STF permite que Estado imponha medidas restritivas a quem não se vacinar contra Covid-19

Por dez votos a um, ministros entendem que vacinação compulsória é inconstitucional, mas que governos podem adotar medidas no sentido da obrigatoriedade

Equipe InfoMoney

Fachada do STF, em Brasília
Fachada do STF, em Brasília

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SÃO PAULO – O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (17), a aplicação de medidas restritivas para cidadãos que se recusarem a se vacinar contra o novo coronavírus. Por dez votos a um, os magistrados entenderam que a imunização forçada é proibida, mas permitiram que a União, os estados e municípios aprovem legislações com ações no sentido da obrigatoriedade da vacinação.

Ontem (16), o relator das duas ações em discussão sobre o assunto, o ministro Ricardo Lewandowski, defendeu que a vacinação compulsória é inconstitucional, mas que poderiam ser adotadas “medidas indiretas”, como a vedação para o exercício de determinadas atividades ou que se frequente determinados lugares.

Hoje, a carteira de vacinação em dia é exigida para a matrícula em escolas e pagamentos de benefícios sociais. Com a decisão do plenário do tribunal, ações que sigam a mesma lógica poderão ser implementadas no caso da Covid-19.

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“É nesse contexto, amplificado pela magnitude da pandemia, que se exige mais do que nunca uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, sobretudo mediante a implementação de programas universais de vacinação. Portanto, aqui é importante estabelecer desde logo, não é uma opção do governo vacinar ou não. É uma obrigação do governo, não uma faculdade”, disse.

“A obrigatoriedade da vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto é levada a efeito por meio de sanções indiretas”, ponderou em seu voto. Para Lewandowski, é necessário consentimento da pessoa para a vacinação.

O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Luiz Fux.

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Na prática, a posição foi comparada por magistrados à questão da obrigatoriedade do voto no país. Apesar da exigência para eleitores alfabetizados e com idade entre 18 e 70 anos, ninguém pode ser forçado a comparecer à seção eleitoral. Mas o eleitor que não votar e deixar de justificar a ausência poderá estar sujeito a sanções, como o impedimento em participar de concursos públicos ou até mesmo obter passaporte e renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo.

“É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico”, disse o ministro Luís Roberto Barroso.

“O Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade. A vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros”, completou.

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“O egoísmo não é compatível com a democracia. A Constituição não garante liberdade a uma pessoa para ela ser soberanamente egoísta. É dever do Estado, mediante políticas públicas, reduzir riscos de doenças e outros agravos, adotando as medidas necessárias para proteger a todos da contaminação de um vírus perigoso”, afirmou Cármen Lúcia.

O ministro Kassio Nunes Marques foi voto vencido, ao argumentar no sentido de que a vacinação obrigatória é constitucional, mas que depende de “prévia oitiva” do Ministério da Saúde e que só pode ser usada como “última medida”. “Esta [a vacinação obrigatória] deve ser medida extrema, apenas para situação grave e esgotadas todas as formas menos gravosas de intervenção sanitária”, afirmou.

Todos os magistrados, no entanto, entenderam que governadores e prefeitos gozam de autonomia para impor a obrigatoriedade da vacinação, mantendo o tom das decisões adotadas pelo próprio tribunal desde o início da pandemia – que reduziram poderes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A nova decisão representa mais uma derrota para o mandatário no tribunal.

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No mesmo julgamento, o plenário também decidiu, por unanimidade, que os pais não podem deixar de vacinar os filhos menores de idade por convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. Os magistrados entenderam que o direito à saúde de crianças e adolescentes se sobrepõe à liberdade de convicção ou crença dos pais.

As ações

Os ministros analisaram duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Uma delas é de autoria do PDT (ADI 6.586), apresentada em 20 de outubro, no contexto das declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no sentido de que não haveria obrigatoriedade para a vacinação contra covid-19 no país.

O partido defende a competência de estados e municípios para a “realização compulsória da vacinação e outras medidas profiláticas no combate à pandemia de covid-19, desde que as medidas adotadas, amparadas em evidências científicas, acarretem maior proteção ao bem jurídico transindividual”.

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Os advogados da sigla argumentam que tal entendimento estaria amparado em decisão recente do STF que confirmou competência dos entes subnacionais em ações de enfrentamento à pandemia, e na Lei nº 13.979/2020, que trata das medidas de emergência sanitária.

Eles citam o seguinte trecho da lei:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)

I – isolamento;

II – quarentena;

III – determinação de realização compulsória de:

(…)

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

(…)

§1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.

(…)

§ 5º Ato do Ministro de Estado da Saúde:

I – disporá sobre as condições e os prazos aplicáveis às medidas previstas nos incisos I e II do caput deste artigo; e

(…)

§ 7º-A. A autorização de que trata o inciso VIII do caput deste artigo deverá ser concedida pela Anvisa em até 72 (setenta e duas) horas após a submissão do pedido à Agência, dispensada a autorização de qualquer outro órgão da administração pública direta ou indireta para os produtos que especifica, sendo concedida automaticamente caso esgotado o prazo sem manifestação.

I – pelo Ministério da Saúde, exceto a constante do inciso VIII do caput deste artigo;

II – pelos gestores locais de saúde, desde que autorizados pelo Ministério da Saúde, nas hipóteses dos incisos I, II, III-A, V e VI do caput deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)

III – pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses dos incisos III, IV e VII do caput deste artigo.

A outra ação é de autoria do PTB (ADI 6.587), apresentada um dia depois e que vai em sentido oposto. A sigla defende a inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso III, alínea “d” da lei referida, “por colocar em grave risco a vida, a liberdade individual dos indivíduos e a saúde pública da coletividade”.

Os advogados do partido pedem que, caso o trecho não seja declarado inconstitucional, os ministros deem nova interpretação, evitando a vacinação compulsória. Eles afirmam inexistir segurança quanto aos efeitos colaterais dos imunizantes e certeza sobre eficácia e dizem que “assumidamente diversas etapas obrigatórias (…) deixaram de ser realizadas”.

Também estava na pauta do plenário a discussão sobre Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 1267879), sobre se o Estado pode obrigar os pais a vacinarem os filhos menores de idade, independentemente de suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.