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Diários de traders: investidores falam dos desafios e das alegrias de viver de operações de curto prazo na Bolsa

O cotidiano envolve estudo, controle emocional e disciplina para evitar perdas. Conheça um guia de boas práticas

Mariana Segala

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SÃO PAULO – Um engenheiro mecânico demitido da indústria automotiva após 20 anos de carreira. Uma física médica por formação, analista de TI por profissão – e desencantada com as duas áreas. Um autônomo que vivia de construir e vender casas de luxo no litoral paulista. Um funcionário público curioso pelo mercado de capitais.

Os quatro têm origens, experiências e faixas etárias distintas entre si. O ponto em comum é o mercado financeiro: nos últimos anos, eles se tornaram traders, investidores focados em operar na Bolsa com frequência, tentando aproveitar a volatilidade dos ativos para obter ganhos.

Além da atividade, que é responsável por ao menos parte da sua renda mensal, os quatro traders aprenderam na prática que não dá para ter uma visão romantizada do mercado financeiro.

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“Na verdade, estou mais preocupada em não perder do que em ganhar muito”, conta Ariane Campolim, a física médica. Aos 30 anos hoje, sua vida na Bolsa começou há cerca de três. Embora graduada em uma área ligada à saúde, trabalhava como analista de tecnologia da informação (TI) em um banco.

Sem muito gosto pelas áreas que já conhecia, Ariane saiu do banco e, com a rescisão disponível, quis aprender a investir. Por seis meses, fez curso atrás de curso. Gastou R$ 30 mil em treinamentos antes de encontrar um em que sentia estar realmente aprendendo. Conforme a confiança no próprio taco cresceu, passou a se dedicar cada vez mais aos trades, focados em operações com mini-contratos de Ibovespa e de dólar. Atualmente, além de trader, é criadora de conteúdo da corretora Clear.

É preciso acumular “horas de tela”

Os mini-contratos, especificamente os de dólar, também são o objeto dos trades de Daniel Sallum, o engenheiro mecânico. Ele, que já investia em ações para o longo prazo, perdeu o emprego no auge da crise que atingiu o Brasil a partir de 2014. Curioso pelo mercado financeiro, aproveitou o período em que buscava recolocação para estudar sobre operações baseadas em análise gráfica e com contratos futuros.

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Daniel Sallum (Arquivo pessoal)

Era para ser temporário. Mas as oportunidades na indústria automotiva se tornaram cada vez mais escassas – e nenhuma que brilhasse os olhos de Sallum apareceu.

Dois anos depois dos primeiros trades, ele dedicava metade do dia à Bolsa e a outra metade a um novo negócio, como representante comercial de uma empresa de peças automotivas. Só que a primeira metade rendia mais que a segunda. Em 2018, virou trader em período integral.

Foi sentindo no bolso – e na cabeça – que Sallum descobriu que não é sempre que se ganha no mercado. Aliás, um levantamento realizado pelos pesquisadores Fernando Chague e Bruno Giovannetti, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), sugere que é raro ter consistência nos ganhos. Entre as pessoas que fazem day trade – operações com os mesmos ativos que começam e terminam no mesmo dia -, menos de 5% conseguem ganhos brutos acima de R$ 10 mil por mês.

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“Não percebi de imediato, mas quando passei a viver de Bolsa o mercado estava mudando”, conta Sallum. A volatilidade aumentava, e ele ainda não estava preparado para isso.

Os stops – ordens programadas para encerrar uma operação quando o ativo atinge uma determinada cotação – já não funcionavam tão bem. As “violinadas” – movimento brusco do ativo na direção contrária à esperada pelo investidor, deflagrando um stop e gerando prejuízo, seguido por um retorno dos preços logo na sequência – se tornaram frequentes.

Como reverter as marés de maus resultados? Não há outro remédio que não “horas de tela”, diz Sallum – uma alusão às horas de voo necessárias para ser um piloto de avião. “É o que dá a sensibilidade para entender as mudanças do mercado e para adaptar as estratégias”, afirma.

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Situações como essas o levaram a perceber que, de tempos em tempos, é preciso diminuir a mão, estudar melhor o momento de entrar em um trade e planejar a saída com mais atenção.

É comum que os traders sintam dificuldades para estabelecer stops corretos quando não seguem à risca a estratégia que escolheram para operar, diz Eduardo Geraldini, professor de cursos de trading da Xpeed, escola de educação financeira e empreendedorismo.

“Muitas vezes, os investidores fixam o stop pensando no valor financeiro que estão dispostos a perder, e não nas condições que o mercado apresenta”, diz. Um dos elementos essenciais para observar é a volatilidade – quando ela cresce, pode ser necessário aumentar a amplitude do stop para evitar “violinadas” como as descritas por Sallum.

90% transpiração, 10% inspiração

Para Alex Carvalho, o funcionário público, a maré ruim chegou logo. Era 2017 e ele, que tinha descoberto o day trade enquanto estudava sobre o mercado financeiro para investir melhor as economias, decidiu arriscar suas primeiras operações na Bolsa. Em uma semana, ganhou o equivalente a três meses de salário – e perdeu metade no primeiro dia de negociação da semana seguinte.

Alex Carvalho (Arquivo pessoal)

“Ganhar logo de imediato é o pior início que um trader pode ter, porque cria a falsa sensação de que o mercado é sempre fácil e lucrativo”, conta Carvalho. Ele percebeu que precisava focar mais no estudo do mercado e na precisão das operações para sair do negativo. Por mais um ano e meio, ficou no zero a zero, oscilando entre perdas e ganhos.

Os resultados positivos começaram a predominar só dois anos depois das primeiras tentativas. “No mercado, o mais difícil não é ganhar em um ou dois pregões. O que interessa é a consistência, de modo que o mês ou o ano fechem no positivo também”.

Hoje, aos 31 anos, Carvalho conjuga os trades com o trabalho como servidor técnico-administrativo em uma universidade federal. “Isso me dá a segurança de ter as contas do mês pagas. A Bolsa é uma renda extra para mim”.

Nem sempre elas são contadas, mas quase todos os traders têm alguma história de desencanto com o mercado a certa altura. Normalmente, a razão é uma perda grande e abrupta, como a de Carvalho – e uma tentativa desesperada de revertê-la.

Ariane Campolim (Arquivo pessoal)

Numa dessas situações, Ariane perdeu R$ 15,3 mil em um dia. Operando futuros de dólar, ela estimou que a cotação iria para um lado, mas acabou indo para o outro. Inconformada com a perda, insistiu na tese original, fazendo novas apostas no papel. “Fiquei no trade das 9h às 17h, com um pensamento maluco de que o mercado voltaria a meu favor, o que não aconteceu.”

Sallum conta que a maior perda de sua vida como trader aconteceu após 22 dias consecutivos de ganhos – e, analisa, exatamente por causa deles. “Um período longo sem perdas dá a sensação de onipotência, e isso é perigoso”, diz.

Era começo de 2020, mais ou menos na época em que as conversas sobre a pandemia de coronavírus se intensificavam. Os movimentos do mercado vinham proporcionando bons trades para Sallum, até que um deles não deslanchou. Assim como Ariane, o instinto foi de tentar recuperar a perda ainda no mesmo pregão. Em uma hora, o lucro de 22 dias se foi.

“Joguei um carro fora”, conta Sallum. Junto com os ganhos, foi-se também a confiança. Passaram-se mais de três meses até que ele voltasse aos eixos e retomasse as operações.

“A gestão de risco tem de começar no dia 1”, orienta Gilberto Coelho, analista técnico da XP. Ele recomenda que os investidores destinem para os trades no máximo 5% do capital que possuem.

Além disso, é preciso estabelecer metas para ganhos e limites para perdas, que podem variar segundo o ativo que o investidor estiver operando, seu capital disponível, o momento do mercado e a liquidez dos papéis, entre outros fatores. “Um trader pode errar até três vezes por dia, com perdas limitadas por stops. Assim, o prejuízo é manejável”, diz Coelho.

A Bolsa no lugar da construção

Investidores como Ariane e Sallum, dedicados ao day trade, são a menor parte do mercado. De acordo com um levantamento realizado pela B3, menos de 5% dos investidores de renda variável realizam day trade. E muitos fazem apenas um ou outro negócio do tipo.

De todos os day trades registrados na B3 no primeiro semestre de 2020, 65% foram realizadas por um grupo de apenas cerca de 10 mil investidores – lembrando que há mais de 3 milhões cadastrados para negociar no pregão.

Marco Antônio Medeiros, o construtor de casas de luxo, faz parte da maioria que não negocia diariamente. Seu pai chegou a ter uma corretora de valores entre as décadas de 1980 e 1990, focada em operações com títulos de renda fixa. Ele mesmo, por anos, negociou títulos da dívida agrária. Mas passava longe da bolsa. “Nunca tinha comprado uma ação até meados de 2020”, conta.

Marco Antônio Medeiros (Arquivo pessoal)

Na época, Medeiros estava receoso de iniciar um novo projeto de construção diante das incertezas da economia.

Quando o cenário do setor imobiliário começou a ficar mais claro, ao longo do ano, achou que seria tarde para voltar – e optou por fazer investimentos diferentes.

Depois de estudar, fazer cursos e participar de salas de ações, Medeiros optou por focar em operações estruturadas, que mesclam investimentos em ações com opções de compra ou de venda de ações. Dependendo da combinação que faz, ele consegue estimar os resultados que pode obter nos diferentes cenários de mercado.

Um dos pontos que atraíram Medeiros foi a liquidez que podia obter na Bolsa. “Para fazer uma casa, eu precisava de um ano e meio para projeto e construção e mais seis meses para vender. O dinheiro ficava preso durante todo esse tempo”, conta.

Operando apenas com ações e opções de Petrobras, Vale e Banco do Brasil – algumas das mais negociadas do mercado –, ele consegue se desfazer rapidamente dos papéis, se preciso. Talvez com prejuízo, mas consegue.

Medeiros hoje vive dos rendimentos que obtém nas operações frequentes que faz na Bolsa – e, em paralelo, está montando uma carteira de longo prazo, interessado na distribuição de dividendos.

Seu planejamento e manejo de risco têm como foco obter um retorno anual de 15% a 20%. Pelos resultados até aqui, estima que vá superar a meta ao completar o primeiro ano como trader.

Como se tornar um trader

Ganhos altos e rápidos até podem acontecer. Mas quem vive de trading sabe que a realidade é diferente. Fazer trading, como destaca o Guia de Boas Práticas da Xpeed, é uma arte arriscada que poucos dominam.

Assim como é difícil replicar o sucesso de grandes gestores de fundos, não existe um manual de como se tornar um trader de sucesso. Mas conselhos de quem se especializou nesse mercado – e acerta mais do que erra – podem ajudar. É esse conteúdo que está reunido no guia da Xpeed.

Em primeiro lugar, fazer trading demanda características específicas dos investidores – como controle emocional e comportamental. “Ressignificar os sentimentos causados pelos erros e perdas de dinheiro é uma das chaves para ter o controle do seu lado psicológico. Assumir a responsabilidade sobre seus atos talvez seja uma das tarefas mais difíceis”, indica o documento.

Fora isso, é preciso ter disposição para estudar, e muita. Os quatro entrevistados para esta reportagem dedicaram alguns meses aos estudos antes de realizarem as primeiras operações – ou antes de obterem os primeiros ganhos. E, depois que começaram, foram outros tantos meses antes que resultados consistentes e recorrentes aparecessem.

Aliás, não há regra sobre quanto tempo é necessário para a atividade passar a render de fato. Por isso, é importante ter uma reserva financeira suficiente pelo menos para os primeiros tempos – e depois, para fazer frente aos períodos de perdas ou poucos ganhos.

É preciso lembrar que não é necessário se dedicar exclusivamente ao trading. “É possível operar na Bolsa durante uma parte do dia e manter as atividades profissionais no outro. Ou ainda, optar por outras estratégias que não o day trade”, diz Geraldini, um dos autores guia da Xpeed. “Quem encara o mercado como uma renda adicional tem a tranquilidade de não depender exclusivamente dele para viver”.

Primeiros passos

Para dar os primeiros passos, Ariane e Sallum, por exemplo, começaram operando em simuladores disponibilizados por instituições financeiras. Mas, como operações simuladas não reproduzem o estado mental da vida real, há especialistas que sugerem outra abordagem.

“O simulador é útil para o investidor aprender a mecânica das operações, mas elimina o fator psicológico”, diz Coelho, da XP. Ele indica praticar operando lotes mínimos, mesmo que isso signifique “pagar para aprender” por algum tempo.

O guia da Xpeed recomenda que, antes de migrar para uma conta real, o investidor elabore um plano de trading, com estratégia operacional clara, volume de capital que será alocado, os limites de stop e as metas financeiras.

A definição de limites de perda e de metas de ganho deve partir do volume de recursos que o investidor está disposto a colocar em jogo. “Comece pensando no valor que teria para operar ao longo de um mês”, explica Geraldini. Uma medida razoável para traders iniciantes, segundo ele, são R$ 2.000.

Dividindo esse valor por uma média de 20 dias úteis por mês – e supondo que a intenção seja operar em todos eles – chega-se a R$ 100. “Esse valor deve ser enxergado pelo trader como seu limite de perdas diárias”, diz Geraldini. É com base nele que o investidor deve avaliar em que operações pretende entrar ou não. Como, em geral, os traders buscam ganhos equivalentes a duas ou três vezes seus limites de perdas, as metas, nesse caso, seriam de R$ 200 a R$ 300. À medida que for ganhando experiência, o investidor pode aumentar o valor aos poucos.

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Mariana Segala

Editora de Investimentos do InfoMoney