“Variáveis da pandemia deveriam ter sido a bússola da Economia, e não a frieza dos números”, diz Mandetta

Para ex-ministro, governo minimizou medidas de combate à Covid-19, produziu ações descoordenadas e, com isso, aprofundou impactos econômicos

Marcos Mortari Nivaldo Carboni

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SÃO PAULO – O governo Jair Bolsonaro minimizou diretrizes estabelecidas pelo próprio Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus e tomou decisões econômicas equivocadas por desconsiderar variáveis sanitárias na análise de cenários e no desenho de políticas.

A leitura é de Luiz Henrique Mandetta, que comandou a pasta até abril de 2020, quando foi demitido em meio a divergências públicas com o presidente. O ex-ministro participou de live promovida pelo InfoMoney na última quinta-feira (6) – dois dias após prestar depoimento à CPI da Pandemia. Assista a íntegra da entrevista pelo vídeo acima.

Para Mandetta, ao tentar priorizar a economia em meio à crise sanitária, o governo abandonou medidas importantes no combate à Covid-19, produziu ações descoordenadas e provocou impactos ainda mais severos sobre a atividade econômica.

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“Acharam que a doença ia durar dois ou três meses. Acharam que aquilo faria uma imunidade de rebanho, rápido. E, tendo a imunidade de rebanho, a doença ia embora. Calculou-se um valor para o auxílio, imaginando que iriam dar por três ou quatro meses. Quando chegou em dezembro, suspendeu. Nós ficamos quatro meses com desemprego lá em cima e as pessoas passando fome por cálculo errado da Economia”, afirmou.

Em um contexto de pandemia, em que a dinâmica da disseminação do vírus é variável fundamental para a definição do comportamento da economia, Mandetta acredita que o Ministério da Saúde teria sido o principal aliado do ministro Paulo Guedes (Economia).

“Quem mais poderia auxiliar o ministro da Economia para a tomada de decisões seria o Ministério da Saúde. Para falar quanto tempo ia levar, qual era a capacidade do sistema, quantas vezes poderíamos entrar em colapso, qual era a capacidade da indústria de produzir medicamentos, respiradores, EPIs, abrir leitos, quantos especialistas temos, quantos médicos, enfermeiros e fisioterapeutas perderíamos no caminho”, disse.

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“Esses cálculos, que não são comuns para a Economia ‒ quando há uma epidemia em que você está falando de vida ou morte, direito de viver ou morrer ‒, deveriam ter sido a bússola do Ministério da Economia, e não a frieza dos números”, pontuou.

“A Economia tem que entender que está a serviço do quadro social. Ela não pode ser apenas o número. Então, ela tem que vir junto com decisões tomadas convergentes com a solução da origem do problema”, reforçou.

Na avaliação do ex-ministro, erros cometidos pela equipe econômica deverão produzir efeitos no futuro. “As maldades na economia hoje você paga o preço daqui a dois, três anos. Vamos ver a taxa de juros de longo prazo subir, teremos um buraco enorme no Orçamento para cobrir”.

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Mandetta também diz que os cinco principais eixos desenhados pelo Ministério da Saúde em sua gestão foram negligenciados: 1) prevenção, com medidas não farmacológicas (distanciamento social, uso de máscaras, lavagem de mãos); 2) testagem e monitoramento de contatos; 3) atendimento, a partir da ampliação e do abastecimento das unidades hospitalares; 4) vacinação; 5) comunicação aberta com a população.

Para ele, atitudes de Bolsonaro ‒ como a recomendação e distribuição de cloroquina para o tratamento da Covid-19, mesmo com estudos científicos apontando para sua ineficácia, e o desrespeito às recomendações de uso de máscara e distanciamento social ‒ tiveram papel relevante sobre a dinâmica da epidemia no País.

As condutas podem, ainda, ter minado os efeitos de iniciativas lançadas para fazer frente aos efeitos econômicos e sociais da crise. “Quando você faz o auxílio [emergencial], você o faz por um motivo. ‘Isso aqui eu vou lhe dar para que você ajude o país a não ter contaminação, a ter que ficar em casa, a fazer sua parte nessa história. Não é um dinheiro que estou lhe dando porque a saúde não está deixando você trabalhar, esse dinheiro é para você fazer as coisas básicas da sua casa, já que vai ter dificuldade’”, argumentou.

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“Quando você faz da maneira como foi feita, você faz o gasto que fez na economia e não colhe o resultado de prevenção. O país tomou decisões de fechamento, por parte de prefeitos e governadores, mas sempre a reboque do vírus”, criticou.

Mandetta também criticou a postura de Guedes em relação aos pequenos empresários. “Pensam muito na economia, em fazer reparação aos grandes conglomerados, mas o microempresário, o pequeno que foi duramente atingido, voltam seus olhos e não encontram nessa burocracia portas de saída para a crise. A pandemia tem que olhar como cada um foi atingido e o que podemos fazer para nos preparar, porque é uma loteria biológica”.

Mas o principal motivo do atraso do País na luta contra a Covid-19, diz o ex-ministro, talvez seja a forma como foi conduzido o programa de imunização, com o ingresso tardio na busca por imunizantes. “A segunda onda que assistimos, que paralisou tudo, morreu muita gente, é fruto dessa decisão equivocada”.

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“O Brasil perdeu o timing. Queimamos um semestre. Enquanto o mundo agora se prepara para abrir, nós ainda vamos pagar um preço por um tempo de imaturidade que tivemos no processo de escolha”, lamentou.

Para Mandetta, Bolsonaro sairá da pandemia marcado como figura que dividiu a sociedade, não foi capaz de se comunicar adequadamente com a população e aprofundou as incertezas provocadas pela crise.

“Quando você tem um problema de grande dimensão é que você observa o líder. Você não mede um líder em situações normais”, disse.

“Acho que o presidente fica marcado como uma pessoa incapaz de liderar. É o que vai restar provado. E isso politicamente já se reflete em pesquisas. Quando se faz uma pesquisa sobre liderança, o presidente é muito mal avaliado porque lidera mal”, concluiu.

Eleições de 2022

Cotado como possível candidato do “centro” nas próximas eleições presidenciais, Mandetta acredita que o quadro que hoje aponta o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com ampla vantagem sobre os adversários reflete um “recall”, já que este é candidato à reeleição e aquele comandou o país por dois mandatos. “Os dois começam do teto”, argumenta.

Para ele, os que hoje dão como certa uma reedição da última corrida presidencial “vão cair do cavalo”. “Não por causa de mim, mas por causa do povo. O povo está querendo saber o que está nesse cardápio. Acham que vão abrir a boca da sociedade e enfiar suas agendas”.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.