirmou sem citar nomes dos médicos.

Mandetta contou que também propôs à dupla um debate com as sociedades brasileiras de imunologia e anestesia. “Chegando a um consenso entre seus pares, o Conselho Federal de Medicina e nós do Ministério da Saúde, a gente entra. A gente tem feito isso constantemente”, disse o ministro.

Uma eventual substituição do comando do Ministério da Saúde também poderia sinalizar uma outra postura diante do uso da hidroxicloroquina no tratamento da doença.

3. Opinião pública

Levantamentos recentes com a população mostram um apoio da maioria a iniciativas de isolamento social e uma melhora na avaliação de governadores que adotaram essas medidas, em detrimento a uma piora nos índices do presidente Jair Bolsonaro, crítico aos movimentos.

O Datafolha revelou, em pesquisa realizada entre 1º e 3 de abril, que 33% avaliam como ótimo ou bom o desempenho do mandatário na crise, ao passo que 39% qualificam a atuação como ruim ou péssima – um salto de 6 pontos percentuais em duas semanas.

Segundo o mesmo levantamento, a avaliação positiva do desempenho do Ministério da Saúde chegou a 76% – uma alta de 21 pontos percentuais na mesma base comparativa de duas semanas. Já os que avaliam negativamente a atuação da pasta de Mandetta caíram de 12% para 5%.

Já os governadores viram suas avaliações positivas avançarem de 54% para 58% no período, e as negativas permanecerem estáveis em 16%. O desempenho é similar ao dos prefeitos, que contam com 50% de nível “ótimo” ou “bom” e 22% de “ruim” ou “péssimo”.

Resultados semelhantes foram apresentados pela pesquisa XP/Ipespe, divulgada na última sexta-feira (3). O levantamento mostrou que a percepção da opinião pública sobre o governo Bolsonaro chegou à sua pior marca, com 28% de avaliações positivas e 42% de negativas.

Os governadores, por sua vez, estão no melhor nível desde o início dos novos mandatos: 44% de avaliações positivas e 15% de negativas. A melhora na percepção das administrações estaduais ocorreu em todas as regiões do país. O Congresso Nacional também colheu uma melhor avaliação, com o nível de “ruim” ou “péssimo” recuando de 44% para 32% em duas semanas, e o “ótimo” ou “bom” subindo de 13% para 18% no período.

A pesquisa também mostra que 80% dos entrevistados veem as medidas de isolamento social recomendadas pelo Ministério da Saúde como a melhor forma de se prevenir e evitar o aumento da contaminação pela Covid-19. A maioria (60%) também discorda total ou parcialmente do chamado “isolamento vertical”.

Os dois levantamentos mostram perda de apoio do presidente em diversas faixas da população, o que acende um sinal de alerta na administração em um momento em que a crise ainda está em sua fase inicial. O melhor desempenho de adversários políticos amplia o nível de preocupação entre o núcleo bolsonarista.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.