SÃO PAULO – O vídeo divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) proibindo novas discussões sobre o Renda Brasil e ameaçando de “cartão vermelho” membros da equipe econômica que defendessem o congelamento do salário mínimo e de aposentadorias e cortes de benefícios pagos a idosos e deficientes não sepultou os debates sobre a construção de um novo programa de renda mínima.
Em menos de 24h, o próprio presidente autorizou o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021 e da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Pacto Federativo, a retomar as articulações para a viabilização do benefício que deverá substituir o Bolsa Família e suceder o auxílio emergencial e resgatou dúvidas sobre como viabilizar financeiramente o movimento.
Este foi um dos assuntos do podcast Frequência Política. programa é uma parceria entre o InfoMoney e a XP Investimentos. Ouça a íntegra pelo player acima.
“Quando Bolsonaro divulgou aquele vídeo, muita gente disse que o programa Renda Brasil tinha sido enterrado. A verdade é que ele não morreu”, observa Júnia Gama, analista política da XP Investimentos.
Para a especialista, o gesto do presidente foi uma forma de se afastar do noticiário tóxico que vinha sendo produzido, em meio à divulgação de estudos da equipe econômica sobre fontes de custeio para o programa. “O Renda Brasil está vivinho. Pode ser com outro nome, pode ser com valor um pouco menor do que o presidente sonha. Mas ele está vivinho e vai ser tocado pelos parlamentares”, diz.
O vaivém ampliou as dúvidas de agentes econômicos e aumentou o nível de atenção com a situação das contas públicas. Na prática, Bolsonaro terceirizou a responsabilidade de encontrar fontes de financiamento do programa para o Congresso Nacional. Do ponto de vista de risco fiscal, a notícia pode significar uma menor participação da equipe econômica no debate e uma maior ameaça ao teto de gastos.
“Os riscos ficais já existiam antes e não foram eliminados. Segue a dúvida de como financiar isso. Havia alternativas e o próprio presidente Bolsonaro foi queimando algumas. Nesta semana, ele acabou enterrando mais uma. E quando você vai tirando essas alternativas de financiamento do programa, sobra o déficit público. Como não se pode fazer gastos acima do teto, teria que eventualmente mudar o teto”, avalia Victor Scalet, estrategista macro da XP Investimentos.
“De alguma forma, aumentam ou perpetuam as dúvidas. Se a discussão for feita no Congresso, a equipe econômica perde poder de tentar influenciar e até mesmo dar sugestões. Quando Bolsonaro coloca isso no parlamento, supondo que o teto de gastos vai ser mantido, alguém tem que falar onde vai cortar. Antes era o governo, o Congresso vai assumir esse ônus?”, questiona.
Na avaliação de Júnia Gama, o episódio reforça um novo momento no governo federal. “O eixo de poder mudou. Paulo Guedes não é mais o superministro que um dia se acreditou que era. Toda negociação precisa primeiro ser equacionada com as lideranças no Congresso para depois ser tocada”, pontua. Ao ministro, agora cabe conter vazamentos na pasta.
Depois dos novos ruídos, a norma no Palácio do Planalto é o silêncio. A bola agora está como os parlamentares. “O que o presidente quer é que o Congresso resolva de onde vai tirar o dinheiro. Ele não quer ficar com a marca de presidente que tirou benefícios dos pobres. Ele quer criar um programa de governo, mas não quer ter o ônus de apontar de onde o dinheiro vai sair”, conclui.
O assunto foi abordado na edição desta semana do podcast Frequência Política. Você pode ouvir a íntegra pelo Spotify, Spreaker, iTunes, Google Podcasts e Castbox ou baixar o episódio clicando aqui.