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A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) divulgou, nesta quarta-feira (1), um estudo sobre os impactos do mecanismo do “cashback” em discussão na Proposta de Emenda à Constituição que trata da reforma tributária dos impostos sobre o consumo (PEC 45/2019).
Na avaliação da instituição, o instrumento seria menos eficiente para a economia do que uma desoneração geral sobre alimentos e produtos de higiene pessoal e limpeza e poderia influenciar negativamente nos níveis de consumo da população sobre artigos de primeira necessidade, afetando a qualidade de vida dos cidadãos.
A versão aprovada pela Câmara dos Deputados continha um dispositivo prevendo hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda, a ser regulamentado posteriormente por lei complementar.
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Tal regra chegou a ser defendida pelo secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, um dos pais da proposta original, como mecanismo para conferir maior progressividade ao sistema brasileiro.
A ideia inicial era que o “cashback” substituísse a desoneração da cesta básica, sob a alegação de que o segundo instrumento provocaria mais distorções e uma política menos focalizada, já que beneficiaria a pobres e ricos igualmente no consumo de produtos sob tal classificação.
No Senado Federal, o relator da matéria, Eduardo Braga (MDB-AM), acatou a sugestão de colegas e incorporou ao texto dispositivo que considera, na definição dos alimentos que compõem a cesta básica nacional, seja hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas, inclusive os limites e os beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda.
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Além disso, o parlamentar criou uma cesta básica estendida, em que está prevista incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), mas com alíquota reduzida de 40% do percentual de referência, e, concomitantemente, devolução dos valores recolhidos apenas às famílias de baixa renda.
“Ineficiência”
No estudo divulgado sobre o “cashback”, a Associação Brasileira de Supermercados mostrou que o instrumento pode acarretar elevação generalizada de preços em um primeiro momento para viabilizar a posterior devolução do tributo pago por algumas faixas da população.
Como resultado, a instituição alerta para risco de redução do nível de consumo e problemas na implementação do modelo, com chances de fraudes e não atendimento à toda população vulnerável pretendida.
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“A cesta básica isenta é infinitamente mais eficiente como distribuição de renda do que o cashback. Contudo, não nos opomos que a cesta estendida seja acrescida desse benefício (como proposto pelo relator, o senador Eduardo Braga)“, ponderou João Galassi, presidente da Abras, em entrevista coletiva concedida na manhã desta quarta-feira (1).
“O cashback não é o melhor instrumento da política social. Na avaliação da Abras, a desoneração total da cesta básica seria muito mais benéfica para a população de baixa renda. O cashback não atenderá uma parte da população vulnerável, onerando esse grupo com mais tributos por meio dos produtos que eventualmente tenham aumento de preço com o aumento da carga tributária, como alguns tipos como carnes e hortifruti”, continuou.
No estudo contratado pela associação, o economista Paulo Rabello de Castro, que foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), destacou que as faixas com renda per capita alta (acima de R$ 7.181,00) ou muito alta (R$ 15.332,00) representam apenas 4% e 2% da população, respectivamente. Os dois grupos gastam, nesta ordem, R$ 16 bilhões e R$ 11,9 bilhões com esses produtos por ano, gerando uma apropriação de benefícios de R$ 1,71 bilhão e R$ 1,28 bilhão em caso de aplicação de isenção.
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Para título de comparação, os dois quartis de renda mais baixa da sociedade brasileira acumulam gastos de R$ 40,8 bilhões e R$ 38,7 bilhões com produtos da cesta básica em um ano, e geram apropriação de isenção de R$ 4,30 bilhões e R$ 4,11 bilhões, respectivamente. Somados, eles respondem por pouco mais da população de renda média baixa toda.
Isso tudo, sustenta o economista, mostra que seria pouco eficiente criar regras diferenciadas para garantir uma tributação das populações de maior renda, que correspondem a um grupo menos representativo do total de consumidores de produtos da cesta básica.
Além disso, ele argumenta que o mecanismo de “cashback”, por tributar primeiro para depois garantir alguma devolução a grupos específicos da sociedade, poderia culminar em uma elevação sensível nos preços e prejudicar os hábitos de consumo de parte da população.
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“Quando falamos em cashback, não estamos falando só em um ganho. Primeiro estamos falando em um prejuízo, em uma oneração, perda de poder aquisitivo, na ordem de R$ 26 bilhões, para depois dar um cashback num quantitativo”, sustentou.
“No caso da desoneração, há uma queda de preços, e, portanto, há um efeito que empurra a quantidade consumida para a frente. Ou seja, num caso de desoneração é promovida mais alimentação, as pessoas comem mais, comem melhor, e, pelo efeito renda, que na verdade é até inferior em termos de proporção de impacto ao efeito preço, as pessoas também comem um pouco mais”, disse.
Considerando a possibilidade de tributação integral dos produtos da cesta básica e aplicação do “cashback” para todo o imposto cobrado sobre a população de baixa renda em uma cesta de 25 produtos alimentícios, conforme desenho original da proposta em discussão (e que foi abandonado ao longo da tramitação no parlamento), Rabello de Castro estima que um Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) com alíquota de 25% provocaria uma queda de consumo de 10,4% e um aumento de 11,6% nos preços. Como comparação, ele estima que a aplicação da desoneração para os produtos considerados reduziria em 7,9% os preços e poderia gerar um aumento na quantidade consumida de 8,6%.
Também presente na entrevista coletiva, o economista Roberto Giannetti da Fonseca concordou com a avaliação e disse que a tributação sobre o consumo não deveria ser utilizada para gerar efeitos distributivos, com tratamento diferenciado entre cidadãos − o que, na sua avaliação, deveria ser função da tributação sobre a renda.
“Falar que esse cashback vai resolver a redistribuição de renda no Brasil é de um absurdo, que está fundamentalmente equivocado”, criticou.
“Alguém já calculou como vamos organizar para fazer essa distribuição permanente de dinheiro, como se faz pelo Bolsa Família? Criando um novo Bolsa Família, com todos os riscos de fraude, de desvios e esse risco oneroso de distribuir aquilo que não devia ser arrecadado”, alertou.
“Desonerar a cesta básica é a melhor e mais eficiente forma de atingir de forma simples uma regra que vai beneficiar a população brasileira como um todo, sem discriminação, sem ideologia”, sustentou.
Durante a entrevista coletiva, João Galassi foi enfático sobre a preferência da Abras pela ampliação da desoneração em detrimento ao instrumento do “cashback”, mas disse que a instituição não fará oposição ao desenho construído pelo relator da proposta no Senado Federal.
“Se nós transformássemos esse cashback em uma redução um pouco maior [de impostos na cesta estendida], seria muito mais eficiente. Nós não precisaríamos de cashback nenhum. Simplesmente poderíamos ser mais efetivos reduzindo ainda mais a cesta estendida”, disse.
“A desoneração é muito mais eficiente do que qualquer cashback”, pontuou.
Carga tributária
Apesar de apoiar o parecer apresentado pelo relator da matéria no Senado Federal, a Abras chamou atenção para a necessidade de acompanhamento da discussão que deverá vir após a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pelo Congresso Nacional.
Isso porque ficou para a definição por lei complementar da lista de produtos que farão parte da cesta básica isenta e aqueles que receberão tratamento diferenciado com aplicação de benefício de 60% em relação à alíquota padrão.
Durante a conversa virtual com jornalistas, o presidente da instituição, João Galassi, admitiu haver um risco teórico de aumento de carga tributária ao consumidor, dependendo de como forem distribuídos os produtos entre as duas cestas básicas.
Um risco, neste caso, seria os parlamentares inflarem a cesta básica estendida, que poderia aumentar o alcance do “cashback” e provocar uma elevação de preços sobre alguns produtos em um primeiro momento nas gôndolas.
“O aumento da carga tributária poderá ocorrer, dependendo da alíquota total do IVA, que ainda não está definida e poderá variar de 25% a 30%, conforme dados divulgados por inúmeras consultorias, e da composição dos itens que estão em cada uma das cestas”, disse.
“Se a carne bovina estiver na cesta isenta, estaremos beneficiando os consumidores com uma redução de impostos. No entanto, se estiver na cesta ampliada, estaremos aumentando os impostos em 30%”, continuou.
“Por isso, a Abras continuará trabalhando para apresentar dados ao Congresso e ao governo durante a regulamentação da reforma tributária, por meio das leis complementares que garantam um equilíbrio para os consumidores e não onere os tributos atuais”, afirmou.
A entidade defende que a cesta básica isenta tenha 25 produtos:
Proteínas
Carne bovina
Carne de frango
Carne suína
Ovos
Peixe
FLV
Frutas
Legumes e verduras
Laticínios
Leite UHT
Queijos
Leite em pó
Iogurte
Leite fermentado
Manteiga
Massas e farinha
Pão francês
Massas alimentícias
Farinha de mandioca
Farinha de trigo
Farinha de milho
Cereais e leguminosas
Arroz
Feijão
Outros
Café
Açúcar
Óleo de soja
Óleo vegetal
Margarina
Já a cesta básica estendida também contaria com outros dez produtos:
Higiene pessoal
Sabonete
Papel higiênico
Creme dental
Fralda descartável
Absorvente higiênico
Produtos de higiene bucal
Limpeza
Detergente
Sabão em pó
Sabão em barra
Água sanitária