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*por Paulo de Tarso Lyra, especial para o InfoMoney
Apesar da crise política que tem atraído a atenção do Congresso Nacional, provocada pelas suspeitas de irregularidades envolvendo a compra de doses da vacina indiana Covaxin e suposta cobrança de propina no Ministério da Saúde por imunizantes, partidos políticos se articulam na busca pela sobrevivência nas eleições de 2022.
A pouco mais de um ano das convenções partidárias e com diversas propostas de reforma eleitoral em discussão na Câmara dos Deputados, legendas se movimentam, anunciam filiações, discutem candidaturas e planejam fusões para superar a cláusula de barreira, mas admitem que o cenário para o pleito ainda é incerto.
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O sinal mais inequívoco dessa imprevisibilidade é o fato de o presidente da República, Jair Bolsonaro, ainda não ter definido por qual partido disputará a reeleição. A confusão no Patriota, provocada pela filiação do senador Flávio Bolsonaro (RJ) e pelas divergências entre o presidente, Adilson Barros, e o vice-presidente, Ovasco Resende, sobre a entrada do mandatário na legenda atrasam o processo e deixam no ar a impressão de que a pacificação interna está longe de acontecer.
A crise provocada pela possibilidade de ingresso do presidente no Patriota é a mesma que levou o chefe do Executivo Federal a deixar o PSL, em 2019. Bolsonaro quer ter o controle total dos cargos e do fundo partidário da legenda à qual se filiar. Esse processo tende a causar naturais incômodos internos, já que os dirigentes têm medo de perder espaço e ascendência sobre o cofre e os rumos da legenda.
Além disso, aliados próximos de Bolsonaro já avisaram que devem migrar para a legenda que ele escolher para disputar o pleito de 2022. Se, por um lado, isso poderia significar boas perspectivas de crescimento para siglas que hoje contam com menos de 10 deputados federais (e consequentemente maior fatia do fundo partidário e densidade política), por outro, tal possibilidade traz preocupações aos atuais eleitos por essas legendas, que não se mostram dispostos a dividir recursos e espaços em seus redutos eleitorais.
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Há dúvidas se o Patriota conseguiria repetir o feito do PSL em 2018, legenda que saiu de 8 deputados federais (sendo apenas 1 eleito em 2014) para 52 eleitos no último pleito, surfando na onda bolsonarista.
O PSL, por sinal, parece cada vez mais distante do capitão reformado. Na semana passada, o presidente do partido, Luciano Bivar (PE), anunciou a filiação do apresentador de televisão José Luiz Datena, em articulação com o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e do ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ). Bivar chegou a indicar a possibilidade de Datena concorrer ao Planalto como alternativa da terceira via, mas o jornalista se sente mais à vontade para disputar o Palácio dos Bandeirantes ou uma vaga para o Senado por São Paulo.
As alternativas não desagradam ao PSL, que montou uma estratégia para atrair nomes de peso e garantir uma boa bancada de deputados federais em 2022 – se possível, repetir o belo desempenho de 2018, mantendo, assim, os fundos eleitoral e partidário robustos por mais quatro anos. “O PSL não exercerá um papel de coadjuvante nas eleições do ano que vem”, assegura Bivar.
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Incertezas não rondam apenas Bolsonaro. Enquanto o mandatário avalia sua futura sigla, partidos pequenos de correntes distintas de pensamento lutam para garantir a própria sobrevivência. Eles enfrentarão novamente o desafio de superar a cláusula de barreira, que desta vez exigirá que as legendas obtenham, pelo menos, 2% dos votos válidos, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação, com um mínimo 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou elegerem pelo menos 11 deputados, distribuídos em, no mínimo, um terço das unidades da federação.
A Rede Sustentabilidade, criada pela ex-ministra Marina Silva, não conseguiu cumprir a regra em 2018, e, desde então, enfrenta dificuldades. “Estamos vivendo, praticamente, na clandestinidade, sem acesso ao fundo partidário. Também fomos impedidos de apresentar nossos candidatos no horário eleitoral durante as eleições municipais”, lamentou a porta-voz do partido, Heloísa Helena.
Ela está ciente dos desafios que o partido enfrentará no ano que vem. “O Brasil é muito grande. Sem dinheiro, será praticamente impossível eleger 11 deputados. Se ao menos tivéssemos acesso ao horário eleitoral, poderíamos nos cotizar para sustentar a campanha, porque estamos acostumados a esse trabalho de formiguinha. Mas precisamos correr atrás de candidatos. Você não quer concorrer, não?”, brincou a ex-senadora com a reportagem.
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Heloisa Helena admite que a Rede tem conversado com outros partidos, como PSTU, PSOL e PCdoB, sobre a possibilidade de se formar uma federação partidária, mas reconhece que nada saiu do papel ainda. Um projeto que trata do assunto tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Pelo texto (PL 2.522/2015), dois ou mais partidos podem se reunir em uma federação e, após registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atuem como se fossem uma única agremiação, mas tendo assegurada a identidade e autonomia das siglas integrantes do bloco.
O projeto também diz que a federação deverá ter abrangência nacional e ser constituída até a data final de realização das convenções partidárias. As siglas reunidas terão de permanecer a ela filiadas por, no mínimo, quatro anos.
Um dos entusiastas da federação partidária é o deputado Renildo Calheiros (PE), integrante do Comitê de Política Nacional do PCdoB. Isto não impede que ele considere a cláusula de barreira uma lei autoritária. “A Constituição Federal prevê que as pessoas possam se unir, livremente, em agremiações partidárias de acordo com suas próprias convicções”, ressaltou.
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Ele acredita que, diante das limitações impostas pela cláusula de barreira, a federação partidária é a melhor alternativa. “Ela vai unir partidos que tenham afinidades e ideologias semelhantes. E estas legendas terão que permanecer unidas, funcionando como um único corpo, durante quatro anos. É diferente das coligações, por exemplo, que atraem partidos apenas durante o período eleitoral”, destacou o ex-prefeito de Olinda (PE). “A federação, com certeza, é um avanço na legislação”, resumiu.
Ele admite, contudo, que será preciso muita conversa e desprendimento para essa aliança, já que a união precisa durar quatro anos, período que incluiria as eleições municipais de 2024. O próprio PCdoB já teve que se desdobrar em 2019, incorporando o PPL para superar a cláusula de barreira, mesmo colhendo os frutos de reeleger Flávio Dino para o governo do Maranhão. E o ano que vem pode ser ainda mais difícil, a julgar por movimento do próprio governador, que trocou a sigla pelo PSB.
Legendas como o PCdoB e a Rede sempre se posicionaram contrárias à cláusula de barreira alegando serem partidos ideológicos, diferentemente de outras siglas chamadas de “aluguel”, criadas apenas para ter acesso aos recursos destinados pela legislação eleitoral.
Outro que se enquadra nesse núcleo ideológico é o Partido Verde. O PV luta para manter a representatividade e a força no debate nacional em meio às adversidades. “A atual crise política brasileira impõe uma pressão grande em defesa da democracia. As agressões à institucionalidade são visíveis todos os dias, a mais grave delas afronta a Justiça e sua representação máxima, o STF. Sem abrir mão das nossas caras questões programáticas ‒ o meio ambiente e o aquecimento global ‒, estamos engajados na luta pela democracia e pelas instituições nacionais”, assegurou o presidente nacional da sigla, José Luiz Penna.
O PV, inclusive, tem procurado, ao lado de outros partidos, encontrar uma alternativa à polarização entre petistas e bolsonaristas. “Nós queremos servir ao país oferecendo uma oportunidade fora desta polarização, que julgamos nociva à discussão política sobre o futuro da população”, justificou.
Penna vê com preocupação alguns tópicos em discussão na reforma eleitoral que tramita na Câmara. “O distritão, por exemplo, é um golpe em toda histórica organização dos partidos no Brasil. Essa aberração, se aprovada, fará com que tenhamos 513 partidos na Câmara Federal”, alertou.
O receio dos partidos com o distritão é justificável. O modelo proposto prevê que cada município ou estado se transforme em um distrito eleitoral. Vencem a disputa os candidatos mais votados em cada um destes redutos. Com isso, os partidos perdem autonomia, uma vez que a eleição se torna majoritária, como ocorre nos casos de disputas para presidente, governador, prefeito e senador.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inclusive, já definiu que, nos casos de eleições majoritárias, o mandato é do candidato eleito, que pode mudar de agremiação política sem incorrer nas acusações de infidelidade partidária. Na prática, isso pode reduzir o poder do partido sobre seus filiados e as condições para líderes de bancada exercerem seu papel.
O PSOL, por outro lado, vive uma história peculiar entre as siglas pequenas do grupo programático. O partido vem crescendo ano a ano. Em 2020, elegeu Edmilson Rodrigues como prefeito de Belém (PA) e disputou, pela primeira vez em sua história, o segundo turno em São Paulo, com Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
O bom desempenho recente deu lugar à preocupação e às disputas internas. Um dos ícones do partido, o deputado Marcelo Freixo (RJ) deixou a legenda e filiou-se ao PSB, de olho nas eleições para o governo do Rio de Janeiro. Internamente, existe um debate se o PSOL deve manter a tradição de candidatura própria ao Palácio do Planalto no ano que vem ou apoiar eventual candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O cientista político e professor do Insper Carlos Melo espera que a proposta de reforma eleitoral mantenha os pontos aprovados pela reforma de 2017, evitando o que ele entende como retrocessos ‒ caso do distritão, da retomada do financiamento privado de campanhas ou da derrubada da proibição das coligações nas eleições proporcionais. Ele não é contrário à federação de partidos. “Ela é uma consolidação da cláusula de barreira, um amadurecimento do texto votado há três anos”, justificou.
Relatora de uma das propostas de reforma eleitoral em discussão no Congresso, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP) aposta que o projeto será aprovado no segundo semestre, a tempo de entrar em vigor nas eleições de 2022. O presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira (PP-AL), quer tentar colocar o texto em votação antes do recesso parlamentar, previsto para 17 de julho.
A deputada aponta algumas mudanças pontuais que podem acontecer em relação às regras vigentes, como a diminuição de assinaturas para projetos de iniciativa popular, a permissão para a realização de plebiscitos durante o processo eleitoral e a inclusão dos senadores no cálculo para superação da cláusula de desempenho. A última poderia beneficiar o próprio Podemos, partido que ela preside. A sigla hoje tem a terceira maior bancada no Senado Federal, com 9 representantes, alguns deles bons puxadores de voto e que terão de submeter-se novamente às urnas em 2022, como Reguffe (DF).
Alguns partidos defendem mudanças em relação às coligações proporcionais, o que já não é mais permitido desde as últimas eleições municipais. “Existem algumas emendas propondo que a regra passe por um período de transição. Embora considere difícil que isso aconteça, alguma legenda pode sugerir que este tópico seja destacado do texto principal”.
Pela regra anterior, os partidos poderiam unir-se nas eleições proporcionais, de modo que o candidato “puxador de votos” de uma legenda poderia ajudar na eleição de postulantes ao mesmo cargo por outras siglas coligadas, ainda que tivessem obtido menos votos do que adversários.
Nas últimas eleições, em São Paulo, por exemplo, o deputado Guiga Peixoto (PSL) foi eleito com 31.718 votos, ao passo que Miguel Haddad (PSDB) ficou de fora mesmo com o apoio de 86.042 eleitores. O primeiro acabou beneficiado pelo bom desempenho de Eduardo Bolsonaro (PSL) no pleito, quando conquistou 1.843.735 votos.
Na prática, a manutenção da proibição às coligações partidárias em eleições proporcionais representa mais um obstáculo para as pequenas e médias siglas superarem as exigências da cláusula de desempenho.
Na reforma eleitoral, a Câmara dos Deputados também se debruça sobre a discussão do voto impresso (ou voto auditável), uma das bandeiras históricas do presidente Jair Bolsonaro.
Renata Abreu acha que a casa está muito dividida sobre o tema, o que não lhe dá segurança para apostar no resultado. Nas últimas semanas, presidentes de 11 partidos se reuniram posicionando-se de maneira contrária à proposta. Sobre a possibilidade de retorno do financiamento privado de campanha, ela é taxativa: “Sem chance”.