2016 foi crítico, mas o fundo do poço chegou? O futuro é incerto para a Ambev

Após um dos anos mais desafiadores da sua história,  Ambev busca recuperação em 2017 - mas analistas divergem se isso acontecerá 

Lara Rizério

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Publicidade

SÃO PAULO – Os números superlativos da gigante do setor de bebidas não deixam enganar. A antes queridinha dos analistas e exemplo de resiliência na Bolsa, a Ambev (ABEV3) decepcionou com o balanço do quarto trimestre de 2016, reforçando o que já se sabia: o ano que passou não foi nada fácil para a companhia. Com isso, os papéis chegaram a desabar cerca de 4% na Bovespa na sessão desta quinta.

O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) da companhia ficou em R$ 6 bilhões, queda de 25% na comparação anual e 11% abaixo do consenso, resultando em queda de 6,8 pontos percentuais na margem Ebitda (Ebitda/receita líquida). O lucro líquido, apesar de subir 13,5%, também veio abaixo do consenso, atingindo R$ 4,8 bilhões. Já a receita líquida caiu 13,9% na mesma base, para R$ 13,2 bilhões.

A operação brasileira, por sinal, foi o destaque negativo do balanço da sua controladora, a AB Inbev que, inclusive, cortou os bônus de executivos após o balanço abaixo do esperado. O resultado nacional ofuscou parcialmente os ganhos com a maior participação do segmento premium e elevação nas receitas por hectolitro. A companhia no País apresentou queda de 7% nos volumes e aumento de 20% no custos de venda (excluindo depreciação).

Continua depois da publicidade

No balanço, a Ambev não escondeu os desafios enfrentados no ano passado: “2016 provou ser um dos anos mais desafiadores de nossa história”, disse ela. Segundo a companhia, o sólido crescimento das operações internacionais foi compensado pelo desempenho fraco no Brasil e na Argentina, onde o “cenário macroeconômico desafiador continuou a pressionar os consumidores”.

De acordo com o BTG Pactual, o quarto trimestre mostrou ainda mais provas do desafio da empresa de crescer suas receitas, em meio à queda do preço e do volume das cervejas. “Nós acreditamos que a companhia capitulou com o forte aumento de preços implementados nos últimos anos e deu um passo atrás para reverter a queda da participação de mercado”. Em 2016, a companhia teve uma fatia de 66,3% do mercado, queda de 120 pontos-base na comparação anual e abaixo do intervalo “ideal” entre 67% e 69%. Isso apesar de iniciativas  como as garrafas minirretornáveis de 300 mililitros.

“Ultimamente, nós acreditamos que a Ambev pode estar perdendo espaço em alguns importantes canais”, afirma o BTG, destacando a questão: o maior ambiente de competição e a recessão são as culpadas ou o menor valor da marca e a mudança nos hábitos de consumo também são fatores importantes?

Continua depois da publicidade

Além disso, pela primeira vez em anos, a Ambev não ofereceu seu guidance anual de receita, o que é um sinal ruim. “Contudo, os comentários da administração deixam claro que 2017 será um ano com foco na recuperação de participação de mercado e volumes”, afirmam os analistas. Com isso, a expectativa é de que os preços continuem baixos na base anual, particularmente no primeiro semestre deste ano. Já para as despesas, a Ambev espera um difícil primeiro semestre, com melhora na metade final de 2017. “Enquanto isso sinaliza alguma recuperação de margem durante o ano, ainda coloca em risco a nossa previsão para a alta da relação dos COGS (custos de bens vendidos) sobre o hectolitro, de um dígito”, afirmam os analistas.

Desta forma, eles não veem sinais de melhora e que o fundo já chegou, o que leva o banco a seguir com recomendação neutra para os ativos, com preço-alvo de R$ 18,50 por ação. Os efeitos do preço mais fraco devem persistir, impedindo um crescimento mais saudável da receita.  Embora as margens provavelmente aumentem em 2017 por conta dos hedges cambiais, a expectativa ainda é baixa.

Otimismo? Longo prazo dirá

Continua depois da publicidade

Por outro lado, a XP Investimentos aponta um cenário mais otimista (ou menos pessimista) para a companhia. “Em nossa visão, já era esperado que a empresa reportasse números fracos. Embora levemente abaixo do consenso, as operações brasileiras ainda possuem 66% de participação de mercado, e podem ganhar um fôlego no curto-prazo com a recém-anunciada aquisição da Kirin pela Heineken. Além disso, a empresa continua sendo uma forte geradora de caixa, e segue aderindo às estratégias comerciais já anunciadas, além de ter aumentado investimentos em marketing. Com a retomada da atividade econômica, acreditamos que a empresa esteja bem posicionada para retomar rentabilidade”, afirmam os analistas. Contudo, eles seguem fora do ativo, destacando que o papel segue negocio a múltiplos extremamente elevados.

Outro com visão mais “bullish” para o case da empresa é o Bradesco BBI, que possui recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) e preço-alvo de R$ 21,00, destacando também a melhora do ambiente de preços com a venda da Brasil Kirin, a menor pressão de custos e ganhos de longo prazo com a estratégia de garrafas retornáveis.

Alívio ou aperto?

Continua depois da publicidade

Um dos pontos analisados de perto pelo mercado e já destacada acima, a venda da Brasil Kirin para a Heineken foi vista por muitos como um fator de alívio no curto prazo.  E isso por um razão bem simples: uma guerra menor de preços. “A aquisição pode até ser positiva para a Ambev no curto prazo, diminuindo a briga em relação a ‘guerra de preços’ no segmento off-trade (lojas, onde as bebidas são compradas para consumo fora delas), já que é provável que a Heineken adote uma abordagem mais racional com os preços praticados”, ressaltou o Bradesco BBI em relatório de janeiro.

Contudo, se o cenário  para a Ambev parece ser bom no curto prazo, ainda há dúvidas sobre os seus efeitos num prazo mais longo. Apesar de ressaltar que o negócio entre a Heineken e a Kirin poderia ajudar a restaurar a racionalidade de preços no mercado e a Ambev poderia tirar alguma vantagem de curto prazo, o Credit ressaltou, por exemplo, que um dos mais intrigantes aspectos é como a companhia reagirá a expansão da Heineken no segmento mainstream (faixa intermediária).

Desta forma, a Ambev deve enfrentar uma série de desafios para se recuperar em 2017. E até o que poderia ter efeito benéfico para a empresa no curto prazo pode se traduzir em um desafio adicional em um horizonte de tempo mais longo.

Autor avatar
Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.